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“Luxo é criar um sonho que perdure” (Hermés)

Antes de prosseguir a análise das tendências que promoveram o desenvolvimento de um maior consumo de luxo, é importante analisar o próprio conceito de luxo que se constitui muito antes da Época Moderna (CASTARÈDE, 2005; LIPOVETSKY, 2005) e na atualidade encontra-se totalmente inserido numa sociedade de consumo.

Na visão de Kapferer , a palavra luxo constitui um problema por ser “ao mesmo tempo um conceito (categoria), um sentimento subjetivo e um termo que carrega uma crítica subjacente, uma contestação no plano moral”. (KAPFERER, 2003, p.72).

Ao se recorrer à etimologia da palavra luxo (de origem latina luxus), vemos que significa magnificência, ostentação, suntuosidade, grandeza. Tudo aquilo, enfim, que não é necessário. Castarède (2005) refere-se como “aquilo que está ligado à luz e até a luxúria (o excessivo, o aberrante, o raro, o extremo)”. (P. 23). Pode-se mesmo admitir que essa referência do autor à luz, esteja relacionada a brilho, luminosidade, esplendor e, por extensão, a um gosto resplandecente ou a uma distinção perceptível.

Buscando a mesma raiz latina da palavra, Roux (2005) assinala que luxus aparece originalmente no vocabulário agrícola para definir aquilo que cresceu em excesso. Como ensina a autora, “esta significação irá mudando ao longo do tempo e passará a significar excesso em geral, e a partir do século XVII luxus significará luxo”. (ROUX, 2005, p.116).

Este último conceito tem curso até hoje. Os atuais dicionários44 significam o luxo relacionando-o ao dispendioso, ao prazeroso, ao refinado, ao suntuoso. Essas definições geralmente remetem ao preço alto, ao prazer, ao desejo, à exceção, ao supérfluo, a conspiscuidade, a raridade, a exclusividade e ao refinamento.

Sobre a contestação do ponto de vista moral e a crítica subjacente ao luxo, citado anteriormente por Kapferer vê-se que para muitos, o luxo é questionável. Este é geralmente estigmatizado e condenado por todos os discursos, em particular pelo discurso político.

Em face da miséria, em face das necessidades básicas insatisfeitas de dois terços da humanidade, em face das doenças, é difícil justificar tanto esforço para uma atividade que parece inútil, até escandalosa. Num momento em que metade do mundo está mal nutrida e o verdadeiro combate é pela igualdade de oportunidades, a ostentação do luxo ofende e escandaliza. (CASTARÈDE, 2005, p. 27).

Malgrado estas contradições a que se reporta Castarède, Valese (2006) argumenta que todas as sociedades conheceram práticas de luxo, desde “as mais primitivas45, advindas da posse, e com o domínio e a acumulação de bens e riquezas”. Nessa perspectiva, vale lembrar que a economia rege a estrutura e as dinâmicas sociais e, por conseguinte, “não há sociedade estatal-hierárquica sem a escalada dos signos faustosos da desigualdade social, sem os sobrelanços ruinosos e as rivalidades de prestígio pelos consumos improdutivos”. (LIPOVETSKY, 2005, p.34).

As análises clássicas sempre interpretaram o fenômeno do luxo com base nas competições estatutárias, no antagonismo e na rivalidade social. Esta dimensão de análise, para Lipovetsky (2005), é considerada muito redutora, pois é necessário considerar , além disso, a dimensão temporal, seja para uma análise dos primórdios ou contemporânea do luxo. E analisa, por exemplo, a lógica do luxo paleolítico como uma ética de luxo, sem a presença de objeto faustoso. Para o autor:

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No dicionário Aurélio, encontram-se as seguintes definições: 1. Modo de vida caracterizado por grandes despesas supérfluas e pelo gosto da ostentação e do prazer; fausto, ostentação, magnificência.2. Caráter do que é custoso e suntuoso.3. Bem ou prazer custoso e supérfluo.4. Viço, vigor, esplendor.

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Há registros do luxo na era do homem da caverna. Dessacralizado hoje, desde a Revolução Francesa, o luxo era sinal de identidade, da relação do homem com Deus, ou melhor, do homem com algo maior do que ele, incompreensível e inapreensível , e que , mais tarde muitos viriam a chamar de Deus (FORBES; 2004, p. 92).

O luxo não começou com a fabricação de bens de preço elevado, mas com o espírito do dispêndio: este precedeu o entesouramento das coisas raras. Antes de ser uma marca da civilização material, o luxo foi um fenômeno de cultura, uma atitude mental que se pode tomar por uma característica do humano-social afirmando seu poder de transcendência, sua não animalidade. (LIPOVETSKY, 2005, p.22).

Na perspectiva, ainda de Lipovetsky (2005), o surgimento do Estado e das sociedades divididas em classes constitui uma das mais importantes rupturas da história do luxo. Para o autor, quando ocorreu a separação entre nobres e plebeus , senhores e súditos, o luxo deixou de coincidir com os fenômenos de circulação e distribuição das riquezas, e passou a harmonizar-se com as lógicas de acumulação, centralização e hierarquização. Naquele momento, surgiram os ricos mobiliários funerários, as arquiteturas e esculturas grandiosas “[...] nos imensos palácios que mandam edificar, a vida de corte é o teatro do fausto e da ostentação das riquezas”. (LIPOVETSKY, 2005, p.34).

Por esta via, o autor mostra que com o fim da dominação política das hierarquias de fortuna e a nova relação com o sagrado, que é sua parte essencial, o espaço do luxo foi alterado; de lugar das obras imortais, portadoras de alta espiritualidade para a extensão da extrema futilidade. Suntuosidades que eram usadas para traduzir o poder, “a extensão social do luxo precedeu a revolução da igualdade moderna. A era democrática não fará mais que ampliar um processo encetado cerca de cinco séculos antes”. (LIPOVETSKY, 2005, p.35).

Martins e Demetresco (2006) apontam que, na história do luxo, verifica-se que seus objetos são constantemente ressignificados; desde os valores da diferenciação que elaboram as identidades dos sujeitos, àqueles proclamados como condizentes ao bem-estar e ao bom-gosto, eleitos por determinada classe social. Nessa perspectiva , os autores destacam que “o luxo atrela-se à ostentação de bens de consumo que portam marcas, que agregam determinados valores simbólicos atribuídos pelas sociedades, que são molas propulsoras de certo tipo de engrenagem socioeconômica”. (MARTINS e DEMETRESCO, 2006, p. 52).

Se passar a analisar o luxo sob o ponto de vista concreto, vê-se que está associado à ostentação, ao capricho, à extravagância, à suntuosidade, ao fausto, à pompa, ao supérfluo, à frivolidade, à aparência, ao poder material. Lembra riqueza e excesso, mesmo que os produtos considerados de luxo se transformem ao longo do tempo. Além disso, “luxo é o que não é corriqueiro e que está relacionado ao talento, ao garbo, à magnificência e à celebração. É tudo o que não é necessário”. (CASTARÈDE, 2005, p. 24).

Ao se analisar, porém o luxo sob os aspectos da imaterialidade, vemos que este associa-se à dimensão simbólica do consumo e se reveste de significação social. Desliga-se do objeto material, para se juntar a um código, a um comportamento. Para Castilho, o luxo está na diferença que se busca pela obtenção de coisas raras, singulares, que deixam de ser comuns e definem “uma individualidade, uma singularidade, alheia às formas e aos padrões convencionais”. (CASTILHO, 2006, p. 47).

Poder-se-ia ainda tentar compreendê-lo sob os pontos de vista etimológico, histórico, cultural, semiológico, comportamental, econômico e comercial, no entanto, para este estudo, interessa refletir sobre o luxo em torno de uma generalização do seu significado , como forma de consumo .