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4.1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO ATIVISMO JUDICIAL

4.1.2 Conceito de ativismo judicial

Ao analisar o contexto histórico que antecedeu as mudanças ocorridas nos últimos anos, no que se refere a postura do Poder Judiciário especificamente em relação às tentativas de suprir as omissões dos Poderes Executivo e Legislativo, fica visível a necessidade de estudar o que passou a ser chamado de ativismo judicial, que é considerado por muitos como imprescindível para a concretização dos direitos fundamentais283, isso em razão do aumento cada vez maior de decisões sociopolíticas proferidas que afetam diretamente as relações sociais. Importa esclarecer, no presente momento, que de acordo com as lições de Evandro Gueiro284 o juiz pode ser considerado ativo, quando pronuncia suas decisões e cumpre os seus

tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido. (STJ - 2ª Turma. RESP. nº 493811. Rel. Min. Eliana Calmon. J. 11/11/03, DJ 15/03/04).

283 SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 2.

284 EVANDRO GUEIRO, Ativismo Judicial. Biblioteca digital do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/jspui>: Acessado em: 17/07/11.

deveres funcionais com diligência e dentro dos prazos legais, ou mesmo ativista, se, a partir de sua visão progressista, evolutiva e reformadora, souber interpretar a realidade de sua época e conferir às suas decisões um sentido construtivo e modernizante, orientando-se para a consagração dos valores essenciais em vigor, o que tem sido bastante valorizado pela sociedade atual, em razão da concretização de vários direitos fundamentais, dentre eles o direito à saúde.

Com constitucionalizão de vários direitos, conquistados pela sociedade com muita luta e por vezes com as próprias vidas de idealistas, o ato criativo do juiz, que dá cores ao texto magno com o ato de interpretar, passa a ser considerado como necessário para a concretização dos referidos direitos, surgindo dessa interpretação avançada e progressiva, a expressão “ativismo judicial”, que de acordo com a obra Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal

Federal teve o seu primeiro emprego na revista americana Fortune, voltada para não juristas,

mas para o público leigo, conforme pode ser extraído da transcrição abaixo:

No artigo “The Supreme Court: 1947”, o jornalista Arthur Schlesinger Jr. traçou o perfil dos nove juízes da Suprema Corte norte-americana: foram classificados como

ativistas judiciais os juízes Black, Douglas, Murphy e Rutlege; como campeões de

autolimitação, os juízes Frankfurter, Jacson e Burton; e os juízes Reed e Vinson, como integrantes de um grupo de centro. Schlesinger Jr., ganhador do Prêmio Pulitzer e responsável por uma obra dedicada à crítica social americana, com ênfase na exploração do liberalismo exercido por importantes políticos na história daquele país, tinha no ativismo judicial um elemento condicionante de sua análise, ao reconhecer, em uma linha divisória entre juízes ativistas e os de uma autolimitação, um reflexo de uma tendência liberal ou conservadora na atividade judicante de cada magistrado285.

Nesse contexto norte-americano, onde a expressão foi utilizada pela primeira vez, o ativismo judicial (judicial activism) é considerado de acordo com o Black's Law Dictionary como “(...) uma filosofia de tomada de decição judicial pela qual os juízes apresentam suas opiniões pessoais sobre a política pública, entre outros fatores, para orientar suas decisões. De acordo com os adeptos desta filosofia, o julgamento tende a ignorar os precedentes ao encontrar violações constitucionais” 286. Contudo, importa considerar que o conceito não encontra consenso, eis que a expressão “ativismo judicial” pode ser analisada de acordo com diversas vertentes.

285 VALLE, Vanice Regina Lírio do (org.). Op. cit., p. 19-20.

286 Blacks Law Dictionary, Deluxe 9 th. By Bryan ª Garner (editor). West Group, 2009. Texto original: “a philosophy of judicial decision-making whereby judges allow their personal views about public policy, among other factors, to guide their decisions, usu. With the suggestion that adherents of this philosophy tend to find constitutional violations and are willing to ignore precedent”.

No âmbito da pesquisa acadêmica, de acordo com a obra Ativismo Jurisdicional e o

Supremo Tribunal Federal287, acima referida, a sistematização usual é de Keenan Kmiec, que

apresenta cinco conceituações de ativismo judicial: a) prática dedicada a desafiar atos de constitucionalidade defensável emanados de outros poderes; b) estratégia de não-aplicação dos precedentes; c) conduta que permite aos juízes legislar “da sala das sessões”; d) afastamento dos cânones metodológicos de interpretação; e) julgamento para alcançar resultado pré-determinado.

A primeira concepção de ativismo judicial, como prática dedicada a desafiar atos de constitucionalidade defensável emanados de outros poderes, considera a possibilidade de o juiz, em aparente ofensa ao princípio da separação dos três poderes, aplicar o direito aos casos concretos, para isso declarando a ilegalidade de atos praticados pelos poderes legislativo ou executivo, o que ocorreria, por exemplo, se fosse sancionada uma lei orçamementária com previsão para aplicação em publicidade, sem previsão de investimento na área da infância e juventude. Assim, diante da patente ofensa à prioridade absoluta que deve ser dada às crianças e adolescentes (art. 227, CF) poderia ocorrer o controle de constitucionalidade da lei por parte do Judiciário.

A estratégia de não-aplicação dos precedentes, como conceito de “ativismo judicial”, consiste no afastamento, pelo julgador, dos precedentes judiciais, o que não é possível no Brasil, em relação às súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103-A, da Constituição da República288. Importa esclarecer que em razão da existência de proibição constitucional não é possível a não-aplicação dos precedentes judiciais aprovados nos moldes referidos no art. 103-A, da CF, o que não ocorre com os precedentes dos demais Tribunais, eis que os magistrados estão livres para julgar de acordo com as suas convicções e com a independência garantida constitucionalmente.

O “ativismo judicial” como conduta que permite aos juízes legislar “da sala das

sessões”, sendo assim chamados juízes legisladores, leva em conta a postura ativista do julgador, ao revelar um sentido que ultrapassa o que está estabelecido como limite dado pelo legislador, criando os meios e fins relativos a temas determinados e que aguardam complementação legislativa. Assim, diante da dinâmica dos fatos sociais, de acordo com o

287 VALLE, Vanice Regina Lírio do (org.). Op. cit., p. 21.

288 Art. 103-A, CF. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como

referido conceito de ativismo judicial, deve o juiz estar atento às contantes modificações para agir no momento devido.

Nesse contexto, atento à dinâmica social e necessidade de exercício da jurisdição para adaptar a norma aos fatos sociais, Edilson Pereira Nobre Júnior afirma que “a Constituição formula valores dotados da mais elevada abstração, cuja multiplicidade de sentidos permite que o intérprete os adapte a várias situações, inclusive e principalmente modulando-os para ajustá-los aos sinais dos tempos”289, ressaltando que muitas vezes esperar a ação do legislador ou administrador é compactuar com a omissão, surgindo a injustiça por omissão, o que não ocorrerá se o Judiciário estiver atento e aplicar às leis aos casos concretos, de modo a atingir o grande escopo da jurisdição: fazer justiça.

Por sua vez, o ativismo considerado como afastamento dos cânones metodológicos de interpretação, considera a existência de “ativismo judicial” quando o ato de decidir é afastado dos parâmetros aceitos de interpretação, sendo certo que tal visão acerca de “ativismo judicial” é bastante complicada de ser analisada, tendo em vista que não existe um consenso sobre os corretos métodos de interpretação constitucional. Alguns juízes, por exemplo, consideram correta a intepretação literal do texto constitucional, enquanto outros ressaltam que a interpretação, para atingir o seu fim social, deve ir além da estrita interpretação literal.

Importa destacar, ainda, que o conceito sistematizado de “ativismo judicial”, como prática jurisdicional cujo objetivo é alcançar finalidades predeterminadas, esbarra em princípios basilares da atividade jurisdicional, que são os da inércia e imparcialidade, pois, ao partir do pressuposto da existência de uma finalidade predeterminada, identifica-se claramente a ausência de imparcialidade do juiz, o que implica na impossibilidade de análise empírica acerca do caminho percorrido para o julgamento e, também, na desobediência aos princípios do contraditório e ampla defesa, garantidos constitucionalmente.

Por fim, apresentados os conceitos de “ativismo judicial”, importa esclarecer que para alcançar os objetivos estabelecidos no presente estudo, o “ativismo judicial” será analisado apenas como prática dedicada a desafiar atos de constitucionalidade defensável emanados de outros poderes e conduta que permite aos juízes legislar da sala das sessões, pois, apenas através dessas duas visões será possível avançar no estudo acerca da materialização do princípio da prioridade absoluta na concretização de políticas públicas garantidoras dos direitos das crianças e adolescentes. Ressalte-se, inclusive, que antes de analisar os fatores

proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 289 Op. cit., p. 12.

positivos e negativos acerca do ativismo judicial, imprescindível é a análise da teoria da separação dos poderes, na medida em que a mesma está diretamente ligada à possibilidade, ou não, se ser adotada uma postura ativista por parte do Judiciário.