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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA RODRIGO AUGUSTO LEÃO CAMILO

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

RODRIGO AUGUSTO LEÃO CAMILO

A AÇÃO POLÍTICA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE:

ESTUDO DE CASO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA

(MT)

Goiânia – GO

2013

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Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou

download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data. 1. Identificação do material bibliográfico: [ x ] Dissertação [ ] Tese 2. Identificação da Tese ou Dissertação

Autor (a): Rodrigo Augusto Leão Camilo E-mail: rodrigoalc@uol.com.br

Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ x ]Sim [ ] Não Vínculo empregatício do autor Professor

Agência de fomento: Conselho Nacional de

Desenvolvimento Tecnológico Sigla: CNPQ País: Brasil UF:GO CNPJ:

Título: A ação política da Teologia da Libertação hoje: estudo de caso da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT)

Palavras-chave: Teologia da Libertação; Ação Política; Prelazia de São Félix do Araguaia

Título em outra língua: The political action of Liberation Theology today: study case of the Prelature of São Félix do Araguaia

Palavras-chave em outra língua: Liberation theology; Political Action; Prelature of São Félix do Araguaia

Área de concentração: Sociedade, política e cultura Data defesa: (dd/mm/aaaa) 26/02/2013

Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Sociologia Orientador (a): Flávio Munhoz Sofiati

E-mail: sofiati@gmail.com Co-orientador

(a):* E-mail:

*Necessita do CPF quando não constar no SisPG

3. Informações de acesso ao documento:

Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM [ ] NÃO1

Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertação.

O sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertações, antes de sua disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do Acrobat.

________________________________________ Data: ____ / ____ / _____ Assinatura do (a) autor (a)

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Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo.

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A AÇÃO POLÍTICA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE:

ESTUDO DE CASO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA

(MT)

Dissertação de Mestrado apresentada para o Programa de Pós-graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás para a obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Linha de Pesquisa: Sociedade, política e cultura

Orientador: Prof. Dr. Flávio Munhoz Sofiati

Goiânia – GO

2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)

GPT/BC/UFG

C183a

Camilo, Rodrigo Augusto Leão.

A ação política na Teologia da Libertação hoje [manuscrito]: estudo de caso da prelazia de São Félix do Araguaia (MT) / Rodrigo Augusto Leão Camilo. - 2013.

153 f.

Orientador: Prof. Dr. Flávio Munhoz Sofiati

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Sociais, 2013.

Bibliografia.

1. Teologia da Libertação. 2. Ação Política. 3. Prelazia de São Félix do Araguaia. 4. Marxismo I. Título.

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A AÇÃO POLÍTICA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE:

ESTUDO DE CASO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA

(MT)

Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, para obtenção do título de Mestre em Sociologia, aprovada em ____/____/____, pela Banca Examinadora constituída pelos professores:

____________________________________________________

Prof. Dr. Flávio Munhoz Sofiati (Presidente)

____________________________________________________ Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva (Membro)

____________________________________________________ Prof. Dr. Nildo Silva Viana (Membro)

____________________________________________________ Prof. Dr. Manuel Ferreira Lima Filho (Suplente)

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Devemos viver amando aquilo que não veremos jamais. É este o segredo da disciplina. É a recusa de deixar que o ato criativo se desvaneça numa experiência sensível imediata, ao mesmo tempo que é um obstinado empenho para o futuro que virá depois de nós

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Em primeiro lugar, ao meu orientador, o professor doutor Flávio Munhoz Sofiati. Além de possuir grande conhecimento na área de minha pesquisa, o professor Sofiati me ofereceu um suporte de pesquisa indispensável, me auxiliando em minhas dúvidas, cobrando e direcionando para que o trabalho se tornasse o melhor possível.

Agradecimento grande à equipe da Prelazia de São Félix do Araguaia, cuja hospitalidade, profissionalismo e atenção para com minha pessoa contribuíram para minha boa pesquisa de campo. Meu agradecimento especial para o pessoal do Arquivo da Prelazia, Edileuza e o padre José Luiz e, especialmente, a Pedro Casaldáliga, o qual com muita humildade e disponibilidade me atendeu em sua casa para conversar e acompanhar parte de sua rotina.

O trabalho profissional não se aparta da vida pessoal. Assim é que o apoio de minha família é decisivo para que eu esteja em paz para me dedicar à pesquisa. Portanto, aos meus familiares dedico este trabalho, tendo como carinho especial à minha mãe, Dorzina de Sousa Leão, por todo amor e dedicação.

Por fim, menção deve ser feita aos meus grandes amigos, não só por conta da amizade e companheirismo oferecidos a mim, mas também pelas tantas conversas que, entre tantos assuntos, contribuíram inclusive para o meu trabalho. Não tendo espaço para mencionar todos, cito apenas alguns que foram especiais nos últimos dois anos: Lívia de Almeida Machado, Marco Aurélio Corrêa de Araújo, Rodrigo Mendes de Oliveira e Vinicius Felipe Leal Machado.

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A Teologia da Libertação é um movimento religioso com forte envolvimento nas questões sociais da sociedade e que durante a década de 1970 foi muito popular na América Latina. Essa popularidade se deve em boa parte devido a uma ação política intensa em sua pastoral que, em busca de se fazer algo concreto pela parcela da população empobrecida e oprimida, chocou-se com os interesses da política nacional da época. Este trabalho busca, assim, verificar as mudanças na ação política da TL nos últimos 40 anos, que fizeram com que o envolvimento dessa teologia com uma participação direta na política fosse relegada a um segundo plano em favor de uma atenção maior às questões internas da Igreja Católica. Nesse esforço, fazemos um estudo de caso na Prelazia de São Félix do Araguaia (MT). Essa escolha justifica-se devido ao fato que atuação dessa igreja liderada por 34 anos pelo seu bispo dom Pedro Casaldáliga foi a que mais se aproximou do modelo de Igreja dos Pobres preconizada pelos teólogos da libertação.

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Liberation theology is a religious movement with strong involvement in social issues within society that during the 1970‟s was very popular in Latin America. This popularity is in large part due to intense political action in their pastoral, looking to do something concrete for the portion of the population impoverished and oppressed, collided with the interests of national policy at the time. This paper seeks therefore to check the changes in the political action of TL over the last 40 years, which meant that the involvement of this theology with a direct interest in politics was relegated to the background in favor of a greater attention to issues inside the of church. In this effort, we‟ll do a case study in the Prelature of São Félix do Araguaia (MT). This choice is justified due to the fact that actions of this church for 34 years, led by its bishop Pedro Casaldáliga, was the closest to the model of the Church of the Poor advocated by the theologians from the TL.

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ACB – Ação Católica Brasileira AP – Ação Popular

CEB – Comunidade Eclesial de Base

CELAM – Conselho Episcopal Latino-Americano

CODEARA − Companhia de Desenvolvimento do Araguaia IC – Igreja Católica

JAC − Juventude Agrária Católica JEC − Juventude Estudantil Católica JIC − Juventude Independente Católica JOC – Juventude Operária Católica JUC - Juventude Universitária Católica ONG – Organização Não Governamental TL – Teologia da Libertação

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INTRODUÇÃO ... 1

Capítulo I: A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO EM WEBER E MARX: APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DO RELIGIOSO NA SOCIEDADE .... 9

1. A relevância do fenômeno religioso na sociedade ... 10

1.1. A relação marxismo e religião pela ótica do conceito de afinidade eletiva ... 21

1.2 O marxismo da Teologia da Libertação e a religião no marxismo ... 29

1.2.1. O materialismo histórico: a análise crítica da realidade ... 30

1.2.2 Elementos para uma sociologia da religião marxista ... 40

Capítulo II: TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: CONTEXTO HISTÓRICO E ELEMENTOS DOUTRINÁRIOS ... 50

2.1. O Prelúdio da Teologia da Libertação no Brasil: as ações da esquerda católica .... 51

2.2. As diferentes tendências presentes na Igreja Católica... 55

2.3. A Teologia da Libertação: os aspectos fundamentais para a sua compreensão ... 59

2.3.1. Os fatores internos e externos que levaram à eclosão da TL ... 59

2.3.2. A situação social vista pela ótica da Teologia da Libertação ... 64

2.3.3. O conceito de pobreza elaborado pela TL e sua opção preferencial ... 70

2.3.4. O significado da figura de Jesus Cristo na Teologia da Libertação ... 73

2.3.5. O modelo de Igreja da TL: transformação sem ruptura ... 79

2.4. A TL na defensiva: o novo contexto político e a ação neoconservadora católica... 86

Capítulo III: O ATUAL MOMENTO DA TL A PARTIR DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA: A REDEFINIÇÃO DE SUA ATUAÇÃO PASTORAL ... 99

3.1. A TL hoje: a adequação de sua ação pastoral ao atual contexto político ... 100

3.2. A Prelazia de São Félix: a Igreja dos pobres contra os poderosos nos anos 1970 118 3.3. A Prelazia hoje: o desafio de manter uma ação militante no atual contexto ... 123

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa de mestrado tem como objeto o estudo do movimento que ganhou força dentro da Igreja Católica (IC) conhecido como Teologia da Libertação (TL)1. Sua importância consiste no fato de que em um momento que a Igreja estava repensando sua posição e suas ações em relação ao mundo moderno, um grupo de teólogos concebeu uma teologia que aproximou o clero católico de seus fiéis – especialmente os empobrecidos. A TL representou uma proposta nova em relação ao modelo de Igreja vigente à época e pregava a descentralização do poder na Igreja e uma maior atenção à realidade dos seus fiéis, estabelecendo assim uma “Igreja do Povo”. Entretanto, à medida que a “Teologia dos Pobres” aumentava sua popularidade com o clero católico e com parte dos fiéis, o setor mais conservador da Igreja começou um processo de “contenção” da TL. Ao mesmo tempo, o contexto político também se alterava no Brasil com o fim do regime militar e a volta da democracia. Assim é que a teologia pensada por autores como Leonardo Boff e Gustavo Gutiérrez, entre outros, teve que se adaptar não só às críticas da hierarquia da IC, mas também ao novo contexto da sociedade contemporânea, como seus novos atores políticos e temas alternativos.

Dessa forma, o presente estudo trabalha como problema de pesquisa o envolvimento atual dos religiosos da Teologia da Libertação com os assuntos políticos da sociedade, havendo nos dias de hoje uma ação menos radical e direta com a política. Esse questionamento se justifica pelo fato de que durante a década de 1970 o setor da Igreja Católica ligado à TL teve forte envolvimento com as questões políticas da época, seja nos temas locais como o caso da Prelazia de São Félix do Araguaia, seja em âmbito nacional com as acusações de violações dos direitos humanos contra o governo dos militares. Contudo, com as transformações da sociedade a com o fim do regime militar e o desencorajamento do envolvimento do seu clero com a militância política por parte do Vaticano, a Teologia da Libertação foi gradualmente se afastando da ação política mais engajada e radical, passando a priorizar outros temas e causas.

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Ao longo do trabalho, ao nos referimos à Teologia da Libertação estaremos falando da vertente católica dessa teologia. Isso porque o termo Teologia da Libertação já era mencionado em trabalhos anteriores aos de Leonardo Boff e Gustavo Gutiérrez. Um exemplo é o presbítero Rubem Alves, o qual defendeu sua tese de doutorado em Princeton (EUA) com o nome “Teologia da Libertação”. Sua obra é referência quando se trata da vertente protestante da Teologia da Libertação no Brasil.

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Em nosso esforço para pensarmos a relação da política com a religião, lançamos mão da concepção de Joanildo Burity (2008), o qual procura romper com visão simplista de que religião e política não devem interagir, em nome da “separação entre Estado e Igreja no Brasil”. Para o referido autor, os atores religiosos no âmbito da esfera pública e da esfera política trazem sua linguagem, seu ethos e suas demandas nas mais diferentes direções. Assim é que para Burity:

Ora esses processos contribuem para caracterizar formas pluralistas e dialógicas de convivência e de enfrentamento de problemas sociais e políticos, ora apontam para o estreitamento dos canais de comunicação e para a escalada da violência e da intolerância (BURITY, 2008, p. 84).

O ocidente – e, naturalmente, com o Brasil incluído – descobriu com a história que a relação institucional do Estado com a Igreja é algo extremamente problemático. Contudo, não é correto por conta da oposição a essa relação que se pregue que a religião deve estar apartada do mundo político. Indo na mesma linha de Burity sobre a validade da relação entre política e religião está o sociólogo Paul Freston, o qual rejeita a união do Estado com a Igreja, mas pensa que o religioso, como outras esferas da sociedade, tem a contribuir com a política. Freston condena a atuação fisiológica de grupos religiosos na política, mas isso não invalida essa relação, visto que: “a política não deve ser meio de fortalecer uma religião em detrimento de outras, mas dizer que a religião em si não tem nada a ver com a conduta política é lógica e historicamente falso” (FRESTON, 2006, p.9). Portanto, as alegações de que a ação de religiosos na política é unicamente para defender seus interesses são justas, porém o campo político pode ser também um espaço para debate e discussões de importantes temas para sociedade, temas esses que a pluralidade do discurso religioso pode abarcar.

Além de utilizar o aporte teórico de importantes nomes da Sociologia da Religião, é pertinente termos a concepção da política na Teologia da Libertação. Leonardo Boff em seu paradigmático Igreja: Carisma e Poder (1994) tratou do assunto a partir da ideia de política com “P” maiúsculo e política com “p” minúsculo. Para Boff, a primeira é tudo o que diz respeito ao bem comum da sociedade; ou então é a participação das pessoas na vida social, estando ela ligada à ação social, enquanto a segunda diz respeito à luta pelo poder de estado, para conquistar os governos municipais, estaduais e federais, ou seja, ao campo político-partidário. Com essa concepção de uma das maiores referência da Teologia da Libertação que vamos ver como e porquê a TL foi se afastando gradualmente de uma participação direta nas questões políticas para

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privilegiar os assuntos sobre a teologia e as questões da Igreja – como sua organização e as relações com a hierarquia.

A partir da pesquisa de campo com os religiosos da Prelazia de São Félix do Araguaia iremos verificar como se deram as mudanças na ação pastoral da TL com o afastamento de uma atuação política radical em sua missão pastoral e as consequências dessa situação para a perda de parte de sua popularidade tanto em meio ao clero católico quanto aos fiéis. Com o depoimento de religiosos que tiveram participação importante na história da Prelazia de São Félix – como o de seu máximo expoente, Dom Pedro Casaldáliga – e dos padres que atualmente compõem o quadro da Prelazia em São Félix do Araguaia, iremos obter mais elementos para compreendermos o distanciamento de uma ação política mais radical e direta na política da Teologia da Libertação a partir da opinião desses religiosos, bem como sabermos se o modelo de “Igreja dos Pobres” que caracterizou a ação pastoral da Prelazia de São Félix durante a década de 1970 é atualmente viável.

Entender a postura da Teologia da Libertação é entender sua metodologia e sua visão de mundo. Isso porque os principais teólogos desse movimento defendiam que o religioso deveria atuar junto à população, vendo ele a realidade à sua volta, seus problemas e agindo em ajuda das pessoas necessidades. O resultado é que quando a Igreja Católica ao se aproximar de seus fiéis por meio da ACB − Ação Católica Brasileira −, ela acabou trazendo a realidade social para a Igreja, situação que somada a uma nova leitura da Bíblia e da vida de Cristo e com a utilização genérica de alguns elementos do arsenal metodológico do marxismo, teve como consequência a Teologia da Libertação. Importante destacar também é que a Igreja se fortaleceu dentro da sociedade brasileira, envolvendo-se nos principais assuntos e agindo muitas vezes como mediadora de diversas discussões.

Portanto, para a compreensão dos conceitos mais importantes da doutrina da Teologia da Libertação iremos apresentar a contribuição da teoria marxista para essa teologia. Dessa forma, conseguiremos entender os motivos pelos quais os principais nomes desse movimento responsabilizavam a estrutura da sociedade como causadora do estado de opressão e miséria do povo. A crítica ao sistema capitalista perpassa praticamente todos os textos que tratam da Teologia da Libertação, visto que, segundo os seus teólogos, ele gera uma sociedade desigual na qual uma parcela da população (a parcela mais rica) se fortalece em detrimento à outra parcela, muito maior e fortemente explorada (os pobres).

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Assim é que analisamos os principais temas da teoria marxista, partindo dos postulados de Karl Marx até as contribuições de autores que ofereceram suas interpretações da teoria marxista, destacando as contribuições de Antonio Gramsci e Jose Carlos Mariátegui. Isso porque o primeiro autor dentro de sua produção teórica concedeu uma importante contribuição para o entendimento do fenômeno religioso no marxismo, ajudando a superar a concepção de religião como “ópio do povo”. Já o segundo foi um dos grandes nomes – apesar de sua morte prematura – do marxismo latino-americano, adaptando as ideias de Marx à realidade da América Latina.

Entretanto, para entendermos a Teologia da Libertação como fenômeno religioso – bem como sua relação com a teoria marxista – lançamos mão também de alguns conceitos trabalhados por autores que estudaram a teoria de Max Weber. Um desses conceitos é o de secularização. O debate sobre a secularização origina-se a partir do conceito de desencantamento do mundo de Weber. A partir daí vários autores passaram a questionar a relevância da religião na sociedade, alguns afirmando que ela perdeu grande parte de seu peso e outros negando essa ideia, dizendo eles que apenas a vivência religiosa se alterou, sem que ela deixasse de ser importante. Assim é que com a Teologia da Libertação identificamos não somente que a religião continua sendo um tema de grande importância nas diversas esferas da sociedade, mas também que a própria Teologia da Libertação, mesmo passando por transformações importantes, continua sendo um movimento de destaque no Brasil.

De Max Weber também utilizemos o seu conceito de afinidade eletiva. O autor de A Ética

Protestante e o Espírito do Capitalismo viu que havia uma afinidade entre alguns preceitos do

capitalismo e de certos ramos do protestantismo, contribuindo para que o sistema capitalista se afirmasse na Europa. A partir desse conceito – que no Brasil foi trabalhado com bastante esmero por autores como Antônio Flávio Pierucci e Michel Löwy – podemos ver a naturalidade da relação entre a Teologia da Libertação e a teoria marxista, identificando os pontos em comum entre ambas e verificar que essa relação foi utilitária e metodológica, não sendo o “ideal” marxista assumindo pela Teologia da Libertação, mas apenas sua análise das estruturas da sociedade.

Sob o arcabouço teórico do marxismo e com as contribuições conceituais weberianas para a compreensão da Teologia da Libertação, podemos prosseguir para o entendimento dos principais aspectos dessa teologia. A partir de 1940, começa a ganhar força um movimento dentro da Igreja Católica que passou a agir no intuito de se criticas as estruturas sociais vigentes e

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propondo um novo modelo de ação pastoral, mais atuante politicamente e mais próxima à realidade da população. Esse abrangente movimento religioso com forte consciência política que teve grande importância para o catolicismo brasileiro ficou conhecido como esquerda católica2. Apesar de que as ações da esquerda católica no Brasil assinalem que a Igreja brasileira estava passando por transformações, apenas em fins da década de 1960 é que a Teologia da Libertação foi ganhando força. Isso devido a, essencialmente, duas razões: o cenário político e econômico da América Latina e as mudanças que a Igreja Católica estava experimentando, como as decisões do Concílio Vaticano II e a reunião do CELAM em Medellín em 1968.

A Teologia da Libertação tinha com uma de suas principais características a críticas às estruturas políticas e econômicas vigentes na América Latina. Elas eram as causadoras da situação de pobreza e opressão do povo latino-americano, situação que fez com que os principais teólogos que pensaram essa teologia se posicionassem de forma contrária ao sistema capitalista. Assim é que o estado de pobreza do povo do continente foi considerado como um pecado pelos teólogos da libertação, um pecado social que o clero católico não poderia deixar de denunciar. A pobreza não possui um valor em si – dizem autores como Leonardo Boff e Gustavo Gutiérrez, entre outros – pois ela não é uma escolha, mas fruto de um sistema que exclui e oprime uma importante parcela de população. Devido a essa situação que a Teologia da Libertação pensou em uma “opção preferencial pelos pobres”, ou seja, sem negar a universalidade da mensagem cristã, ela tomou a postura de oferecer uma atenção especial a um segmento da sociedade mais explorado e que necessitava um maior apoio por parte da Igreja.

Mas essa opção não foi apenas social: fundamentalmente, ela se baseia na própria figura de Jesus Cristo, o qual abriu as portas do Reino de Deus aos pobres e fez Ele mesmo essa opção, conforme a leitura da Bíblia feita pelos teólogos da libertação. O Reino de Deus não era apenas uma esperança para o futuro; ele deveria se concretizar no presente e, para isso, seria decisiva a libertação contra os mecanismos de opressão. Jesus forneceu o exemplo para essa luta, denunciando as injustiças e se colocando co ntra os poderosos de seu tempo a favor dos pobres.

Apesar de propor um novo modelo de Igreja, a Teologia da Libertação não quis criar uma cisão dentro da Igreja Católica. O que seus teólogos queriam era a mudança da estrutura e das

2 A utilização do termo “esquerda católica” é padrão na Sociologia da Religião para se referir ao setor mais

progressista da Igreja Católica. É preciso destacar, todavia, que esse não é um conceito elaborado na Sociologia nem pela Ciência da Religião. Na verdade a ideia de esquerda possui uma noção até mesmo pejorativa para qualificar o setor mais engajado politicamente da Igreja Católica, tratando-o como “ateu” e “não religioso”.

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prioridades da Igreja, sendo ela mais descentralizada, plural e que dedicasse sua missão profética aos pobres. Entretanto, a ala mais conservadora da IC não reagiu bem às propostas da Teologia da Libertação. No Brasil – nação com o maior número de católicos na América Latina e com um setor da Igreja extremamente envolvido com a Teologia da Libertação −, com o fim do regime militar, o Vaticano iniciou uma campanha para desestimular a participação política de seu clero, visto que uma vez que a democracia estava de volta ao país, os religiosos deveriam se ocupar apenas de suas tarefas espirituais.

A reação do Vaticano em relação à TL não se ateve apenas em conter a ação política na sociedade de seu clero. A Congregação Pela Doutrina da Fé, órgão do Vaticano para assuntos de correção e orientação doutrinária, reprovou o livro Igreja: Carisma e Poder de Leonardo Boff e iniciou um processo que resultou no silencio obsequioso do frei brasileiro, numa tentativa de não só frear a construção teórica de Boff, mas também de lançar um alerta aos adeptos da Teologia da Libertação. Esse alerta se tornou um ataque direto quando foi escrita pelo Cardeal Joseph Ratzinger a Instrução Sobre Alguns Aspectos da Teologia da Libertação, com a condenação de vários pontos da teologia latino-americana.

A pesquisa então adota a abordagem metodológica do materialismo histórico não só para compreender a Teologia da Libertação, mas o contexto político e social no qual ela está inserida. Ainda, a partir do conceito de afinidade eletiva, a pesquisa estuda inclusive como se deu a aproximação da Teologia da Libertação e o marxismo, visto que essa relação foi um dos motivos para algumas das críticas da Santa Sé em relação a essa teologia.

Importante também é identificar o contexto no qual a Teologia da Libertação ganhou força na América Latina. Em um momento de grande agitação revolucionária na região e com as transformações que a Igreja estava passando, um grupo de teólogos sistematizou os principais aspectos para uma teologia que pretendia ser universal sem, no entanto, romper com a hierarquia da Igreja Católica. Rapidamente os preceitos da Teologia da Libertação repercutiram entre o clero católico e por todo o Brasil tivemos várias manifestações dessa teologia, como as ações da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) sob o comando do bispo Pedro Casaldáliga.

Contudo, com a propagação da Teologia da Libertação o setor mais conservador da Igreja buscou frear esse movimento e a oportunidade veio com o fim do regime militar e uma série de ações do Vaticano com o fito de obstar o crescimento da teologia dos pobres. A Teologia da Libertação entrava em um novo momento em uma sociedade diferente daquela na qual ela

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ganhou grande ressonância durante a década de 1970. E é com a análise dos principais conceitos da Teologia da Libertação, elaborados por alguns de seus principais teólogos, é que a pesquisa busca compreender as mudanças na postura política dessa teologia, bem como analisar suas prioridades atuais.

Além dessa questão central, iremos concomitantemente estudar alguns problemas específicos, como a o papel que o marxismo tem na Teologia da Libertação e fazer um estudo de caso na Prelazia de São Félix. Essa escolha justifica-se pelo fato de que essa prelazia simbolizou bem os preceitos da TL, como o fato de ter se tornado uma Igreja que se colocou ao lado dos oprimidos e empobrecidos em uma época de grande instabilidade política, econômica e social no país. Muitos religiosos foram presos, intimidados e até mortos – o padre João Penido Burnier é um exemplo – por conta dessa ação pastoral que se colocou contra os interesses de poderosas empresas agropecuárias que estavam se instalando na região.

Na Prelazia de São Félix do Araguaia destacou-se a figura de seu bispo, o espanhol Pedro Casaldáliga. Atraído ao Brasil pela possibilidade de uma ação pastoral na qual ele poderia se dedicar aos mais empobrecidos e motivado pelas transformações políticas em marcha na América Latina e os novos rumos que a IC estava tomando a partir do Concílio Vaticano II, Casaldáliga dedicou sua vida aos fiéis da região, denunciando os abusos aos direitos humanos e prestando apoio espiritual, mas também político e social. Assim é que vamos verificar como que dois dos pilares da teologia dos pobres – um institucional, da Prelazia com sua opção pelos pobres, e outro humano, na figura de Dom Pedro Casaldáliga, o qual simbolizou bem a ação pastoral concebida pela TL − reagiram às transformações dos últimos quarenta anos. Para fundamentar a pesquisa, serão feitos estudos a partir da análise da bibliografia atual sobre o tema, entrevistas com personagens que viveram a Teologia da Libertação e a pesquisa de campo a partir da observação participante e entrevistas na própria Prelazia de São Félix do Araguaia, com o objetivo de identificar como é hoje a atuação pastoral de seus religiosos.

Diante do que foi exposto, este texto está estruturado da seguinte maneira: no primeiro capítulo estão presentes os referenciais teóricos para a pesquisa. Assim é que em virtude da importância que alguns aspectos da teoria marxista para análise da sociedade pela Teologia da Libertação, apresentaremos os pontos essenciais da teoria marxista que foram assimilados pelos teólogos que conceberam essa teologia. Ao mesmo tempo, somamos alguns conceitos oriundos dos estudos sobre religião de Max Weber. Isso porque que com a discussão sobre secularização –

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que tem como base o conceito weberiano de desencantamento do mundo – podemos compreender não somente a relevância do fenômeno religioso na sociedade, mas também como a própria Teologia da Libertação reage às transformações da sociedade. Outro conceito importante é o de afinidade eletiva, pois a partir dele podemos enxergar a própria relação da TL com o marxismo e, em nível teórico, esses dois pensamentos podem se aproximar sem, no entanto, perder duas características originais.

Já no segundo capítulo procuramos situar o contexto histórico da Teologia da Libertação e extrair dela seus principais conceitos a partir de alguns de seus teólogos referenciais. Dessa forma, pode ser identificado que a TL se afirma e se transforma não somente a partir de seus aspectos teológicos, mas também reflete a situação política, econômica e social na qual está inserida. A partir de uma leitura crítica da realidade, essa teologia vê os mecanismos de opressão e empobrecimento da população latino-americana e faz uma “opção preferencial” em favor dessa parcela popular tendo como modelo o exemplo histórico de Jesus Cristo. Mas para essa ação seria preciso reformar as próprias estruturas da Igreja, proposta que não foi bem recebida pela sua ala mais conservadora, a qual iniciou um processo de contenção da Teologia da Libertação. Portanto, isolando os principais aspectos da TL como ela foi pensada por alguns de principais teólogos, temos condições de verificar se esses aspectos continuam válidos e em sintonia com o presente contexto. Para essa tarefa, iremos dialogar com pessoas que viveram e vivem a Teologia da Libertação para que, com seus depoimentos, possamos situarmos como sua experiência é vivida atualmente.

Temos ainda como contribuição para essa pesquisa o estudo de caso que foi feito na Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), conteúdo do terceiro capítulo. Com as entrevistas com os religiosos dessa Prelazia, foi possível obter mais elementos para analisarmos como é sua ação política em sua pastoral e a relação dessas pessoas com seus fiéis. O resultado é que a partir da presente situação da Prelazia de São Félix tivemos a condição de ter subsídios para compreendermos como e por que a ação política na pastoral da Teologia da Libertação se modificou ao longo dos últimos 40 anos, com o recuo de um envolvimento mais direto e mais presente dentro da política local e nacional para enfatizar os assuntos internos da Igreja, como sua administração, a formação de novos religiosos e a busca por uma relação menos conflituosa com a hierarquia da IC.

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CAPÍTULO I

A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO EM WEBER E MARX: APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DO RELIGIOSO NA SOCIEDADE

Este capítulo está subdividido em quatro tópicos com cada qual buscando enfatizar um aspecto importante para o desenrolar da pesquisa. No primeiro, vamos destacar, a partir das teorias sobre religião de Max Weber, como a Sociologia contemporânea trata o fenômeno religioso e sua atual influência dentro da sociedade. Para tanto, além da exposição de alguns conceitos importantes sobre religião de Weber, lançaremos mão dos trabalhos de autores como Antônio Flávio Pierucci, Karel Dobbelaere, José Casanova, entre outros.

Já no segundo tópico iremos tratar especificamente do conceito de afinidade eletiva. A partir dele, Weber trabalhou em sua A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo para justificar a relação entre o fenômeno religioso – especificamente representado pela ética calvinista – e a afirmação do capitalismo na Europa. Posteriormente, esse conceito foi desenvolvido por outros autores, como Michel Löwy, o qual trabalhou com a ideia de Afinidades Eletivas para identificar outras relações. Uma destas foi como a da Teologia da Libertação se apropriou de alguns elementos marxistas em sua prática religiosa revolucionária.

Com a relação entre Teologia da Libertação e marxismo exposta, no terceiro tópico podemos avançar no aspecto metodológico dessa doutrina. É nesse sentido que recorremos ao materialismo histórico de Karl Marx, pois muitas das críticas feitas à sociedade dentro do movimento de libertação da Igreja Católica eram feitos a partir de noções marxistas, como a exploração da população pobre, o fetiche pelo lucro, entre outras. Entretanto, a utilização desses conceitos não foi feita aleatoriamente. O marxismo da Teologia da Libertação foi específico, isto é, composto apenas por alguns de seus conceitos que serviam para compreender os mecanismos de opressão contra a população empobrecida e voltado à realidade da América Latina com a preocupado em transformar a ação pastoral em um instrumento de resistência dos excluídos. Assim é que, além das formulações de Karl Marx, utilizamos as concepções de Antônio Gramsci e José Carlos Mariatégui para definirmos que tipo de marxismo foi pensado pela Teologia da Libertação.

Por fim, no quarto tópico, aproveitamos a exposição sobre a relação da Teologia da Libertação e o marxismo para pensarmos em uma Sociologia da Religião marxista. Com esse

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intuito, vamos fazer uma releitura de alguns escritos de Karl Marx que nos ajuda a ver que o fenômeno religioso não necessariamente é apenas o “ópio do povo”, ou seja, alienante no sentido de fazer a pessoa perder a noção da realidade global na qual ele esta inserido, mas que, em determinados contextos históricos, ele também pode ser revolucionário e transformador. É exatamente essa percepção que autores marxistas como Gramsci e Löwy tiveram e que trabalharam para fazer com que o elemento religioso atualmente ganhasse um importante destaque dentro da teoria marxista moderna.

1. A relevância do fenômeno religioso na sociedade

A Sociologia da Religião vive um momento de grande riqueza de temas por conta das análises sobre a relação do elemento religioso com os demais segmentos da sociedade. Dentre o seu vasto repertório de temas, o debate sobre a secularização vem há algumas décadas sendo bastante rico, com algumas teses sendo hora tidas como tendência, hora sendo refutadas.

È nesse sentido que duas correntes principais se destacam: uma que defende que há um processo irreversível da secularização na sociedade ocidental, ou seja, que a religião perdeu grande parte de sua influência e outra que vê que o fenômeno religioso continua forte no ocidente, sendo que ele se adaptou à sociedade moderna.

O debate sobre a secularização tem em sua gênese as formulações de Max Weber, o qual ao longo de sua vasta obra cunhou o conceito de desencantamento do mundo (Entzauberung der

welt em alemão). O termo secularização em si não foi trabalhado especificamente por Weber

(PIERUCCI, 1998), sendo desenvolvido por outros autores – como Peter Berger (1985, 2001), por exemplo – que, a partir da teoria weberiana sobre sociedade e religião, elaboraram suas próprias teses sobre a secularização.

Assim sendo, para situar o papel da religião na sociedade contemporânea, seguir-se-á uma análise do conceito de desencantamento do mundo a partir do trabalho de Antônio Flávio Pierucci com o objetivo de captar em Weber a origem do debate sobre a secularização. Em seguida, o debate da secularização será exposto a partir dos pontos de vista de Karel Dobbelaere, José Casanova, Peter Berger e novamente Flávio Pierucci.

Max Weber, utilizando o seu instrumento metodológico do tipo ideal, concebia que a sociedade estava dividida por esferas de valor que a compunham, sendo que raramente elas se

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encontravam em seu estado puro. Eram a partir dessas esferas que a sociedade construía suas relações e se organizava. Essas esferas podem ser distribuídas em dois grupos: de um lado estão as que são regidas por uma orientação racional, como a econômica, política e a intelectual; em outro grupo estão as esferas caracterizadas pelo valor que a elas são dadas pelos indivíduos, como a religiosa, a estética e a erótica. Outro aspecto importante sobre as esferas de valores é que elas mantêm relativa autonomia em relação uma com as outras, cada qual se desenvolvendo de acordo com suas próprias leis e a partir das normas e obrigações próprias. Dessa maneira, o autor afirma que:

As esferas individuais de valor estão preparadas com uma coerência racional que raramente se encontra na realidade. Mas podem ter essa aparência na realidade e sob formas historicamente importantes, e realmente a têm. Tais construções possibilitam determinar o local tipológico de um fenômeno histórico (WEBER, 1982, pp. 371-72. Grifo do autor).

Partindo de uma concepção de sociedade composta por esferas de valor, Weber, tendo como parâmetro as religiões do oriente (especificamente, as da China e da Índia), traça dois perfis, duas atitudes religiosas perante o mundo: o místico e o asceta. Antônio Flávio Pierucci diz que em seus trabalhos sobre religião, Weber “volta várias vezes aos conceitos tipológicos de

ascetismo e misticismo, que pouco a pouco vão se tornando mais bem delineados e vigorosos

como tipos ideais [...]” (PIERUCCI, 2003, p. 96, grifos do autor).

O místico era definido como uma pessoa que praticava uma ação contemplativa perante o sagrado. Assim é que essa figura se coloca contra o mundo, em uma situação de rejeição às condições materiais. Consequentemente:

Para o verdadeiro místico, continua válido o princípio: a criatura deve estar calada, de modo que Deus possa falar. Ela “está” no mundo e se “acomoda” externamente às suas ordens, mas apenas para adquirir a certeza do seu estado de graça em oposição ao mundo, resistindo a levar a sério os seus processos (WEBER, 1982, p. 374)

A figura do místico, então, busca transcender sua relação com o mundo, minimizando sua ação dentro e para o mundo.

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No pólo contrário, está a figura do asceta intramundano3. Este, por um lado, aproxima-se do místico ao reconhecer as tentações do mundo e, assim, tenta fugir delas. Por outro lado, porém, vê que a salvação está no mundo, pensamento que o induz à ação e não apenas à contemplação. Isso porque “o ascetismo opera dentro do mundo; o ascetismo racionalmente ativo, ao dominar o mundo, busca domesticar o que é da criatura e maligno através do trabalho numa vocação „mundana‟” (WEBER, 1982, p. 374).

O resultado é que a religião vai cada vez mais ganhando um caráter racional na busca pela salvação. Como também a sociedade está em um processo de racionalização, começa então a surgirem tensões entre a esfera religiosa e as outras esferas de valores. Weber diz que:

Na verdade, quanto mais avançou a racionalização e sublimação da posse exterior das “coisas mundanas‟ – no sentido mais amplo – tanto mais forte tornou-se a tensão, por parte da religião, pois a racionalidade e sublimação consciente das relações do homem com as várias esferas de valores, exteriores e interiores, bem como religiosas e seculares, pressionam no sentido de tornar consciente a autonomia interior e lícita das esferas individuais4 [...] (WEBER, 1982, pp.376-77 grifos do autor)

É nessa passagem nos escritos de Weber que está a gênese das ideias de desencantamento do mundo e secularização. Na medida em que houve a racionalização da sociedade ocidental, as demais esferas ganharam autonomia em relação à religião, fazendo surgir novas relações a partir dessa situação.

A partir da teoria weberiana, Antônio Flávio Pierucci dedicou-se a uma exaustiva tarefa na busca em compreender um conceito que, na opinião desse autor, é decisivo para a compreensão da modernidade: o desencantamento do mundo. Isso porque Pierucci reconhece que “em sua Sociologia da Religião [de Weber] está relacionada às fontes da racionalização do ocidente” (PIERUCCI, 2003, p. 20).

Esse sociólogo da religião brasileiro combate as teses que apontam esse conceito sendo uma mera “desilusão” com o mundo, verificando no referido conceito um significado mais restrito e específico. Assim, para o autor “ocorre que entre filósofos e demais amantes de filosofar

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Pierucci parte do princípio que a ascese intramundana é importante não apenas para compreendermos a gênese do capitalismo, mas também para entender melhor o complexo processo de racionalização do ocidente (PIERUCCI, 2003).

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Max Weber tipificou seis esferas, como demonstramos. Cabe salientar que as esferas que compõem a sociedade, com o advento do racionalismo e da modernidade, ganharam certa autonomia em relação à religião. Nota-se que para Weber a religião continuava a influenciar em certa medida as outras esferas de valores, situação que o autor comprovou na sua Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (2004).

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prospera a leitura melancólica do conceito de desencantamento basicamente como perda de

sentido” (PIERUCCI, 2003, p. 44, grifos do autor).

Flávio Pierucci avança nessa discussão partindo da tese que o conceito de desencantamento do mundo possui uma dupla significação: “ora o desencantamento do mundo pela religião (sentido „a‟), ora o desencantamento do mundo pela ciência (sentido „b‟)” (PIERUCCI, 2003, p. 42). O desencantamento pela religião se dá por meio de um processo no qual a religião se racionaliza a partir do momento em que a magia é separada da religiosidade ocidental, em um tipo de desencantamento “interno” da religião. Já pelo desencantamento pela ciência, entende-se a partir da dificuldade que ela tem em conferir sentido ao indivíduo e sua incapacidade de oferecer a salvação.

Dentro da vasta obra de Max Weber, Pierucci identifica 17 passagens nas quais o sintagma “desencantamento do mundo” aparece. Em suas análises do conceito, o autor contabiliza que nas passagens verificadas, Weber utiliza o sintagma nove vezes com o sentido de desmagificação, quatro vezes como perda de sentido e outras quatro vezes como desmagificação e perda de sentido ao mesmo tempo. Nessa apresentação, Pierucci demonstra que o conceito de desencantamento do mundo é bem definido e possuí um sentido evidente.

Dessa maneira, o autor de O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em

Max Weber vê que dentro da teoria de Weber, a Sociologia da Religião ocupa-se das formas de

relação entre magia e religião. Assim, é que a magia representaria um momento em que a religião não estava organizada a partir de um sistema racional. Portanto:

Magia é coerção do sagrado, compulsão do divino, conjuração dos espíritos; religião é respeito, prece culto e, sobretudo, doutrina. Sendo principalmente doutrina, a religião representa em relação à magia um momento cultural de racionalização teórica, de

intelectualização, com nítidas pretensões de controle sobre a vida prática dos leigos,

querendo a constância e a fidelidade à comunidade de culto (PIERUCCI, 2003, p. 70 grifos do autor)

Para Weber, quando um indivíduo dotado de um carisma capaz de empregar meios para impor a um deus sua vontade, “a ação religiosa não é „serviço ao deus, mas sim „coação sobre deus‟” (WEBER, 1982, p. 292). Assim sendo, no ponto de vista de Weber, a religião moderna se constitui com a racionalização da prática religiosa em prejuízo da magia, sendo que a partir daí surge a possibilidade de acontecer o desencantamento a partir de um processo em que a religiosidade vai ganhando um caráter cada vez mais racional, pois “o processo de racionalização

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religiosa é também, de outro ponto de vista, um processo de intelectualização da oferta religiosa” (PIERUCCI, 2003, p, 87).

Peter Berger percebe que a religião vai perder o papel de referência única na vida das pessoas. Para ele, à medida que a sociedade começa a sofrer o processo de desencantamento e “pela primeira vez na história, as legitimações religiosas do mundo perderam sua plausibilidade não apenas para uns poucos intelectuais e outros indivíduos marginais, mas para amplas massas de sociedades inteiras” (BERGER, 1985, p. 137).

Para Antônio Flávio Pierucci o conceito de desencantamento do mundo carrega em si um sentido claro, não possuindo um caráter apenas metafísico. Ele, na verdade, permite “a saída de um mundo incapaz de sentido e o ingresso num universo significantemente ordenado pelas

ideias5 religiosas e, com isso, tornando ele próprio pleno de sentido” (PIERUCCI, 2003, p. 88

grifo do autor).

É nessa parte da Sociologia da Religião de Weber que entra em cena o ascetismo intramundano protestante. Isso porque nas obras de Weber (1982, 1991) é exposto que foi a partir da Ética Protestante que surgiu uma nova concepção de mundo que mudou drasticamente a relação entre religião e o modo de viver o mundo:

Só com o protestantismo ascético, dois mil anos depois dos profetas bíblicos, compartilhará com o judaísmo ético-profético a mesma repulsa à sacralização de toda e qualquer mediação entre Deus e o homem, de toda graça mágico-sacramental (PIERUCCI, 2003, p. 108).

Weber aponta que para que uma religião “desencante o mundo” ela tem que ser portadora e capaz de criar uma doutrina que crie vínculos fortes e duradouros, fato que a magia não tinha capacidade de fazer. A religião racionalizada precisa ser presente no cotidiano das pessoas dando outra conotação à vida religiosa, situação realizada pelo protestantismo ascético destacado por Max Weber.

Com a racionalização da vida religiosa, a sociedade em um todo entra em um novo momento: começa então um processo em que as esferas de valor da sociedade adquirem mais autonomia em relação à religião. Pierucci afirma que:

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Citando Tenbruck, Pierucci define ideias como “aqueles pontos de vistas suprapessoais que articulam os aspectos fundamentais da relação do homem com o mundo” (2003, p.92).

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Weber diagnostica uma importante inflexão no processo de racionalização ocidental: agora é possível conceber a esfera doméstica e a economia, a política e o direito, a vida intelectual e a ciência, a arte e a erótica, independentemente das fundamentações axiológicas religiosas. Cada esfera de valor, ao se racionalizar, se justifica por si mesma: encontra em si sua lógica interna [...] que a leva a se institucionalizar autonomamente e a se consolidar e se reproduzir socialmente pela formação de seus próprios quadros profissionais, encarregados de garantir precisamente sua autonomia (PIERUCCI, 2003, p. 138)

Percebe-se que as esferas de valor dentro da sociedade, ao ganharem autonomia se aperfeiçoam e ganham característica própria, como é o exemplo do Estado moderno6.

Além da desmagificação, o desencantamento do mundo possui uma conotação de alertar contra os efeitos da ciência moderna sobre a maneira de se viver o mundo. Nas últimas páginas da sua A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber tinha ciência que:

Pois a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu [com sua parte] para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna ligado aos pressupostos técnicos e econômicos da produção pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de todos as indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem [...] (WEBER, 2004, p. 165)

Em sua análise da obra de Weber, Flávio Pierucci constata esse outro sentido para o conceito de desencantamento do mundo. O autor tem em mente que quando Weber escreveu A

Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo ele já tinha bem definido o seu conceito. Assim é

que o sintagma tem a conotação de “dar conta também dos efeitos corrosivos da ciência experimental moderna sobre as pretensões de validade objetiva das visões de mundo que vêem o mundo como dotado de um sentido objetivo” (PIERUCCI, 2003, p. 142).

O que acontece é que a ciência não consegue oferecer às pessoas um sentido de mundo. Ocorre que a ciência desconstrói a noção de sentido que a religião oferece às pessoas sem, contudo, conseguir oferecer outra orientação similar, “ela retira o sentido do mundo e não é capaz de substituí-lo por outro” (PIERUCCI, 2003, p. 159). Antônio Flávio Pierucci arremata a questão dizendo que “a ciência não produz visões de mundo [...]. A ciência esbarra aí nos seus próprios limites, limites honestamente intransponíveis para um autêntico cientista” (PIERUCCI, 2003, p. 143).

6 Importante para compreender melhor o exemplo dado, ler o capítulo VIII de Ensaios de Sociologia de Max Weber (1982) no qual o surgimento do Estado moderno no ocidente é resultado da organização burocrática advinda da racionalização da sociedade.

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Característica saliente do conceito de desencantamento do mundo é que ele é, ainda, um conceito histórico. Ele não é apenas uma ferramenta conceitual aplicada sobre determinado tema, mas deve ser ele construído historicamente. Isso, devido ao fato de que “o desencantamento do mundo que o sintagma nos apresenta é tanto um resultado histórico determinado e empiricamente verificável” (PIERUCCI, 2003, p. 199 grifos do autor). Essa situação é exemplificada pelo processo de desmagificação, no qual ele é dado a partir de um longo processo de racionalização religiosa ocorrido no mundo ocidental.

Na sua exaustiva análise sobre o conceito de desencantamento do mundo, Antônio Flávio Pierucci pôde mostrar a consistência e sentido desse conceito dentro da bibliografia de Max Weber. O desencantamento do mundo pode ser compreendido em nível teórico como uma forma específica de racionalização dentro da religião, como fica claro com o processo de contenção da magia dentro do fenômeno religioso. Ao mesmo tempo, ele o conceito torna mais inteligível o processo de racionalização da sociedade ocidental e suas conseqüências, como a perda de sentido com a mentalidade científica regulamentando o cotidiano. Pierucci conclui o assunto ao dizer que no final desse processo “é a religião de saída da religião, sim, só que ainda religião” (PIERUCCI, 2003, p. 211 grifo meu).

Foi assim, portanto, em meio às discussões sobre o conceito de desencantamento do mundo de Max Weber que um importante debate dentro da Sociologia ganhou força: as discussões sobre secularização. Em meio aos debates, a grande questão era se a religião ainda era um fenômeno relevante e seu peso dentro da sociedade. Quando se trata sobre o processo de secularização da sociedade ocidental, é comum tratar desse tema de forma análoga ao de desencantamento do mundo, causando confusão entre esses termos. Segundo Pierucci (1998), “existe entre os comentaristas a tendência a tomar os dois por sinônimos, a aceitação tácita (mas nem sempre) de sua equivalência”.

Fato é que os dois termos possuem conotações específicas. Enquanto o de desencantamento do mundo pressupõe uma situação específica dentro da religião, qual seja, a contenção da magia, bem como sua mentalidade dentro da vida religiosa; já a secularização7 carrega em si uma significação mais ampla, como sugere José Casanova (2006): secularização

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Antônio Flávio Pierucci (1998) parte do princípio que a secularização é bastante plural, cabendo dentro dela diversas abordagens e interpretações. Diz ele: “A opinião corrente entre os cientistas sociais interessados em religião está neste pé: falou em teoria da secularização, falou em Weber. É bem verdade que alguns preferem dizer "tese" da secularização, jamais "teoria" da secularização, um pouco para deixar claro que estão lhe recusando o status de um corpo teórico distinto, ou que dele duvidam seriamente”.

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pode ser entendida como declínio de crenças e práticas religiosas na sociedade moderna; como privatização da religião; e como diferenciação das esferas de valores. Peter Berger, por sua vez, é direto em sua definição. Esse autor (1985) vai nessa última linha de pensamento, vendo que no processo de secularização um processo no qual a religião perde força em relação às esferas da sociedade: “Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (BERGER, 1985, p. 119).

É indiscutível que o debate sobre a secularização tem como uma de suas grandes virtudes a característica de expor e situar o papel do fenômeno religioso dentro da sociedade moderna. A partir dos estudos de diferentes realidades, devemos questionar: “Que papel mantém a religião na estruturação e no funcionamento dos segmentos das sociedades e na práxis das principais classes e agrupamentos?” (DOBBELAERE, 1987 P. 110).

Foi no contexto desse intenso debate que emergiram, essencialmente, duas tendências fortes dentro das hipóteses sobre a secularização: uma tendência rígida que, a partir de dados mostrando a diminuição na freqüência em eventos religiosos em alguns países da Europa, caracterizava-se por ver que a religião está perdendo espaço dentro da sociedade moderna. Já a outra tendência adota outro enfoque, vendo que a religiosidade na sociedade contemporânea está tomando diferentes rumos, influenciando e sendo influenciada, estando ela presente na vida das pessoas. José Zepeda define o seguinte quadro:

[Há a] “tese dura ou forte da secularização" e seria concebida como um processo lento e inexorável a caminho do fim da religião; a segunda, ou seja, a "tese suave da secularização" afirmará que se trata de um processo pelo qual a religião sofre severas alterações na modernidade, mas persiste disseminada pelos interstícios da cultura, disfarçada ou oculta na economia como "espírito do capitalismo", na política como "religião civil", ou como formas socioculturais pouco relevantes (ZEPEDA, 2010, p.131).

Na tese dura da secularização, há um grande destaque ao fato de que a diminuição do número de fiéis nas Igrejas seria um sinal inequívoco de que a religião deixava de ser importante na vida das pessoas. Sabino Acquaviva concebia que religiosidade e vida eclesiástica andavam juntas e, por meio de suas pesquisas e constatando do número de fies nas igrejas, afirmava que “à medida em que diminui-se a prática religiosa, a religiosidade diminui a um patamar menor ” (ACQUAVIVA apud DOBBELAERE, 1987, p. 111). José Casanova critica esse tipo de abordagem. Esse autor vê que afirmações como essa satisfazem os que defendem que essa constatação (a diminuição da freqüência de fiéis na Igreja) é fruto de uma Europa “moderna” e

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“iluminada”. Dessa forma, ele afirma que “sociólogos da religião deveriam ser menos obcecados com o declínio da religião e mais ligados às novas formas que a religião está assumindo em todas as religiões mundiais [...]” (CASANOVA, 2006, p. 17).

A tese dura recebeu algumas críticas devido a alguns pontos que ela não consegue explicar. Primeiramente, o fato de que se a religião está em “declínio” e se ela é contraditória à modernidade, ela não consegue explicar os motivos pelos quais a religião possui grande relevância nos Estados Unidos. Casanova diz que “a tradicional teoria da secularização [a tese dura] funciona relativamente bem para Europa, mas não para os Estados Unidos” (CASANOVA, 2006, p.9). José Zepeda complementa dizendo que:

O caso norte-americano é paradigmático, pois, não obstante ser em muitos sentidos o protótipo da sociedade moderna, podemos observar uma religiosidade permanente e exuberante, o que mostra que modernidade e religião não são incompatíveis (ZEPEDA, 2010, p.131).

Essa visão da secularização que minimiza o impacto do fenômeno religioso na sociedade tem como defeito obscurecer a pluralidade e as diversas formas que a religiosidade pode assumir. Assim é que Karel Dobbelaere (1987) diz que as teorias de secularização deveriam perder sua conotação mecanicista e evolutiva, visto que o processo de secularização não é nem unidimensional nem inevitável, e que variam em velocidade, incidência e impacto de lugar para lugar.

É então que, sem deixar de lado o conceito de secularização, aparece outra interpretação para esse fenômeno social. Pelas lentes da tese suave da secularização, não estaria ocorrendo um processo que culminaria com o “fim” da religião, mas, ao contrário, um efervescimento do religioso, não estando ele restrito aos cultos oficiais, abrindo espaços para novas formas de religiosidade. Pierucci (1997) afirma que os sociólogos que defendem uma abordagem menos rígidas da teoria da secularização:

Empregam a secularização da sociedade como explicação da emergência atual de expressões religiosas não tradicionais [...]. Esta ideia, segundo a qual é a secularização que causa, e portanto, explica, a fermentação religiosa a que estamos assistindo nas últimas décadas do século XX, e, por conseguinte, o chamado retorno do sagrado nas mais diferentes formas não joga no lixo a teoria da secularização, parece-me a mais estimulante, por ser a mais complexa, a que mais instiga e desafia os intelectos imaginativos interessados no assunto (PIERUCCI, 1997, p. 58).

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Dessa forma, novas formas de religiosidade ganham espaço, fazendo com que a experiência religiosa esteja, embora diluída em uma pluralidade de crenças, ritos e símbolos, bastante viva e atuante. Karel Dobbelaere parte do princípio que o que está acontecendo neste novo período de religiosidade é “uma nova forma da mensagem de Cristo, adaptada para a modernidade funcional diferenciada sociedade, que é necessária se o cristianismo quer sobreviver ou reviver” (DOBBELAERE, 1987, p. 118).

Importante também é a explicação da secularização em nível sociológico. Neste, uma das mais robustas teses é a que Karel Dobbelaere define a secularização em três níveis8: societal, institucional e individual. Em nível societal, há as interações entre sociedade e religião nas quais a religião vai se tornando apenas mais uma esfera de valor da sociedade; O nível institucional, por sua vez, compreende as formas de adaptação dos corpos religiosos em relação à sociedade secularizada; Por fim, em nível individual estão as formas de religiosidade pessoais, como a religiosidade invisível, popular, civil e outras. José Casanova (2006) vai ao encontro de Dobbelaere quando vê na secularização um gradual processo onde ocorre uma diferenciação e uma autonomização das esferas de valor dentro da sociedade. Por fim, nesse sentido, Antônio Flávio Pierucci complementa que:

A secularização como parte do processo societário de diferenciação de esferas culturais-institucionais, não há como dizer que não faça parte do leito principal em que caudalosamente Max Weber escoa seu perturbado pensamento (PIERUCCI, 1998).

Peter Berger, por sua vez, observa que a partir do fim do século passado tem havido uma “ressurgência” da religião na sociedade. Essa sua tese baseia-se na diversidade de movimentos religiosos que passaram a surgir no mundo, situação que apontava que o mundo no século XXI não seria menos religioso que no século passado. Para Berger:

O impulso religioso, a busca de um sentido que transcenda o espaço limitado da existência empírica neste mundo, tem sido uma característica perene da humanidade [...]. Seria necessário algo como uma mutação de espécie para suprimir para sempre esse impulso (BERGER, 2001, p. 19).

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Para uma explicação mais detalhada sobre essa tese, ler Secularization:an analysis at three levels, De Karel Dobbelaere (2002, Ed. Peter Lang).

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É importante destacar que as teorias sobre a secularização têm o grande mérito de esmiuçar o real significado e impacto do religioso na sociedade contemporânea. Nesse contexto, percebe-se como a religião tem adquirido novas formas e, assim, expandindo-se, pois como afirma Pierucci (1997): “liberdade religiosa implica um grau mínimo de pluralização religiosa; e pluralismo religioso não é apenas resultado, mas fator de secularização crescente”. É assim que a religião, não ficando restrita somente às instituições, ganha vitalidade e permanece bastante influente no cotidiano das pessoas, bem como tendo ainda influência nas discussões acerca de diversos temas dentro da sociedade contemporânea.

E o Brasil no contexto do debate da secularização do mundo? O caso brasileiro se constitui em uma situação específica no que se refere à posição da religião na sociedade, visto que o fenômeno religioso – embora em alguns momentos ele sendo influente e outros nem tanto – sempre teve grande peso na sociedade brasileira. Essa situação se deve a diversos fatores, como a força institucional da Igreja Católica no país, o peso da religiosidade popular e o pluralismo religioso, este sendo um fenômeno verificado principalmente a partir do século XX.

O que se verifica de diferente no caso brasileiro em relação à secularização é que assim como na Europa a sociedade de nosso país se racionalizou, como se percebe ao nível de leis, na política e, mais importante, na separação entre Estado e Igreja. Contudo, em nível de mentalidade o Brasil continuou “encantado”, visto que a religião permaneceu como um aspecto importante dentro de sua sociedade, tanto em nível pessoal como institucional, enquanto na Europa esse grau de importância do religioso não se confirma. Flávio Sofiati (2001, p. 106) defende a hipótese de que no Brasil não houve uma ética religiosa que preparasse a sociedade para a modernização nos moldes do que aconteceu na Europa com a ética do protestantismo calvinista. A importância do caso brasileiro consiste no fato de mostrar que o processo de desmagificação não aconteceu de forma inexorável e linear, mas sim de modo específico e particular em cada sociedade. Na América Latina, por exemplo, a religião aliou-se aos movimentos sociais e, assim ganhando grande espaço dentro de sua sociedade, como no exemplo da Teologia da Libertação.

Importante para termos mais elementos sobre a questão da secularização no Brasil é a análise que a pesquisa faz sobre a Prelazia de São Félix do Araguaia. Isso porque, com as transformações na sociedade nos últimos quarenta anos, a ação pastoral dos religiosos da Prelazia durante o regime militar – marcada por uma ação política intensa a partir das denúncias de abusos dos direitos humanos e pela defesa dos posseiros e indígenas da região em luta contra as grandes

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empresas agropecuárias pela posse da terra – também se modificou e ganhou outras prioridades. Assim é que na pesquisa de campo poderemos mensurar se as ações dos religiosos da Prelazia de São Félix continuam desfrutando da mesma simpatia quando do tempo de Pedro Casaldáliga quando prelado.

1.1. A relação marxismo e religião pela ótica do conceito de afinidade eletiva

Dentro da teoria weberiana, um conceito importante para se entender o processo de racionalização e a passagem para a modernidade do mundo ocidental é a ideia de afinidade eletiva. Max Weber utilizou esse conceito para entender a relação entre “certas formas da forma religiosa e certas formas da ética profissional” (WEBER, 2004, p. 83), ou seja, como a ética protestante influenciou para a afirmação do capitalismo na Europa. Para o melhor entendimento desse conceito, outros autores, como Antonio Flávio Pierucci e Michel Löwy, contribuíram fazendo observações e hipóteses de como Weber trabalhou a afinidade eletiva em seus escritos.

Assim, é que a ideia de afinidade eletiva pode ser entendida como a concepção de que dois fatos ou ações sociais, bem como mentalidades, particulares e autônomas, estabelecem uma relação intensa entre si, influenciando-se e interagindo – embora muitas vezes essa relação não seja necessariamente direta. Em várias passagens nas obras de Max Weber pode ser percebida a utilização do conceito de afinidade eletiva, mas é especialmente em A Ética Protestante e o

Espírito do Capitalismo que essa situação pode ser mais bem verificada.

Ocorre que o autor afirma que há uma forte relação entre a emergência do capitalismo como sistema econômico principal na Europa com a propagação do protestantismo. Isso porque Weber postula que a afirmação do capitalismo – e talvez, mais importante, a mentalidade capitalista – se deu não por um simples afluxo de dinheiro e a acumulação de capital; mas se deu por conta da propagação da ética protestante, notadamente do ramo calvinista, que favoreceu o acúmulo de capital e outras ações indispensáveis para o fortalecimento do capitalismo, não sendo este apenas um fenômeno em si. Chamou a atenção do autor de A Ética Protestante e o Espírito

do Capitalismo o fato de que na Alemanha o:

Caráter predominante protestante dos proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mão-de-obra qualificada, notadamente do pessoal da mais

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