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Nas palavras de Baudrillard (2005), “o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global no que se funda todo o nosso sistema cultural”. (P. 206).

Esse modo ativo de relação a que Baudrillard se refere, nada mais é que uma espécie de transferência das relações interpessoais para a representação individual por meio dos objetos consumidos .Uma vez que se trata de uma experiência cotidiana na sociedade atual, consumir torna-se verdadeira prática ritual, que representa o homem contemporâneo, sua organização social e o universo simbólico desta sociedade.

Rocha (1995) defende a idéia de que o consumo é um dos grandes inventores das classificações sociais que regulam as visões de mundo, numa época em que se consome sempre além do estrito necessário, “pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, sente-se, não só existir, mas viver”. (BAUDRILLARD, 2005, p.38).

Na visão de Douglas e Isherwood (2004), o consumo é considerado uma das formas fundamentais de conquistas das identidades contemporâneas e dos processos de significação na sociedade capitalista. Vê-se, portanto, como expressa Everardo Rocha (1995), que este sistema simbólico articula coisas e seres humanos e, como tal, representa uma forma privilegiada de ler o mundo que nos cerca.

Para Trinta e Trinta (2005) o ato de consumir ganha tons de um mito tribal e serve de moral a um mundo fascinado por objetos tecnologicamente aperfeiçoados e cada vez mais atraentes. A atual lógica do consumo não é, como se poderia supor , a de induzir à compra de determinados bens, “ mas o fato de qualquer coisa poder ser convertida ao serviço dos bens e transformada em mercadoria: produzida, distribuída e consumida”. (ROCHA, 2005, p.111).

Twitchell (2000) garante que, com o surgimento da sociedade de consumo, a oferta e a demanda crescem assustadoramente, consolidando um desejo que já habitava há muito tempo as mentes dos indivíduos: o de consumir. Segundo o autor, antes da Revolução Industrial, só não se consumia tanto porque as pessoas não tinham tanta escolha e tampouco essa diversidade de objetos para desejar (TWITCHELL, 2000).

É importante salientar que a progressiva expansão do sistema capitalista e o crescimento da produção industrial trouxeram novas necessidades e desejos ao ser humano , originando ciclos dinâmicos de oferta e demanda . Com a sociedade de consumo, os objetos passam a seguir uma lógica social ou obedecem a uma outra: a do desejo irreprimível.

Nessa perspectiva, Bourdieu (1981), acredita que a lógica por trás da chamada revolução do consumo, reside na combinação perfeita entre a concorrência inerente aos meios de produção para atender aos desejos dos consumidores e a luta pela distinção por intermédio da busca por novidades que confiram um distintivo diferenciado para quem consome.

Isso mostra que os padrões de consumo são socialmente determinados, e que os objetos consumidos passam a adquirir um valor de diferenciação entre os homens. E este processo, que Baudrillard (2005) chama de “sociologia da diferença”, traduz uma procura social objetiva de sinais e diferenças, e funda o consumo, não como função de uma satisfação individual, mas como uma atividade social.

Needell (1988) comenta o surgimento desta dinâmica consumista, e conta que, quando o círculo mais amplo da aristocracia adotava uma novidade, naquele momento, a inovação se estabelecia e de forma quase simultânea os membros mais abastados da burguesia, atraídos pelos emblemas de codificação social prestigiosos, procuravam imitar os novos hábitos de consumo numa tentativa de emulação da classe cuja legitimidade continuavam a invejar. Em seguida o restante da burguesia acompanhava, fazendo ajustes e

compensações no custo do material, de modo a se ajustar aos novos padrões de gosto consagrados por suas figuras proeminentes, em sociedades ainda dominadas socialmente pela aristocracia. Naquele momento,

[...] as pessoas podiam apenas sugerir seu status social pelo (bom) gosto. As pessoas se destacavam no anonimato do cenário urbano pela escolha "certa", associada a certo estilo de vida sutilmente diferente daqueles que tinham apenas dinheiro [...] qualquer um com dinheiro, poderia pagar por roupas caras; os aristocratas, ou os burgueses que queriam se passar como tais, só podiam se diferenciar por escolhas que evidenciassem um gosto característico. (NEEDELL, 1988, p.02).

É importante observar que, quando se acirrou a disputa por prestígio entre a burguesia e a nobreza, houve toda uma transformação dos comportamentos e das estruturas sociais, expressando um aumento considerável no consumo, ou melhor, ocasionando um público consumidor. Daí em diante, “uma nova economia organiza a relação de valores onde o capital simbólico dos objetos passava a adquirir cada vez mais destaque nas avaliações”. (SOARES, 2006, p .84). Além do valor de uso destes objetos, a sua aquisição simbolizava poder, distinção, status e reconhecimento social.

Diante do exposto, pode-se pensar que os consumidores historicamente criam significados para a sua relação com os produtos adquiridos, ora valorizando o valor de troca destes, no que se refere à possibilidade de acesso, ora o seu valor de uso.

Em sua obra O Mundo dos Bens, (2004) Douglas e Isherwood enfatizam a esfera social e coletiva do consumo. Para esses autores, o consumo é público e desempenha, sobretudo, um papel ritual nas sociedades. Por esta via, as relações entre as pessoas são mediadas por bens, uma vez que eles servem para transmitir significados, os quais só existem para o social, e que só fazem sentido se forem compartilhados socialmente. Assim, para os autores, a hipótese do consumidor solitário é um argumento fraco ante a perspectiva imperativa de considerar a atividade do consumo como uma produção conjunta (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004). Nessa perspectiva, o consumo só faz sentido no universo público, quando socialmente compartilhado. Em outras palavras, consome-se para o outro.