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CAPÍTULO IV – DESENVOLVIMENTO RURAL

3. Políticas de Desenvolvimento Rural

3.2. Principais políticas de desenvolvimento rural

3.2.1. Reflexos da política agrícola comum nos novos espaços rurais a partir dos

3.2.1.1 Conceito e instrumentos da PAC

A agricultura é de importância fundamental na União Europeia, tanto ao nível económico como social e político.

O Tratado de Roma definiu os objectivos gerais de uma política agrícola comum, sendo os seus princípios definidos na conferência de Stresas, em Julho de 1958.

Em 1960, os mecanismos da PAC foram adoptados pelos seis Estados-Membros fundadores e, dois anos mais tarde, em 1962, a PAC entrou em vigor.

A Política Agrícola Comum (PAC) encerra um conjunto de normas e mecanismos que regulam a produção, as trocas e o processamento dos produtos agrícolas na UE, com incidência cada vez maior no desenvolvimento rural.

No artigo 33º do Tratado de Comunidade Europeia, são enunciados os objectivos que a PAC deverá alcançar a nível comunitário, nomeadamente:

119 a) Incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico e assegurando o desenvolvimento da produção agrícola e a utilização óptima dos factores de produção, designadamente da mão-de-obra.

b) Assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos trabalhadores agrícolas.

c) Estabilizar os mercados.

d) Garantir a segurança dos fornecimentos.

e) Assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores.

A fim de atingir estes objectivos, o artigo 34º do Tratado CE prevê a criação de uma organização comum dos mercados agrícolas (COM). As COM são os instrumentos básicos do mercado comum agrícola e têm por objectivo eliminar obstáculos ao comércio intracomunitário de produtos agrícolas e manter uma barreira aduaneira comum face aos países terceiros.

A PAC é financiada pelo Fundo Europeu de Orientação Agrícola (FEOGA) que representa uma parte substancial do orçamento comunitário. O FEOGA é constituído por duas secções: a secção “Garantia”, que financia as despesas relativas à organização comum dos mercados (por exemplo a compra e armazenamento de excedentes e o fomento das explorações agrícolas) e a secção “Orientação”, que faz parte dos fundos estruturais e contribui para as reformas estruturais na agricultura e desenvolvimento das áreas rurais, realizando, por exemplo, investimentos em novos equipamentos e tecnologias. A secção “Garantia” é a mais importante e está classificada como despesa obrigatória no orçamento comunitário. O FEOGA–Garantia financia integralmente a componente de preços e mercados. Quanto ao FEOGA – Orientação, a UE suporta 50 a 75% dos custos de cada programa de acção.

Com a secção orientação do FEOGA, com o FEDER (Fundo Europeu do Desenvolvimento Regional) e com o FSE (Fundo Social Europeu), assegura-se o desenvolvimento do meio rural, nomeadamente o reforço das estruturas agrícolas e silvícolas, e a reabilitação do espaço natural (renovação de vilas, protecção ou conservação do meio natural).

Desde a sua criação, em 1957, a PAC alcançou com êxito os seus objectivos iniciais: fomentou a produção e a produtividade, estabilizou os mercados, protegeu os

120 agricultores contra as flutuações nos mercados mundiais e garantiu a segurança dos fornecimentos. No entanto, os agricultores produziram mais do que o mercado podia absorver, gerando enormes excedentes e um aumento galopante das despesas da UE nesta área. A meio dos anos 1980, considerando que 25% dos agricultores da União contabilizaram para mais de 80% da produção total, foi reconhecido que existiam mais agricultores do que o necessário para as necessidades alimentares da UE. Como tal, a definição dos usos dos campos agrícolas tinham de ser consequentemente alargados (Bonanno, 1990 e O’Hara, 1986). Esta mudança serviu de contexto político-cultural para a reforma da PAC, uma vez que mais factores tangíveis, apelando por uma transformação, foram o “fardo” dos custos elevados do armazenamento dos alimentos em excesso, a insatisfação política com os custos elevados do consumidor para a alimentação, e a tensão política internacional que resultou do apoio financeiro da UE das suas exportações (Cummins, 1990).

Assim, com algumas décadas de existência, a PAC passou por diversas reformas.

3.2.1.2 Uma política em evolução – o mundo rural como pilar de desenvolvimento sustentável

A Política Agrícola Comum (PAC) foi a primeira e, durante muitos anos, a única política verdadeiramente integrada na comunidade, isto é, elaborada e posta em prática por instituições comunitárias.

Ao longo da sua história, a PAC foi obrigada a evoluir consideravelmente, para enfrentar os novos desafios com que foi sendo confrontada. Mas as diferentes tentativas de reforma da PAC, nos anos 80, 92 e 99 , não foram mais que compromissos sectoriais ou financeiros que não permitiram adaptar a PAC às expectativas da sociedade e redefinir o lugar dos agricultores para responder à evolução técnica, económica, política e social.

No início dos anos 80, a PAC sofreu uma transformação radical. Em primeiro lugar, a política sócio-estrutural, que durante muito tempo ocupou um lugar marginal, conheceu uma viragem, sobretudo sob o impulso da adesão de Espanha e de Portugal (1986), com a reforma dos fundos estruturais fundamentada no Acto Único e, de seguida, com o Pacote Delors I, de Fevereiro de 1987.

Os fundos estruturais (Fundo Regional, Fundo Social e FEOGA) são meios previstos pelo Acto Único para atingir a coesão económica e social, de modo a reduzir o

121 afastamento das regiões menos favorecidas. Ressalta do Pacote Delors I que os três fundos devem tornar-se instrumentos de desenvolvimento.

Assim, durante longos anos, a actividade agrícola sofreu um processo de industrialização e de intensificação da produção, visando a sua maximização e o lucro. Concentrou-se a produção nas grandes explorações para aumentar a competitividade e diminuiu-se a produção nas pequenas explorações para fazer baixar os preços, considerando-se estas desnecessárias. Sob uma ideologia agro-comercial, recorreu-se à concentração e intensificação do factor capital na produção, não medindo os impactos agro-ambientais derivados de uma agricultura de regime intensivo.

O Conselho Europeu de Bruxelas, de Fevereiro de 1988, decidiu duplicar a dotação financeira para o período de 1988/93. Daqui resulta uma visão muito mais alargada da PAC, em relação à posição tradicional. Os problemas dos agricultores são finalmente abordados numa perspectiva global, saindo das fronteiras da agricultura propriamente dita (as explorações agrícolas) para tomar em linha de conta o conjunto da problemática do desenvolvimento do mundo rural.

A Comissão, na sua Comunicação de Julho de 1988 sobre o “Futuro do Mundo Rural”, definiu uma nova orientação em favor de uma produção de qualidade, apta a assegurar uma melhor valorização dos produtos agrícolas e a encontrar novos mercados. Assim, em 1992, esta nova posição traduziu-se na adopção de um Regulamento Comunitário sobre a dominação de origem e sobre as indicações geográficas protegidas, assim como sobre as especialidades tradicionais garantidas.

Nos finais dos anos 80, por um lado, a incapacidade de diferentes mecanismos da PAC de eliminar os desequilíbrios crescentes dos mercados e, por outro, a pressão internacional intensificada durante as negociações do Uruguay Round, impuseram a necessidade de uma reforma radical da PAC, aprovada pelo Conselho, em Maio de 1992.

Na proposta da reforma da PAC de 1992, uma chave característica foi a “ambientalização” da política agrícola (Buttel, 1994). Um resultado concreto foi o de que os subsídios (apoios financeiros) tiveram que ser cortados para a produção e simultaneamente uma fonte de receitas alternativa teve de ser fornecida para aqueles que não poderiam competir num mercado cada vez mais desregulado, para preservar a “fábrica da sociedade rural”. Deverre (1995) distingue uma extensão de actores, tais

122 como, os pequenos agricultores e a classe de agricultores ricos, que começaram a fazer novas procuras numa área rural cada vez mais diversificada.

Com esta reforma de 92, o sistema de sustentabilidade dos preços é substituído por um sistema de ajudas directas ao rendimento, calculados em função da superfície e de rendimentos regionais de referência, ou sobre um número determinado de animais. Esta nova PAC é muito mais ciosa da protecção do ambiente, favorecendo os métodos de cultura e de criação menos intensivos e menos poluentes. A reforma de 92 prevê um programa agro-ambiental que reconhece o papel da agricultura na protecção do ambiente e dos solos e na conservação da paisagem natural. No entanto, o desenvolvimento rural pressupõe manter a função produtiva do espaço rural (“não há desenvolvimento rural sem agricultura”). E este objectivo implica que, a par da expansão das actividades locais não agrícolas, geradoras de emprego, e da multifuncionalidade da agricultura, se desenvolva a agricultura das regiões mais atrasadas, modernizando-a e intensificando a sua função produtiva. Estes aspectos, ao serem esquecidos pela Política Agrícola, ou sendo transferidos totalmente para o âmbito das políticas nacionais, comprometem fatalmente os objectivos enunciados.

«Num balanço global, poderá dizer-se que a reforma de 92 abriu perspectivas promissoras de maior eficiência e equidade, em particular pela valorização dos novos objectivos e domínios de intervenção (reconhecimento da multifuncionalidade da agricultura ao serviço do desenvolvimento rural)» (Cordovil, 1997:4). Ela permitiu reabsorver uma grande parte dos excedentes e melhorar o rendimento agrícola. Entretanto, não teve condições de eliminar certos efeitos negativos «(…) manteve-se ainda demasiado vinculada aos interesses de partida, não incentivando suficientemente a mudança e tornando muito mais pesados os mecanismos de gestão e de controlo administrativo» (Idem:4). O apoio dado aos agricultores, sendo desigual e continuando a privilegiar as regiões mais ricas e as explorações maiores em detrimento das regiões e dos produtos mais desfavorecidos, teve consequências nefastas para o desenvolvimento do espaço rural. Por outro lado, as novas medidas agro-ambientais não travaram suficientemente o desenvolvimento de práticas de culturas intensivas e poluentes. Não obstante as medidas adoptadas, persistem, a médio prazo, sérios riscos de novos desequilíbrios dos mercados, em razão do aumento dos rendimentos. Estes factores, a juntar a factores externos decorrentes do futuro alargamento da União e do novo ciclo

123 de negociações comerciais internacionais, devendo conduzir a uma liberalização importante das trocas agrícolas, tornaram necessário uma nova reforma da PAC, que teve por objectivo aprofundar e ampliar a reforma de 1992, através da redução dos preços garantidos, substituindo as medidas de apoio dos preços por ajudas directas, parcialmente dissociados, nos sectores dos cereais, das oleaginosas, das proteaginosas e da carne de bovino, e acompanhando esse processo através de uma política rural coerente.

« (…) Foi evidente o impacto positivo deste processo na promoção de uma maior competitividade e orientação do mercado, na estabilização do rendimento agrícola e na redução dos incentivos susceptíveis de prejudicar o ambiente» ( “Revisão Intercalar da PAC” Bruxelas, 2002).

O documento intitulado Agenda 2000 (também conhecido por Pacote Santer), publicado pela Comissão Europeia em Julho de 1997, expõe a resposta da Comissão aos desafios do século XXI. Em três secções, o documento abre caminho para o alargamento da U.E., procura abordar os futuros desafios económicos e sociais da mesma e apresenta um novo quadro financeiro para o período 2000-2006.

Em 1999, o Conselho Europeu de Berlim aprovou a reforma “Agenda 2000” da Política Agrícola Comum (PAC), uma etapa nova e importante do processo reformador.

A Agenda 2000 representou um aprofundamento e extensão da reforma da política de mercado de 1992 e a consolidação do desenvolvimento rural como segundo pilar da PAC.

Na transformação da PAC, de uma política sectorial para uma política integrada do desenvolvimento rural e crescimento ambiental, a característica mais importante da actual reforma Agenda 2000 é o Regulamento do Desenvolvimento Rural (RDR) 1257/99 (Lowe, Buller, e Ward, 2002). O RDR incorpora diversas medidas existentes na PAC, incluindo: ajustamento estrutural do sector agrícola, apoio para a agricultura nas áreas menos favorecidas, remuneração para as actividades agro-ambientais, apoio para os investimentos para as medidas de processamento, marketing e florestação. As novas medidas a promover são “a adaptação e o desenvolvimento das áreas rurais (Artigo 33)”. Isto alarga o âmbito e a elegibilidade para o apoio da PAC, para fazer das medidas um grande benefício, incluindo a visão das actividades não agrícolas e a visão de os não-agricultores terem acesso à parte central do plano financeiro da PAC (Lowe e

124 Ward, 1998). Efectivamente, a intenção destas reformas tem sido a de mudar os recursos dos grandes agricultores comerciais para os pequenos agricultores não comerciais e para os membros de famílias rurais não agrícolas, em geral.

Na Agenda 2000, a Comissão traçou as grandes linhas desta nova reforma destinada a reforçar a competitividade da agricultura europeia, tanto no interior como no exterior da União, para assegurar o mais elevado grau de segurança e de qualidade dos bens alimentares, para contribuir para a estabilização dos lucros agrícolas, para integrar efectivamente na PAC a protecção do ambiente e promover a diversificação da actividade económica nas explorações com vista ao desenvolvimento do mundo rural. Trata-se, portanto, de realizar um “modelo de agricultura europeia” multifuncional e competitiva, repartida por todo o território europeu, respeitando o ambiente e as exigências dos consumidores, capaz de conservar a variedade da paisagem e de contribuir para a vitalidade do mundo rural.

Em suma, as propostas da UE relativas à PAC estabeleceram uma nova base de apoio a todas as facetas do meio ambiente rural – tanto o natural como o moldado pelo homem. Elas criarão uma nova relação entre o agricultor e a sociedade em geral: um contrato que reconhece o papel crucial de gestor, desempenhado pelo agricultor, na manutenção e protecção do meio rural. Para o agricultor, isto significa a reorientação da agricultura para técnicas de produção sustentáveis. Para a sociedade, significa o desejo de financiar os serviços ambientais essenciais para manter o valor recreativo do mundo rural. De facto, a reforma de 1999 introduziu importantes inovações, nomeadamente na eco-condicionalidade, isto é, a subordinação das ajudas compensatórias directas às exigências ambientais. Os Estados-Membros poderão, assim, reduzir e mesmo suspender as ajudas aos agricultores que não respeitem as disciplinas em matéria ambiental estabelecidas ao nível nacional, em função das especificidades das produções. Nesta nova reforma, a política de desenvolvimento rural adquire uma importância crucial, tornando-se, ao lado da política de mercado, como já foi referido, o segundo pilar da PAC. A nova política de desenvolvimento rural tem por objectivo apoiar a modernização do sector agrícola, a fim de aumentar a sua viabilidade e sustentabilidade, criando novas actividades e oportunidades de emprego e rendimento para a comunidade rural, mesmo fora das explorações, reforçando o seu tecido económico e social e limitando o êxodo rural.

125 Quanto à gestão prática das medidas, a comunidade apoia os documentos de programação em matéria de desenvolvimento rural, sobre as bases dos planos apresentados pelos Estados, e decide da dotação financeira de cada estado membro.

A selecção das medidas específicas cobertas pelos planos incumbe exclusivamente às autoridades nacionais e regionais.

Tanto a PAC como a reforma da PAC ou a Agenda 2000 (a reforma da reforma da PAC) acentuam a tendência para Portugal se transformar num espaço não produtivo, vivendo da assistência económica e social da UE, sem travar a dependência alimentar e a emigração31.

Ainda segundo Lourenço (s.d.), a Europa prevê uma divisão entre espaços rurais com função predominantemente agrícola, reservada aos países do Norte e do Centro, e espaços rurais de lazer ou de reserva natural, caracterizando estes os países periféricos que vêem os seus esforços de desenvolvimento e modernização das explorações agrícolas travados pelas políticas comunitárias. Portugal insere-se neste último grupo, pela debilidade das suas estruturas produtivas, à qual se junta uma fragilidade nos circuitos de comercialização e uma reduzida mão-de-obra disponível, sem formação adequada aos avanços da tecnologia biológica e de informação.