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Capítulo II: TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: CONTEXTO HISTÓRICO E

2.3. A Teologia da Libertação: os aspectos fundamentais para a sua compreensão

2.3.3. O conceito de pobreza elaborado pela TL e sua opção preferencial

Entender a missão da Teologia da Libertação é identificar a quem seus adeptos dedicavam sua ação sócio-pastoral. Como vimos, o continente latino-americano – o qual detém o maior número de católicos no mundo – sofre com a pobreza de milhões de seus habitantes, espoliados dos direitos humanos mais básicos, vítima de um sistema econômico injusto, de acordo com as formulações dos teólogos da Libertação. É com o objetivo de fazer uma análise sociológica de quem eram esses “pobres” que vamos conferir o que tem a dizer sobre o assunto os principais autores da Teologia da Libertação.

Como a Teologia da Libertação se utiliza de vários conceitos marxistas, seria natural se dentro de sua doutrina a luta fosse travada em nome do “proletariado” ou da “classe dominada”. Contudo, o cristianismo de Libertação não é um movimento marxista, mas sim sócio-religioso que visa à libertação do ser humano concreto. Assim, o pobre é aquele que é resultado de relações sociais, por um sistema desigual por e contra pessoas concretas, tendo como fundamento a noção de classe social de Karl Marx, mas com outra conotação. Assim é que Boff afirma:

O pobre a que nos referimos aqui é um coletivo, as classes populares que englobam muito mais que o proletariado estudado por Karl Marx (é um equívoco identificar o

pobre da Teologia da Libertação com o proletariado, como muito críticos fazem): são os

operários explorados dentro do sistema capitalista; são os subempregados, os marginalizados do sistema produtivo – exército de reserva sempre à mão para substituir os empregados – são os peões e os posseiros do campo, bóias-frias como mão-de-obra sazonal. Todo este bloco social e histórico dos oprimidos constitui o pobre como

fenômeno social (C. BOFF; L. BOFF, 2001, p. 15, grifos meus).

Dentro da Teologia da Libertação há o alargamento da noção de pobre, sendo constituído por diversas causas e sujeitos. De acordo com Pablo Richard, a pobreza faz a Igreja repensar sua própria ação, devido à complexidade que ela traz à missão da Igreja, pois, como figura que possui atenção especial por parte de Deus, o pobre “irrompe hoje na Igreja desde culturas e raças diferentes, desde uma condição concreta de gênero (homem-mulher) e de geração (jovens)” (RICHARD, 2003, p. 26). O pobre, por essas razões, tem um estilo de vida, uma particularidade que em uma sociedade de classes não é respeitada. O pobre não apenas sofre com sua situação, mas é ele quem deve esforçar-se para romper contra a opressão que lhe é imposta, como Gustavo Gutiérrez ilustra:

Muitas vezes o pobre possui uma cultura com valores peculiares; ser pobre é um modo de viver, de pensar, de amar, de orar, de crer, de esperar, de passar o tempo livre, de lutar pela própria vida. Ser pobre hoje significa igualmente, cada vez mais, empenhar-se na luta pela justiça e pela paz, defender a própria vida e liberdade, buscar maior participação democrática nas decisões da sociedade, assim como organizar-se “para uma vida integral de sua fé” (Puebla n. 1137) e comprometer-se na libertação de toda a pessoa humana (GUTIÉRREZ, 2000, p. 17).

Dentro da Teologia da Libertação a pobreza real, concreta e identificada não é aquela assumida por muitas ordens religiosas como um valor em si, mas é uma pobreza que é imposta e causada e que deve ser combatida. Isso porque “pobreza concreta incluí míngua, fome, escravidão à doença e toda sorte de limitações que poderiam ser superadas pela ausência da pobreza” (BOFF, 1998, p. 278). A pobreza deixa de ser uma “alienação”, um valor que não possuí valor; ela é conseqüência de um sistema que excluí e explora; não é imitação à vida de Cristo, mas sim uma afronta a quem pedia justiça e paz na terra.

É com esse propósito que surge – mais precisamente na Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano de Puebla e 1979 – a opção preferencial pelos pobres. Essa postura foi causadora de grande polêmica dentro da Igreja, visto que a instituição católica tem a pretensão de ser universal, mas estaria estendendo sua mensagem a um determinado setor da população. Essa opção, na visão dos teólogos da TL, nada mais seria que estar ao lado dos que mais sofrem, dos sem voz e sem vez, de quem precisa de uma direção, que muitas vezes só pode ser dada pela religião. Assim, “podemos entender a Teologia da Libertação como aquela reflexão de fé da Igreja que tomou a sério a opção preferência e solidária com os pobres” (C. BOFF; L. BOFF, 2001, p. 74).

A Teologia da Libertação inovou ao tomar uma atitude em relação à missão pastoral da Igreja para direcioná-la em favor de uma parte da população, mas oprimida e desamparada na sociedade. Não é favorecer alguém contra alguém, mas, partindo de uma constatação real (de que uma grande parcela da população é excluída e marginalizada) e uma atitude de fé, torna-se “uma opção teocêntrica e profética que deita raízes na gratuidade do amor de Deus e é exigida por ela” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 25). Fica menos conturbada a opção preferencial pelos pobres da Teologia da Libertação quando vemos que seus teólogos afirmam que os ricos e poderosos não estão excluídos da ação pastoral; afinal de contas, de acordo com a doutrina da TL, quem oprime também é digno da mensagem de Deus e esse fato não é negligenciado. Juan Luis Segundo, a

esse respeito, afirma: “optamos pelos pobres e ricos porque a Igreja pertence a todos, mas damos preferência aos primeiros” (SEGUNDO, 1987, p. 55).

Por fim, neste segmento, podemos destacar que assim como todos os preceitos da Teologia da Libertação, a caminhada junto aos pobres tem em seu cerne a inspiração religiosa. Afinal de contas, a pobreza como resultado de uma imposição social causada por um sistema desigual, não é desejada por Deus; assim é que o desamparo de um pobre consiste em:

Um desafio lançado a Deus mesmo que resolveu, um dia, intervir para restabelecer a justiça porque a pobreza exprime uma quebra da justiça porque ela não é gerada espontaneamente, mas por um modo de produção expropriador. São os pobres os naturais portadores da utopia do Reino de Deus; são eles que carregam a esperança e a eles deve pertencer o futuro (BOFF, 1994, p. 198).

O pobre dentro da TL é o sujeito privilegiado da palavra de Deus. Sua força espiritual fez com que surgisse uma nova inspiração de como ler e interpretar a Bíblia, resultando em uma ação pastoral completamente nova para a Igreja. Sobre a identificação da Igreja com os pobres e sua opção para com eles, Boff diz: “esta opção não é interesseira e política, como maneira de a Igreja-instituição se colocar ao lado da força histórica emergente: as classes populares cada vez mais decisivas na condução da história” (C. BOFF; L. BOFF, 2001, p. 74).

Entretanto, essa opção teológica e social é polêmica. Em um artigo publicado na Revista Eclesiástica Brasileira (n° 268 de 2007)29, denominado Teologia da Libertação e a Volta ao Fundamento, Clodovis Boff rediscutiu vários temas envolvidos com a Teologia da Libertação, especialmente em relação à sua opção preferencial. O irmão de Leonardo, que junto a ele escreveu Como Fazer Teologia da Libertação, afirmou que essa opção tornou-se evidente em si e que a opção foi tomada em nível teórico de maneira indecisa, criando ambiguidades. Isso porque na opinião de Clodovis os principais teólogos que pensaram a TL caem em um uma hesitação epistemológica entre a figura de Jesus e a dos pobres. O resultado seria que a Teologia da Libertação, sem uma consistência teórica, não possuiria uma consistência pastoral.

Não obstante, a partir desse segmento podemos ver que a Teologia da Libertação volta sua ação a um sujeito identificado historicamente – os pobres – ao mesmo tempo em que reconhece que o pobre é um conceito amplo e complexo. Mais além, a opção para a luta com os pobres não

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Uma reprodução do texto integral é encontrada disponível na internet em:

é apenas uma opção política e social, mas, fundamentalmente, uma opção de fé. Corroborando com essa afirmação, veremos agora como a figura de Jesus Cristo se tornou o exemplo para milhões de pobres e oprimidos lutarem pela justiça social diante das situações mais adversas.