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2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS: COMPREENSÃO GERAL

2.2.2 Controle sobre as políticas públicas infanto-juvenis

Com o objetivo de estabelecer a importância do controle sobre as políticas públicas, com ênfase nas destinadas para a concretização dos direitos das crianças e adolescentes, serão analisadas as formas de controles da Administração Pública, o conceito de discricionariedade administrativa em políticas públicas infanto-juvenis e, por fim, a vinculação entre o descumprimento das deliberações dos Conselhos de Direitos da Criança e Adolescente e a prática de atos de improbidade administrativa.

2.2.2.1 Controles Interno e Externo da Administração Pública

O exercício da função pública pressupõe transparência e necessidade do cumprimento dos preceitos estabelecidos na Constituição Federal, devendo o gestor público manter constantemente a busca pela otimização dos fatores da eficiência, transparência, desburocratização e democratização da estrutura governamental, cumprindo todos os princípios estampados no art. 37 da Carta Magna. Para tanto, principalmente em razão da gestão ser relativa a dinheiro público, deve ser mantida uma estrutura de controle da Administração Pública, internamente e, também, de forma externa, garantindo ao povo, verdadeiro detentor do poder, uma gestão transparente e eficiente dos recursos públicos.

Nesse diapasão, deve a Administração Pública controlar suas próprias atividades e, também, ser controlada por entes externos, como afirmou Phillip Gil França, esclarecendo que em razão da natureza pública da função exercida é necessária a existência efetiva de um sistema de autocontrole, bem como o exercício do controle externo pelo Legislativo (com o auxílio do Tribunal de Contas), do Ministério Público, do Judiciário e, principalmente, da sociedade175.

Resta clara, portanto, a necessidade do exercício do autocontrole, que por determinação constitucional não é suficiente para o satisfatório gerenciamento da coisa pública. É necessária a intervenção de entes externos ao Executivo, sendo importante esclarecer que quando o autocontrole é exercido de forma efetiva, as outras formas de controle existentes apenas constatam que a coisa pública está sendo gerida de acordo com o interesse público. Ressalte-se, por oportuno, que o exercício de tal controle de forma conjunta não significa quebra da independência de cada um dos poderes estabelecidos na Constituição Federal (art. 2°, da Constituição Federal), eis que os Poderes são independentes, mas harmônicos entre si, cabendo a cada um exercer a fiscalização em relação aos demais.

Portanto, faz parte da essência do exercício da atividade administrativa a prática do

autocontrole, visando corrigir os defeitos e maximizar as potencialidades da máquina estatal

com vistas a cumprir de forma cada vez mais precisa o munus público, como enfatizado por Miguel Seabra Fagundes, ao estabelecer que o autocontrole da Administração Pública visa corrigir os defeitos de funcionamento interno do organismo administrativo, aperfeiçoando o

175 FRANÇA, Phillip Gil. O controle da administração pública: Tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 75.

interesse público, com vias a corrigir eventuais defeitos existentes e reparar direitos e interesses eventualmente violados176.

Na prática, porém, o grande problema da Administração Pública está exatamente no exercício do autocontrole, ou mesmo falta de exercício, pois os vários escândalos envolvendo gestores públicos noticiados pela impressa cotidianamente são espelhos de que após a assunção de cargos públicos os ocupantes terminam por visar, em muitas vezes, atender aos interesses privados, em detrimento dos públicos, inserindo nos quadros funcionais dos órgãos públicos parentes e amigos desqualificados, ou mesmo pessoas que lhes deram apoio na campanha política, prejudicando, sobremaneira, o exercício no interesse público.

Assim, exatamente para coibir tais práticas, necessário se faz o exercício do controle da Administração Pública, externamente, devendo o gestor possibilitar de forma plena tal exercício, dando máxima transparência aos atos administrativos, com a publicação do orçamento público na internet, por exemplo, inclusive no que se refere à execução, o que possibilita o exercício do controle por parte da sociedade em geral, materializando, então, de forma efetiva a possibilidade de controle pelo povo, em homenagem ao princípio da democracia.

Seguindo a mesma linha de raciocínio e, com o mesmo objetivo do autocontrole, busca o controle externo exercido pelo Legislativo dar segurança à atuação do Executivo, preservando o interesse público e, muitas vezes, interferindo diretamente no estabelecimento de políticas públicas, como explicitado por Adilson de Abreu Dallari:

(...) A reforma administrativa, com a substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial e o processo de privatização, criou uma nova ordem que exige a participação do Legislativo na formulação de políticas públicas e no acompanhamento e controle de sua implementação. A composição heterogênea do Legislativo e, especialmente, a presença de minorias asseguram o caráter democrático do controle parlamentar (...).177

O fato de o Legislativo ser composto por diversos seguimentos da sociedade, valoriza mais ainda o controle por ele exercido, eis que mesmo integrando a minoria, em algumas situações, os parlamentares podem constatar irregularidades existentes na elaboração, por exemplo, de políticas públicas, e buscar a correção, com ganhos consideráveis por parte da sociedade. Acrescente-se, por oportuno, que a deliberação de políticas públicas

176 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. Atualização de Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 126.

concretizadoras dos direitos das crianças e adolescentes deve ser formulada pelos Conselhos de Direitos das Crianças e Adolescentes, nos termos do art. 88, inciso II, do ECA.

O que se lamenta, atualmente, é a grande interferência do Executivo nas decisões do Legislativo, em razão da existência dos partidos políticos que muitas vezes servem tão somente para encobrir ilegalidades cometidas pelos gestores públicos e impedir o exercício da função fiscalizatória por parte do Legislativo. Surge, assim, a necessidade de controle pelo Judiciário, através do exercício de fiscalização por parte da sociedade ou mesmo através do Ministério Público, devendo, inclusive, ser otimizado o exercício das atividades fiscalizatórias por parte dos Conselhos de Direitos, pois apesar da possibilidade de deliberação e controle das políticas públicas infanto-juvenis, não há efetiva participação desse importante ator do Sistema de Garantia de Direitos na condição de fiscais, representando os pequenos brasileiros.

Quanto ao controle de políticas públicas pela sociedade, importa esclarecer que faz parte do cotidiano do cidadão brasileiro, atualmente, a discussão acerca da aplicação das verbas públicas, existindo inclusive a afirmação, por exemplo, de que o Poder Executivo deveria diminuir os gastos com propaganda institucional e aplicar mais recursos na área da saúde, surgindo, dessa forma, a discussão relativa à ordem de prioridade de aplicação das verbas públicas.

Com o estudo acerca da Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa, o autor Cláudio Pereira de Souza Neto enfatiza que devem prevalecer as deliberações democráticas em detrimento das decisões pessoais dos gestores públicos, que muitas vezes alegando o exercício de mandato popular, buscam satisfazer interesses próprios em detrimento da coletividade. O texto abaixo transcrito esclarece bem a posição de Cláudio Pereira acerca da importância da democracia deliberativa, com o envolvimento de toda a comunidade na deliberação acerca do próprio futuro:

(...) a compreensão da democracia deliberativa deve prevalecer por ser a mais conforme aos postulados (regulativos da interpretação constitucional) da “unidade da constituição”, da “integralidade” e da “coerência”, os quais prescrevem, em síntese, que o sistema formado pelos princípios constitucionais deve ser reconstruído de modo a se compor um todo coerente, integrado e harmônico. Tais postulados se alicerçam na compreensão de que o fato de o direito conter normas que obrigam em sentido divergente é um problema, a ser corrigido pela atividade interpretativa, e não uma característica sua, essencial e insuperável. Além disso, a proposta democrático- deliberativa deve prevalecer também por ser a que melhor permite a cooperação democrática em contextos marcados por um profundo desacordo moral, i.e., pelo “fato do pluralismo”, o qual afasta a possibilidade de se justificar pré-politicamente a

restrição da soberania popular.178

Nesse contexto, importa esclarecer que a aplicação de verbas públicas e deliberação acerca das políticas públicas deverão respeitar o princípio da separação dos três poderes, calcado na ideia de que o exercício do poder estatal deverá ser dividido entre o Legislativo, Executivo e Judiciário, com premissa de que o “poder freie o poder”179, cabendo ao Legislativo, por exemplo, em atividade típica, dispor sobre a distribuição de rendas, com a sanção do Executivo (art. 48 da Constituição Federal), ressaltando que poderá o Judiciário declarar inconstitucional lei tratando acerca da distribuição de rendas, caso não esteja de acordo com a Constituição Federal, por exemplo (art. 102, I, ‘a’).

Fica claro, com o exemplo referido no parágrafo anterior, que o exercício da democracia no Brasil é materializado na ideia da existência do sistema de “freios e contrapesos”, onde poderá ocorrer o controle de um Poder em relação à atividade típica do outro, isso como forma de impedir que o exercício do mandato popular seja usado como justificativa para o cometimento de abusos na aplicação de recursos públicos. O Judiciário é figura essencial na busca da interpretação dinâmica das normas, considerando que estas devem ser concretizadas de acordo com os valores existentes na sociedade de determinada época, o que facilita sempre a concretização dos direitos garantidores do interesse público, como explicado por Maria Goretti Dal Bosco, ao estabelecer a função dos conceitos indeterminados, como o de discricionariedade administrativa:

A função dos conceitos jurídicos indeterminados, em grande parte, é a de permanecerem abertos às mudanças dos valores que a sociedade adota, em cada época, e, por isso, a importância do juiz averiguar as concepções éticas que vigoram em cada sociedade em determinada época. Assim, é fundamental que, ao aplicar uma sanção como as que estão previstas na Lei de Improbidade, por exemplo, por força da conduta administrativa que desrespeita princípios constitucionais, o julgador tenha em mente o alcance da repercussão da atitude da Administração diante dos conceitos éticos dos administrados da comunidade em questão.180

Assim, com o objetivo de buscar parâmetros na aplicação dos recursos públicos, deve ser considerado, ainda, que a Constituição da República, bem como as outras normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, estabelece um campo de possibilidades na destinação dos recursos públicos, ficando claro que no momento que o Legislativo aprova

178 SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Op. cit., p. 20/21.

179 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de la Brède et de. De l’esprit des lois. Éditions Garnier Frères. Paris. 1956, p. 163.

uma lei orçamentária, posteriormente sancionada pelo Executivo, há a possibilidade de discussão da matéria referida na lei, pelo Judiciário, em razão da necessidade de reanálise da destinação das verbas públicas pelo Judiciário, como forma de materializar a teoria republicana que visa extrair das normas o campo de significação prática.

Acrescente-se, ainda, que de acordo com Müller uma teoria pós-positivista da norma jurídica deveria partir do pressuposto de que a norma jurídica é determinada principalmente pela realidade social, considerada o âmbito da norma, concluindo que o texto normativo expressa o ‘programa da norma’, tradicionalmente entendido como o ‘comando jurídico’181, enquanto que a norma propriamente dita deveria ser extraída da realidade social, o que justifica a ação do Judiciário ao extrair da realidade social a correta interpretação da norma jurídica, em detrimento de interpretações equivocadas formuladas por gestores públicos muitas vezes envolvidos em escândalos de corrupção, ao direcionar os recursos públicos apenas para a satisfação de interesses privados, sob a alegação de que estão agindo de acordo com a discricionariedade administrativa, o que é um equívoco.