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Parte I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capitulo 4 – Representações Sociais

4.3. Processo sociocognitivo inerente à construção das representações sociais

Como atrás referimos, Moscovici (1960) encarava as representações sociais como modalidades específicas de conhecimento, em que o conceito e a perceção estavam intimamente ligados e cujos conteúdos, de teor essencialmente figurativo, determinavam imagens sobejamente influenciadas pelos ambientes social e atitudinal. Assim, entre a realidade objetiva e a realidade construída, mediadas pelo processo dinâmico das representações, vão surgindo produtos que, não sendo unicamente fruto da segunda, ultrapassam a primeira.

Deste modo, as representações sociais ultrapassam o mero reflexo e a própria reflexão sobre os dados objectivos para se constituírem como leituras subjectivadas da realidade, cujo papel não pode deixar de ser decisivo no processo de tomadas de decisão individual ou, na medida em que forem partilhadas por grupos mais amplos, no desenvolvimento das respectivas estratégias sociais. (Martins et al., 2008, p. 30)

Interessa-nos, pois, perceber a génese desta modalidade específica de conhecimento, noutras palavras, compreender o processo de formação das representações sociais. Moscovici (1960) identificou, por esta ordem, os fatores que estão na sua origem: o desfasamento e a dispersão da informação, a pressão da inferência e a focalização. O primeiro traduz-se numa disparidade entre a informação disponível e a informação necessária, a qual resulta de fatores ambientais diversos; o segundo decorre da urgência de uma resposta célere aos pedidos, impedindo o afastamento necessário entre pensamento e ação, por um lado, e saber armazenado e reflexão, por outro (resultado da pressão social, da urgência de opinar, de ajuizar, de avaliar situações, orientar comportamentos e, por último, agir); o terceiro transcorre da variação de interesses e do facto de, em determinados círculos sociais, se privilegiarem certas relações, que evidenciam preocupações de grupo (imbuídas de afetos, valores, hábitos, costumes, posição social, tradição, etc.).

A premência de opinar tem um efeito perverso, já que provoca, na maioria das vezes, respostas socialmente corretas e adequadas ao contexto, mas antecipa a passagem da constatação à dedução. Como não há homogeneidade no acesso à informação, as representações sociais são bastante diversas, manifestando no plano figurativo a riqueza e a complexidade da

conjuntura social objetiva, enquanto resultado do estado em que se encontra a sociedade (Moscovici, 1960).

O mesmo autor encontrou dois processos que explicam a construção das representações sociais: a objetivação, maneira como se organizam os seus elementos constituintes, e a ancoragem, percurso que determina a expressão de uma realidade apreciada como natural. Este trajeto, marcado pela composição e pela transmutação de elementos, reflete a relação sujeito/objeto e inclui várias fases, desde o processo de seleção, passando pela esquematização, até à naturalização.

No processo de seleção influem vários fatores, designadamente as habilitações, o estatuto social, os valores e as convicções políticas ou religiosas, entre outros, que levam a uma apropriação seletiva da informação disponível (Moscovici, 1960). Na base da retenção seletiva e da descontextualização dos elementos selecionados está uma armadura conceptual figurativa, o coração das representações, concretizada num modelo assaz despretensioso que permite, simultaneamente, explicar o funcionamento do todo e de cada uma das partes, somando renovadas informações e tornando-as conciliáveis com o sistema de representações até então consolidado (Martins et al., 2008, p. 30). Esta teoria simples promove a recontextualização, integrando e imprimindo coerência imediata ao todo e às suas partes constituintes (Martins et al., 2008).

Na esquematização, segunda fase do processo, dá-se uma simplificação da informação, a qual é estruturada e organizada de forma a centralizar os pontos comuns ao objeto e à representação social correspondente. Assim, traduzindo a complexidade do real na articulação de elementos abstratos, as representações sociais perfilham uma dinâmica muito sui generis que acaba por excluir os elementos que contrariem as normas sociais. No plano ideológico, este modelo concorre para a categorização de objetos e processos sociais, emprestando autonomia e independência a essas mesmas categorias e fortalecendo a ideia de que a representação social não reflete unicamente o real, mas antes reflete diretamente os fenómenos que dele fazem parte (Martins et al., 2008; Moscovici, 1960).

Na terceira fase do processo, a generalização, conforme os processos de seleção e de esquematização se vão introduzindo no meio social, originando “categorias como entidades autónomas assimiláveis a figuras manifestas da realidade, é a sua origem colectiva, o seu caráter social que se vão perdendo na consciência, gerando um processo designado por naturalização.” (Martins et al., 2008, p. 32). Não se trata nem de uma noção cristalina nem de uma imitação, trata-se, efetivamente, de um conceito com estatuto de entidade, já que atribui uma realidade

modelo figurativo das representações uma independência e um estatuto de evidência, emancipando-o (Martins et al., 2008; Moscovici, 1960).

A ancoragem, mais explicitamente o seu efeito, refere-se à influência que um valor referencial exerce na avaliação de uma cadeia de estímulos, ou seja, concebe a inserção do objeto numa hierarquia de gostos e papéis previamente determinados. Nesta linha de pensamento, as representações são instrumentos socialmente aceites e ratificados, chamando a si algum protagonismo na orientação e na construção de relações sociais (Moscovici, 1960). Aos dois processos, objetivação e ancoragem, está implícita uma relação de simbiose, não se justificando qualquer separação; estes podem surgir aleatoriamente, uma vez que o que lhes atribui significado é o conjunto de pontos de referência sociais, objetivos e culturais do sujeito.

Síntese

As representações sociais caracterizam-se pela mobilização sincrónica de fatores individuais e coletivos e assentam, amplamente, no orbe da cultura e das mentalidades, no plano da produção e da comunicação das ideias, na fronteira entre o pessoal e o social. Assumindo- se como configuração específica de pensamento, ou seja, o saber do senso comum, elas constituem um processo ativo e imprimem grande dinamismo à comunicação, já que permitem construir e reconstruir, refletir e agir, num círculo permanentemente virtuoso.

Como leituras da realidade, as representações são ferramentas essenciais e altamente motivadoras da ação individual, pelo que, na esfera do nosso estudo, se afiguram como facilitadores significativos na recolha das conceções docentes.