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3.2. Analise das entrevistas

3.2.3. Conceito de aprender língua

As professoras, igualmente, foram questionadas sobre o que representa para elas aprender uma língua. No caso de PP, ela não apresentou esse conceito claramente, e sim retornou ao conceito de língua e de ensinar língua, mas acrescentou que a aprendizagem da língua deve dar elementos para que o aprendiz possa auto expressar-se na língua-alvo.

PC, de forma mais direta conceitua: “aprender língua é saber falar perfeitamente, né? ...como eles... poder usar aquela língua em contextos naturalmente, natural, sem pensar, sem ficar ...vai fluindo naturalmente”.

Talvez, para um professor que tenha bastante experiência no ensino, essa pergunta possa parecer óbvia. Nesse momento ele se colocaria no lugar do aluno ou como aluno, tentando inferir quais seriam suas expectativas ao aprender uma LE, provavelmente por essa razão as professoras tenham sentido um pouco de dificuldade para definir o “aprender língua”. Nas respostas, o que é ressaltado é a aprendizagem de língua, mas os aspectos culturais e sociais não são citados, o que não significa, necessariamente, que elas os ignorem.

3.2.4. Papel do LD ou MD

No caso de PC, a pergunta foi direcionada ao LD, visto que era o material que ela, majoritariamente, utilizava. Perguntamos à professora formadora qual seria o papel do LD nas aulas de LE. A esse respeito ela declarou que ele “serve de apoio”, e justifica sua resposta alegando que sempre notou lacunas nos LDs com os quais já trabalhou e que sente a necessidade de complementá-los porque eles deixam bastante a desejar. A professora expressa seu inconformismo com relação aos LDs ofertados, alegando que nenhum deles é da forma como esperava. No entanto, ela não esclarece o que gostaria que o LD contivesse.

PC: “Ele serve de apoio (...) . Qualquer livro didático é um apoio. Eu nunca trabalhei com nenhum LD que ficasse só nele. Nunca. Eu sempre tive que procurar, ir atrás, sempre falta alguma coisa, sempre deixa alguma coisa a desejar. Eu, pra te falar a

verdade, até hoje não fiquei feliz com nenhum livro que você tivesse tudo, do jeito que eu queria que fosse”.

As palavras de PC corroboram com as de Lindstromberg (2001) que afirma não existir um MD que abarque todas as necessidades do professor e dos seus alunos. No entanto, presenciamos o uso massivo do LD no curso de formação de professores, mesmo não sendo ele adequado aquele contexto, alinhando-se a uma das posturas do MD que Coracini (1999) cita, neste caso ao uso fiel do LD. PC embora se mostre insatisfeita com o material parece render-se à condução que ele lhe dá.

Mesmo não adotando um LD específico na disciplina Língua Espanhola V, mas sim em outro período, PP o considera como um apoio, da mesma forma como PC o definiu. Por outro lado, ela argumenta uma série de questões onde critica os LDs ofertados no mercado editorial. Inicialmente ela reclama da visão eurocêntrica14que os LDs contêm, principalmente os importados (espanhóis), esquecendo-se da realidade latino-americana. Critica a falta de iniciativa dos países da América Latina em produzir seus próprios materiais, alegando que eles têm capacidade, mas falta boa vontade. Comenta que o mercado editorial produz apenas aquilo que traz mais lucro e que na atualidade o mais rentável é o ensino básico regular e os institutos de língua. Por essa razão, os materiais destinados à formação de professores são tão escassos, pois é um mercado considerado restrito se comparado ao ensino regular, isso significa baixa rentabilidade para esse segmento, conseqüentemente o investimento é baixo. Ainda assim avalia os livros teóricos voltados à formação de professores, bastante eurocéntricos e esquecem de analisar o grande contexto de consumidores brasileiros, que estão entre os principais consumidores dos livros editados na Espanha.

No que tange a um LD adequado à formação de professores, ela alega ainda não ter visto um que a satisfizesse, embora a instituição onde trabalha adote uma coleção de LDs para todos os outros períodos que têm essa mesma disciplina (Língua Espanhola) e anteriormente tenha utilizado outro manual por considerar a sua explanação gramatical muito boa. A professora acredita que os alunos que estão se formando como futuros

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Referente a “eurocentrismo” – atitude ou crença na supremacia da cultura de origem européia e sua conseqüente superioridade em relação às demais culturas.

professores de LE não poderiam utilizar o mesmo material dos centros de línguas. Eles deveriam ter uma preparação específica com o apoio de materiais específicos que os ajudem a desempenhar a sua profissão e docência com qualidade. Nesse momento ela deixa bem claro que o professor de LE necessita saber gramática, ele não poderá fugir dela, já que é parte constituinte da língua.

Segundo a participante, os LDs não levam o aluno-professor a aprofundar seu conhecimento a respeito das estruturas gramaticais, assim como a envolvê-lo na realidade da América Latina. Por essa razão ela acredita que esse tipo de material necessita ser complementado, pois não há um LD que forme professores de LE.

O motivo pelo qual abdicou do LD no 5º período, se baseia no grande insumo gramatical ao qual os alunos foram expostos durante quatro anos e que nesta reta final ela necessita “definir o quadro”, ou seja, procurar trabalhar encima das deficiências apresentadas pelos alunos, analisando seus erros, gravando suas aulas, comentando-as junto à classe sobre o desempenho que obtiveram. E esse tipo de trabalho não pode ser feito seguindo um LD especificamente. Neste momento, ele serve como material complementar, e dele podem ser extraídos materiais para serem trabalhados em sala, dependendo da necessidade do grupo. PP assevera que o professor tem que ultrapassar aquilo que já lhe é oferecido, ele necessita criar, inovar para atender seu contexto real. Com base no afirmado ela comenta:

PP: “O professor tem que pegar de tudo quanto é metodologia que já passou pelo mundo, houve e há, e usar aquilo que convém”.

Nesse momento, a professora participante se auto intitula eclética, ela alega que não despreza nada, que cria materiais, mas sem desconsiderar o que os LDs possuem. Mas como esses alunos estão em fase de finalização do curso e já foram expostos a um grande input gramatical, ela acredita que eles necessitam de um material particular.

Conforme os comentários das professoras é nítida a insatisfação com relação ao LD, embora somente PP dê o direcionamento para a formação de professores de ELE. Não há LDs, como a própria professora comenta, voltados para a formação de professores de ELE, então o que nos perguntamos é por que motivo eles são, muitas

vezes utilizados, até fielmente, nesse contexto, não raro igualando a formação de um aluno matriculado nos centros de línguas.

É evidente que um curso de formação não se reduz a essa disciplina, que existem várias outras que servirão como formadoras da ação dos futuros professores. No entanto, pela nossa própria experiência de formação de professores, acreditamos que será nessas aulas que muitos alunos irão se espelhar para sua própria prática futura, o chamado hábitus (Bourdie ,1991), por esse motivo consideramos importante que o professor formador tome consciência disso e tenha um especial cuidado não só em relação ao material utilizado mas também na forma como será explorado.