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2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS: COMPREENSÃO GERAL

2.2.3 Discricionariedade Administrativa em Políticas Públicas infanto-

Ao tratar acerca da chamada discricionariedade administrativa, importa estabelecer que a Administração Pública deve fazer exatamente o que está determinado na lei, ao contrário do particular que pode fazer o que a lei permite e, também, o que não é legalmente proibido. Fica claro, assim, que a chamada discricionariedade administrativa não pode jamais ser confundida com arbitrariedade, eis que o gestor público deve, sempre, obediência à lei, mesmo diante da existência de opções para prática dos atos, ocasiões em que deve o ato ser praticado em favor do máximo interesse público. Gorette Dal Bosco, ao tratar das normas que oferecem faculdades ao administrador no momento de definir quais as políticas públicas devem ser executadas com prioridade, é categórica ao afirmar que é perfeitamente possível a avaliação judicial no que se refere às escolhas públicas formuladas pelo gestor, conforme se percebe com a leitura do trecho abaixo:

(...) a norma que oferece faculdades ao administrador (…) não pode ser concebida como imune à avaliação judicial de modo absoluto, pois sempre caberá discutir a presença do interesse público e da obediência aos princípios constitucionais. Não se trata, aqui, de decidir qual seria, entre as atitudes, a que o agente deveria ter adotado,

mas de verificar se aquela preferida por ele atendeu ao interesse público e se está de acordo com a razoabilidade e proporcionalidade que o caso concreto requeria.182

Pelas lições acima transcritas, fica claro que compete ao Judiciário analisar, dentre as várias possibilidades existentes em decorrência da chamada discricionariedade administrativa, se a opção escolhida pelo gestor obedeceu aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Assim, em caso de opção de investimento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) em uma política pública de apoio à saúde das gestantes em detrimento de outra destinada ao combate do câncer de mama, possivelmente não haverá interferência do Judiciário, eis que a medida tomada pelo gestor foi razoável e proporcional, de acordo com a realidade de uma comunidade que apresentava altos índices de morte de crianças no parto. Contudo, se o investimento dos R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) fosse direcionado para a construção de novos gabinetes para os vereadores, possivelmente o Judiciário iria declarar a ilegalidade da escolha discricionária, diante da análise das prioridades existentes no município.

Dessa forma, quanto à necessidade de exercício efetivo de controle pelo Judiciário, insta esclarecer que apenas o estabelecimento formal da prioridade absoluta não garante que uma criança que mora em uma favela tenha materialmente acesso à educação, na medida em que o direito necessita ser dotado de meios materializadores de seus comandos, ressaltando assim a necessidade de associação de Direito e Economia com o fim de começar a solucionar o problema da escassez de recursos aliada à necessidade que aumenta a cada dia.

O estudo da Economia na gestão pública é imprescindível para otimizar a aplicação dos recursos públicos necessários ao atendimento das ilimitadas necessidades humanas, conforme bem observou Luciano Benetti Timm183 em artigo que estabelece a melhor maneira de prover os direitos fundamentais:

Numa perspectiva de Direito e Economia, os recursos orçamentários obtidos por meio da tributação são escassos, e as necessidades humanas a satisfazer, ilimitadas. Por essa razão, o emprego daqueles recursos deve ser feito de modo eficiente a fim de que possa atingir o maior número de necessidades pessoais com o mesmo recurso.

E qual dos Poderes pode afirmar que o emprego dos recursos públicos foi feito de modo eficiente e atingiu o maior número de necessidades pessoais com o mesmo recurso? A

182 DAL BOSCO, Maria Goretti. Op. cit., p. 377/378.

183 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Qual a maneira mais eficiente de prover direitos

resposta é objetiva: o Poder Judiciário, por determinação constitucional, isso se ficar comprovada a prática de ilegalidades atribuídas aos Poderes Executivo e/ou Legislativo. Seguindo essa linha de raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que compete ao “Poder Judiciário e só a ele que cabe resolver definitivamente sobre quaisquer litígios de direitos. Detém, pois, a universalidade da jurisdição, quer no que respeita a legalidade ou à consonância das condutas públicas com atos normativos infralegais, quer no que atina à constitucionalidade delas”184. Fica claro, portanto, que o Judiciário é a última instância de controle de políticas públicas, na medida em que detém a missão constitucional de prestar a tutela jurisdicional.

Dessa forma, diante da falsa ideia de que o mérito administrativo é inatingível, em razão da impossibilidade de análise da conveniência e oportunidade, típicas de atos discricionários, é forçoso afirmar que o mérito administrativo deve ser enfrentado, em atividade típica do Judiciário, quando o ato praticado não estiver de acordo com os preceitos constitucionais, acrescentando, também, que em casos complexos como de controle de políticas, seja na elaboração ou execução, poderá o Magistrado ser auxiliado por peritos judiciais, dentre os profissionais das mais variadas áreas, com vias a subsidiar o julgador na prolação de sua decisão, como facilmente se percebe com a leitura das lições de Dal Bosco:

(...) pode o magistrado encontrar profissionais tão ou mais capazes de avaliar as questões técnicas as quais se diz que só os agentes da administração pública estariam habilitados a fornecer conclusões. Isso quer dizer que, sempre que o juiz se deparar com situações suspeitas, nas quais a avaliação feita pela Administração mostra-se irrazoável diante dos padrões comuns aceitáveis, podendo-se supor que houve desvios capazes de onerar o Erário, não deve hesitar em determinar perícia técnica para avaliar a razoabilidade e proporcionalidade da medida adotada.185

Especificamente em relação às políticas públicas garantidoras dos direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o art. 88, inciso II, da Lei n° 8.069/90, importa considerar que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente têm como principal incumbência institucional a deliberação e controle das políticas públicas a executar com os recursos do Fundo da Infância e Juventude, podendo o gestor público inclusive ser condenado por improbidade administrativa caso não atue em consonância com as deliberações dos Conselhos de Direitos, conforme se verá no tópico seguinte.

184 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 108.

2.2.4 Improbidade Administrativa e descumprimento das deliberações dos Conselhos