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CAPÍTULO III – CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

2. As Teorias Territoriais do Desenvolvimento Económico – da Questão Regional à

2.6 A Teoria do crescimento endógeno

2.6.2. O capital social e a cooperação

Indicamos duas dimensões no desenvolvimento regional endógeno. A primeira é a económica, na qual a sociedade empresarial local utiliza a sua capacidade para organizar, da forma mais eficaz possível, os factores produtivos da região. A segunda é a sócio-cultural, onde os valores e as instituições locais servem de base para o desenvolvimento das pequenas e médias empresas locais (Válquez, 1988). Desta forma constatamos que o desenvolvimento endógeno não se direcciona para o “localismo” ou isolamento autocentrado e/ou auto suficiente; pelo contrário, a ideia de desenvolvimento endógeno baseia-se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação das estruturas internas, criando condições sociais e económicas para a produção e a atracção de novas actividades dentro de uma perspectiva de economia aberta. “Uma das chaves do desenvolvimento local reside na capacidade de cooperação entre os seus actores” (Godard et al., 1987:139).

Válquez (1988) sustenta que o desenvolvimento regional endógeno, ao incorporar e relevar a importância da sociedade civil assim como os seus processos de organização e relação social, permite que a região atinja um crescimento equilibrado e sustentado de longo prazo, sem entrar em conflito directo com a base social e cultural da região. Para corroborar esta ideia sobre a importância das relações sociais no processo de desenvolvimento, William (1985) realizou um estudo para explicar o desigual crescimento entre o Norte e o Sul dos E.U.A. Conclui que o menor dinamismo da Região Sul se deve a elementos de tradição local que entravavam o progresso, nomeadamente a dominância dos valores agrários, a rigidez da estrutura social, a

107 estrutura política antidemocrática, a pouca responsabilidade social e a mentalidade e o comportamento conformista.

Entendendo o capital social como “confiança, normas e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as suas acções coordenadas” (Putnam, 1996:177) considera-o como a base de uma das principais estratégias de desenvolvimento económico: a cooperação. Kollock (1999) argumenta que devemos esperar uma mudança na estratégia de desenvolvimento regional que coincida com a mudança do modelo de hierarquia de governação para o modelo network, baseado na sociedade, salientando a importância da utilização da Internet nas políticas de cooperação para as acções comunitárias do desenvolvimento local, assim como para a maior facilidade no acesso a bens públicos. Este trabalho em rede, denominado – Política Networked -, é uma estrutura de governação em que o Estado e o social são desagregados verticalmente e horizontalmente mas ligados pela troca cooperativa. A coordenação hierárquica centrada no Estado passa para uma auto-coordenação não hierárquica de actores privados e públicos entre vários níveis de governação.

3. “Os Distritos Industriais” (“Clusters”) - “Arranjos Produtivos Locais” e “ Le Milieu Innovateur”

O desenvolvimento endógeno como forma de organização industrial, caracteriza-se pela crescente substituição do modelo Fordista baseado essencialmente em grandes cooperações com regime de produção verticalizada pelo modelo de acumulação flexível com produção descentralizada e menos dependentes de economias de escala a partir de uma abordagem neoschumpeteriana assente na Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).

Este novo paradigma, marcado pelo modelo de acumulação flexível, possibilita o crescimento de pequenas e médias empresas a nível local. Nesta perspectiva, as pequenas e médias empresas podem organizar-se de diversas formas, merecendo destaque os distritos industriais, clusters e arranjos produtivos que surgem em regiões com um ambiente de inovação (“milieu innovateur”) favorável.

O conceito de Distrito Industrial é da autoria de Marshall (1982). Este conceito foi utilizado para caracterizar as concentrações e interligação de pequenas e médias

108 empresas consolidadas nas regiões central e nordeste de Itália, a partir das décadas de 50 e 60. Traduz a concentração de empresas do mesmo sector, num determinado território, “vivendo do estabelecimento de relações permanentes de cooperação e concorrência, com grandes níveis de flexibilidade produtiva e mão-de-obra especializada abundante” (Condesso, 2005:160). Marshall considerou que as empresas aglomeradas são capazes de apropriar-se de economias externas geradas pela aglomeração dos produtores, que não obteriam sucesso caso estivessem isoladas.

Nesta perspectiva, Marshall (1982) referiu três tipos básicos de economias externas com origem na especialização dos agentes produtivos concentrados geograficamente. O primeiro refere-se aos Spillovers de conhecimento e tecnologia. A proximidade das pequenas e médias empresas facilita a circulação de informação e de conhecimentos entre pessoas ligadas à mesma actividade económica. A segunda forma de economia externa diz respeito à atracção de fornecedores especializados em sectores e segmentos das indústria e serviços ligados à actividade principal mantida no aglomerado produtivo. Por fim, a economia externa refere-se à qualificação e especialização da mão-de-obra.

A investigação sobre as vantagens das aglomerações de pequenas e médias empresas tem estimulado os empresários para estratégias de desenvolvimento local inovadoras, podendo assim inserir-se, de forma mais competitiva no mercado global. Nesta perspectiva analítica, os neoschumpeterianos, especialmente Dosi (1984), acrescentam que as inovações podem ser definidas como sendo uma descoberta, uma imitação e uma adopção de novos produtos, novos processos e novas formas de organização. A inovação pode ser algo novo ou uma combinação de elementos já existentes. No primeiro caso, o impacto da inovação pode romper a estrutura ou o padrão tecnológico anterior, esperando-se uma redução dos custos e uma melhoria na qualidade dos produtos com a implementação da nova tecnologia.

No segundo caso, as inovações incorporadas podem causar melhoria no processo ou organização da produção dentro da empresa sem alteração da estrutura industrial, podendo originar maior eficiência técnica, aumento da produtividade e da qualidade, redução de custos e ampliação das aplicações de um produto ou processo.

109 As discussões teóricas sobre o conceito e identificação dos clusters industriais, assim como da sua importância enquanto instrumentos de estratégia regional, têm sido objecto de diversas vertentes teóricas. Com base no conceito mais abrangente e segundo Schinitz (1997:35), clusters “são aglomerações geográficas e sectoriais de produtores de bens ou serviços diferenciados, cooperando entre si e com outros agentes nomeadamente fornecedores, agentes comerciais, transportadores, etc.”. Em cooperação beneficiam de economias externas, peculiares ou tecnológicas, derivadas não só da produção mas também de actividades de distribuição, marketing, serviços de manutenção e outros serviços especializados. Estas actividades são geralmente resultado de acções conjuntas deliberadas de produtores, fornecedores e outros agentes especializados dentro do prisma da eficiência colectiva. A base de sustentação de um cluster está simultaneamente na existência de economias externas, cooperação privada e apoio público. Neste sentido, o ambiente torna-se favorável à troca de sinergias e de parcerias comuns de relacionamento empresarial. Tornam-se necessárias as acções e articulações de todos os agentes locais ou, se quisermos modernizar a semântica,

networking entre instituições públicas locais, associações empresariais, instituições de ensino e pesquisa e as empresas envolvidos no processo, estimulando, assim, uma maior eficiência, incentivando a especialização, o melhor acesso à informação, à infra- estrutura e à tecnologia.

Tal facto, quando observável, resulta em benefício para o conjunto das empresas pertencentes ao cluster tendo como resultado uma competição positiva entre elas. O papel do Governo será o de incentivar acções de identificação/formação de manifestações embrionárias do cluster e propiciar o seu desenvolvimento num ambiente económico e político estável.

O arranjo produtivo local assemelha-se ao sistema produtivo acima referido. No entanto, aquele envolve um conceito que apresenta relações com níveis de consolidação do conhecimento tácito transferido entre as pessoas ligadas à mesma actividade económica, mas mais frágil. O termo arranjos produtivos locais pode ser definido como aglomerações políticas e sociais num conjunto de actividades económicas com vínculos e interdependência. Digamos que os arranjos produtivos locais poder-se-ão considerar fases embrionárias do sistema produtivo de inovação local.

110 Os elementos contidos nos arranjos poder-se-ão, após o seu desenvolvimento, transformar - se em sistemas produtivos locais.

Os arranjos e sistemas produtivos de inovações locais apresentam as seguintes características: 1. Dimensão Territorial – Ocorrem em municípios, ou apenas em determinada(s) freguesia(s) de um município, e não se limitam às fronteiras políticas. A concentração geográfica tem como consequência o intercâmbio de valores económicos, sociais e culturais, sendo fonte de dinamismo local. O arranjo produtivo local é um território (campo de forças, um espaço físico de relações sociais que se projectam num determinado espaço) onde a dimensão constitutiva é, por definição, económica apesar de não se restringir a ela. 2. Diversidade de actividades e actores económicos políticos e sociais – As actividades são diversificadas e incorporam, além da empresa mãe do “arranjo”, fornecedores, equipamentos, clientes, entidades financeiras, instituições de pesquisa, empresas de consultoria e de assistência técnica, organizações privadas e não governamentais entre outras. 3. O Conhecimento tácito – Caracterizar um “arranjo”e/ou sistema produzido é fruto do conhecimento e da informação implícitos nos indivíduos, organizações e até mesmo regiões. As empresas que se encontram isoladas, ou seja, fora do “arranjo” e/ou do sistema produtivo, dado que as informações sobre novos produtos e/ou mercados chegam geralmente mais tarde, ficam em situações desfavoráveis. 4. Inovação – A capacidade inovativa das empresas (criação de novos produtos, novas formas de distribuição e de produção) são um factor fundamental para o sucesso do “arranjo” produtivo local. Por outro lado, o conhecimento acumulado numa empresa gera novo conhecimento e este é transferido para outras empresas, elevando-se assim o nível de competitividade do arranjo produtivo local.

O ‘’Milieu Innovateur’’ (ambiente inovador) é descrito como um conjunto de elementos materiais (empresas, infra-estruturas), imateriais (conhecimento) e instituições (regras) que compõem uma complexa rede de relações voltadas para a inovação.

A expressão ambiente inovador pode ser compreendida tanto como uma rede de actores locais e/ou como as relações estreitas de desenvolvimento existentes entre território e inovação.

111 O ‘’milieu’’ refere-se à capacidade de “um determinado âmbito territorial para capitalizar a proximidade de actores em forma de aptidão e comportamentos orientados à produção dos recursos existentes, transmissão e acumulação de saberes e conhecimentos vinculados à actividade económica” (Marques, 1998:25).

O meio integra fundamentalmente os seguintes elementos constitutivos :

(a) uma envolvente espacial, reveladora de uma certa homogeneidade de comportamento dos actores sociais e uma mesma cultura técnica, não se confundindo, porém, com o conceito de região, nem possuindo fronteiras físicas pré-determinadas; (b)

elementos materiais (as empresas, os equipamentos, as infra-estruturas) e elementos imateriais (as normas e valores, os fluxos de informação, o saber-fazer), bem como elementos institucionais (as formas de organização do poder público e da sociedade civil); (c) uma lógica de aprendizagem, capacitando os actores para redefinirem e reconfigurarem os seus comportamentos, ajustando-os, à medida que se transforma a envolvente externa, nomeadamente ao nível dos mercados e da tecnologia. (d) um

conjunto de actores, dotados de autonomia decisiva e fortemente informados/integrados na realidade sócio-económica local (empresas, instituições de formação, centros de I&D, etc.); e (e) capital relacional regulador do comportamento dos actores e promotor de dinâmicas locais de valorização dos recursos existentes (Maillat, Quévit e Senn,1993: 5).

Capital humano, conhecimento/pesquisa, informação, instituições e capital social são fonte de crescimento económico. O desenvolvimento deve basear-se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação das estruturas regionais, criando condições económicas e sociais para a produção e a atracção de novas actividades dentro de uma perspectiva de economia aberta.

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