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Parte I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capitulo 4 – Representações Sociais

4.1. Conceito de Representações Sociais

De acordo com Martins, Pardal, & Dias (2008),

Na sua relação com o mundo envolvente, os indivíduos são constantemente chamados a fazer interpretações, avaliações e a tomar decisões, por vezes de forma imediata, sobre as ocorrências que a sua vivência social vai colocando. Estes processos não são, na sua maior parte, o resultado de uma análise racional, objectiva e científica da realidade, mas o resultado de um saber comum, construído e acumulado no percurso histórico e na vivência quotidiana de cada indivíduo de uma forma em que os dados objectivos se cruzam com a experiência subjectiva. (p. 27, sublinhado nosso)

Este saber comum, edificado e armazenado ao longo da vida, e traduzido na experiência social, na particularização dessa vivência, nas ambições e respetivas esperanças de realização, aloja-se na mente humana sob a forma de pensamentos e de visões da realidade, operando como matriz e ferramenta indispensável na interação dos indivíduos com o mundo circundante (Martins et al., 2008).

As representações sociais, enquanto saber pragmático ou do senso comum, na linha advogada por Durkheim (1977), sociólogo que introduziu o conceito de representações coletivas, com a mesma aceção, reportam-se às categorias de pensamento que conduzem certas sociedades a construir e a exprimir a sua realidade.

Segundo Jodelet (1989),o ser humano tem uma necessidade imperiosa de segurança, de adaptação ao meio, de resolver problemas e questões colocados pela sociedade, razões que nos levam a fabricar as representações. Elas representam “uma forma de conhecimento dotada de um sentido abrangente e pragmático, que assumem uma dupla função que faz delas instrumentos, simultaneamente, interpretativos e adaptativos” (Martins et al., 2008, p. 27).

Não se tratando de categorias pré-estabelecidas, nem sequer universais na consciência, porquanto são fabricadas a partir de factos sociais (Durkheim, 1977), as representações assumem-se como modalidades de entendimento e integração do contexto social em que estamos inseridos, sujeitas à observação e à interpretação; paralelamente, revestem-se de grande utilidade na resolução dos problemas do quotidiano (Martins et al., 2008), permitindo a “integração de novos elementos num quadro de referência pré-existente [e] atribuindo (…) um sentido a estes dados.” (Pardal, Martins, & Dias, 2007, p. 71).

Moscovici (2003), tendo como alicerce o conceito de representações coletivas aventado por Durkheim, concebeu uma teoria moderna de representações sociais, afastando-se do seu antecessor na questão de nomeação dos conceitos: representações coletivas por oposição a representações sociais. Enquanto a teoria de Durkheim parece adequar-se mais a um ambiente social de menor complexidade, quase inexistente nos nossos dias, a de Moscovici ajusta-seàs sociedades modernas, caracterizadas pelo pluralismo e pela celeridade com que as mudanças económicas, políticas e culturais sobrevêm (Farr, 1994).

À luz desta armadura conceptual, compreendemos que a ciência, a religião, as convicções e os mitos das sociedades mais rudimentares estão na origem da noção de representações coletivas, defendida por Durkheim; já as representações sociais, ratificadas por Moscovici, são descritas como fenómenos específicos relacionados com uma forma peculiar de compreender e de comunicar, algo que alia a realidade ao senso comum (Moscovici, 2003). Assim, partindo do conhecimento do senso comum, socialmente edificado e partilhado pelo grupo social em que o sujeito se insere, as representações sociais assumem um sentido polissémico, uma vez que são, concomitantemente, produto e processo da apropriação de uma realidade extrínseca e elaboração psicológica e social dessa mesma realidade (Jodelet, 1989).

O caráter eminentemente social das representações manifesta-se num processo que envolve experiências, práticas, valores e normas de conduta, em que a relação sujeito-objeto é entendida como uma relação interativa e dinâmica e a objetividade e a subjetividade se interlaçam. O sujeito, ao conceber a representação de um objeto, independentemente da sua categoria, representa-se também a si próprio, integrando-o no seu universo de desejos e valores previamente interiorizados e procedentes do seu historial individual e da interação social com os demais (Martins et al., 2008).

As representações sociais afiguram-se, para Moscovici (2003), como uma modalidade de conhecimento singular, uma realidade incontornável, já que os indivíduos trazem consigo o peso das mesmas, copiosamente arreigadas através dos tempos e, por conseguinte, dificilmente abaláveis. Este autor ressalta a importância da pressão exercida pelas representações sociais nas

nossas vidas, pois, ainda que tenhamos presente a noção de que elas são apenas ideias, a verdade é que elas se impõem como realidades inquestionáveis que nós temos, forçosamente, de confrontar.

Com efeito, ainda segundo o mesmo autor, existe uma relação inversa entre a consciência que temos sobre determinadas representações e a influência que essas mesmas representações têm na nossa vida diária, isto é, quanto menor for a nossa consciência sobre certas representações, maiores serão as suas influências no nosso quotidiano. Devemos, por isso, questioná-las e tentar perceber a sua origem, impedindo que se petrifiquem nas nossas mentes. Recuperando a metáfora usada por Moscovici (2003), quando criamos uma representação, num momento de fruição avassalador, vestimos a indumentária do artista, inclinamo-nos perante a obra de arte e adoramo-la, como se de um verdadeiro Deus se tratasse.

Minayo (1995), analogamente, interpreta as representações sociais no espectro da sociologia clássica, como um termo filosófico que designa a reprodução de uma perceção guardada na memória e exteriorizada, através da linguagem expressiva, por palavras, sentimentos e atitudes. As palavras assumem, assim, para a autora, uma importância primordial, já que são elas que nos transmitem, nos diferentes contextossociais, a ideologia das massas.

Corroborando esta visão, Martins et al. (2008) analisam o conceito de representação como “um complexo encadeamento dinâmico e interminável de processos e produtos do conhecimento social, de interacções permanentes entre indivíduo e sociedade, entre a realidade objectiva e o mundo subjectivo, entre os campos psicológico e sociológico” (p. 28). Enquanto significações construídas no contexto social, histórico e cultural, partindo de ajustes entre os participantes na interação, as representações afiguram-se como uma vasta arena que apela à interdisciplinaridade, na ótica de um processo real de conhecimento social, um ser e um dever ser. Este saber discreto é o saber do senso comum, um saber que se distingue do conhecimento científico e que, de algum modo, se relaciona com aspetos políticos, ideológicos e teóricos (Moscovici, 2003).

O saber do senso comum tem uma implicação direta na questão dos valores, pelo que, nesta perspetiva, se podem considerar as representações um instrumento útil na análise das questões sociais, tendo em conta que clarificam o nosso entendimento da relação do sujeito com o mundo, sendo partilhadas por todos e fortalecidas pela tradição (Moscovici, 2003). Este autor considera que o processo de captação das representações ocorre naturalmente, sem grandes dificuldades; porém, definir o conceito pode revelar-se bastante redutor, porquanto compele o leitor a construir a sua própria definição.

Vistas como um processo de construção, as representações sociais, na versão contemporânea do senso comum, conseguem interligar fatores individuais e pessoais, de “pôr em jogo juízos, sentimentos, opiniões, atitudes, trocas de informação, relações intersubjectivas, normas sociais, valores colectivos, ideias, crenças, expectativas” (Martins et al., 2008). Moscovici (2003) reitera esta posição, ao enfatizar a importância dos conceitos, das proposições e das explicações que têm a sua origem na vida diária, no decurso de comunicações interpessoais, avocando, na sociedade hodierna, um papel semelhante ao dos mitos e das religiões das sociedades tradicionais. A este propósito, Gomes (2007), evidenciando o caráter edificador das representações, afirma ainda que:

Essas construções, de certo modo, asseguram ao sujeito social a construção de sentimentos de pertença social e a possibilidade de que estabeleça com seus pares relações de comunicação e representação, o que caracteriza a representação como social, pois é partilhada por vários indivíduos e é coletivamente produzida. (p. 106)

Na linha de pensamento defendida por Moscovici (1960, 2003), outros autores(Durkheim, 1977; Jodelet, 1984; Vala, 1986)explicam que as representações, dada a sua complexidade e a sua dinâmica, são formas socialmente construídas de compreender, configurar, ajustar, significar, partilhar e/ou redimensionar factos, exigindo, obviamente, um estudo das várias disciplinas sociais, no seio de um certo ecletismo. Esta abordagem psicossociológica, cuja ênfase se situa no pluralismo teórico, possibilita a identificação do indivíduo e sua relação histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo. Moscovici (2003) ressalta ainda a importância das interações humanas, quer se trate de indivíduos, quer se trate de grupos, denunciando a relevância das representações na compreensão de quaisquer fenómenos educativos relacionados com a docência.

Deste modo, à luz da indispensabilidade de conhecer as representações que os docentestêm acerca dos cursos profissionais, bem como as implicações dessas representações na construção da sua identidade, adotámos o conceito de representações sociais de Moscovici (2003). Neste sentido, interessa-nos apurar as representaçõessociais de professores, pertencentes a diferentes grupos de docência, no contexto profissional em que estão inseridos, relativamente aos cursos profissionais. Assim sendo, compreender as representações que os professores têm sobre os cursos profissionaissignifica conhecer a sua interação com o objeto desse estudo.