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Conceitos e perspectivas teóricas dos saberes docentes

3 SABERES DOCENTES: DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS, LIMITES E

3.2 Conceitos e perspectivas teóricas dos saberes docentes

Antes de adentrarmos a conceituação do termo “saberes docentes”, é importante salientar que, entre os estudos que buscam definir o que é saber docente, uma ideia que parece bastante evidente é que ninguém é capaz de produzir um conceito de saber que satisfaça a

todos, pois, além de estar restrita a uma situação temporal e contextual, a conceituação de saber é perigosa do ponto de vista epistemológico e metodológico da pesquisa. Isso acontece, pois, ao definir o que é considerado saber, o pesquisador estará delimitando o seu estudo a uma concepção e assumindo limites e fronteiras epistêmicas ligadas à definição escolhida. Nessa situação, o que se pode fazer é se contentar com uma definição restrita decorrente de certas escolhas e certos interesses ligados à pesquisa.

Partindo desse pressuposto, buscamos inicialmente apresentar, segundo o referencial teórico de (TARDIF, 2014), algumas definições de saber pautadas em três concepções advindas do pensamento moderno ligadas à subjetividade, ao julgamento e à argumentação. A seguir apresentamos, respectivamente, essas concepções.

3.2.1 O lugar do saber sob a perspectiva da subjetividade

O conceito de saber advindo da subjetividade toma assento no pensamento racional que defende que o saber é um tipo particular de certeza subjetiva que se opõe a outras subjetividades, como, por exemplo, a fé, as crenças, a convicção, o preconceito, a dúvida, a imaginação, etc. Para essa concepção, o saber pode assumir duas formas, uma ligada à intuição intelectual, que defende uma verdade lógica que pode ser captada rapidamente, como, por exemplo, dois mais dois são quatro, pois matematicamente é possível definir que é assim; e outra ligada à representação intelectual, que pode ser entendida como o resultado de diversos raciocínios mediatos que buscam representar simbolicamente determinado objeto (TARDIF, 2014).

Significa dizer que a representação intelectual é um processo pelo qual o indivíduo, através de suas faculdades mentais, busca, em um momento mediato, definir, desmistificar, construir conceitos, através de imagens mentais, de forma a reconstituir na memória aquilo que se faz ausente no momento de representação, mas que se faz presente na realidade. A partir dessa concepção, a subjetividade é entendida como o lugar da representação intelectual (uma imagem refletida do mundo real) e da intuição intelectual (definição lógica de algo real), mas em que, para serem concebidas como saberes, a intuição e a representação intelectual precisam estar fundamentadas na racionalidade (TARDIF, 2014).

3.2.2 O lugar do saber sob a perspectiva do julgamento

Para a concepção de saber ligada ao julgamento, o saber nada mais é do que o discurso pautado no juízo verdadeiro que procura afirmar algo tendo como embasamento a razão e a

natureza da realidade. A partir dessa concepção, os juízos de valor e experiência não possuem validade, apenas é concebível e aceitável o juízo de realidade, pautado na lógica matemática. Ou seja, só são considerados saberes: os fatos constatados. Como exemplo, poderíamos citar uma situação na qual o indivíduo, ao se deparar com uma parede, confirma em seu discurso que a parede é branca e, de fato, através da natureza da realidade, é constatado que a parede possui uma pigmentação branca. Portanto, a partir dessa concepção, o juízo lógico, bastante assertórico, é entendido como o lugar do saber, mas que, assim como a representação e a intuição intelectual, também exige racionalidade (TARDIF, 2014).

3.2.3 O lugar do saber sob a perspectiva da argumentação

A terceira e última concepção defende o saber como uma atividade discursiva que busca validar uma determinada ação através de argumentos e operações discursivas, que podem ser lógicas, dialéticas, retóricas, empíricas, e, sobretudo, linguística. Ou seja, as ações conduzidas pelos indivíduos podem ser validadas através do seu discurso, por isso, para essa concepção, o lugar do saber está na argumentação das ações. (TARDIF, 2014), ao comentar sobre essa concepção, afirma que “saber alguma coisa é não somente emitir um juízo verdadeiro a respeito de algo (um fato ou uma ação), mas também ser capaz de determinar por que razões esse juízo é verdadeiro”.

Nessa perspectiva, a capacidade de argumentar a favor de alguma coisa dá ao saber um caráter coletivo, de trocas discursivas entre o locutor e o receptor, que, mediados por argumentos, fornecem razões e estabelecem critérios criticáveis e discutíveis a respeito de vários conhecimentos que advêm do campo das ciências empíricas e também de diversos outros campos, normativos, valorativos, etc. A validade dessas trocas discursivas não se estabelece apenas pelas adequações entre os fatos e os argumentos, mas, sim, através de acordos comunicacionais, compartilhados entre o grupo de locutores e atores de argumentos (TARDIF, 2014).

Ao discutir sobre essas três concepções, tivemos como principal objetivo apresentar uma ideia mínima sobre o que é o saber, para que, a partir dessas três concepções, seja possível conceituar de maneira mais consciente o nosso objeto de estudo, que são os saberes docentes. Algo que fica bastante claro após visitarmos essas três concepções é que a racionalidade permeia todas elas. Na primeira concepção, o pensamento do sujeito racional é o que fundamenta o saber; na segunda, o julgamento racional; e, na terceira concepção, as argumentações são a base do que entendemos por saber. Essas concepções apontam alguns

limites para o estudo do saber docente, restringindo a concepção de saber à ideia de exigência de racionalidade, onde o objeto de estudo se limita aos discursos e ações dos professores sobre suas práticas pedagógicas. Ou seja, nem tudo pode ser considerado saber, é necessária a racionalidade para validar os discursos e as representações mentais. Nessa óptica, segundo

(TARDIF, 2014, p.176),

Saber alguma coisa ou fazer alguma coisa de maneira racional é ser capaz de responder às perguntas “Por que você diz isso?” e “Por que você faz isso?”, oferecendo razões, motivos, justificativas susceptíveis de servir de validação para o discurso ou para ação [...] Doravante, chamaremos de saber os pensamentos, as ideias, os juízos, os discursos, os argumentos que obedeçam a certas exigências de racionalidade.

Nesse sentido, o saber está fundamentado nesta pesquisa como um saber que exige racionalidade6 e argumentações que validem o discurso e a prática pedagógica do professor de música atuante em projetos sociais. Por esta visão, entendemos os saberes docentes como um conjunto de conhecimentos e fazeres pedagógicos e profissionais que englobam as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, e que os professores produzem e/ou mobilizam de acordo com as exigências do seu contexto de trabalho. Esses saberes docentes estão presentes em todas as ideias, juízos, discursos e argumentos racionais que buscam dar motivos, elaborar razões e justificar orientações da prática educativa do professor em seu contexto de ensino e aprendizagem.

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