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A especialização em musicoterapia como fonte de constituição dos saberes da formação

5 A CONSTITUIÇÃO E ARTICULAÇÃO DOS SABERES DOCENTES NA AÇÃO

5.1.4 A especialização em musicoterapia como fonte de constituição dos saberes da formação

Tratando-se especificamente da formação continuada do professor Fábio, iremos apresentar a seguir alguns aspectos que julgamos interessantes de serem analisados sobre sua formação no período em que cursou a pós-graduação lato sensu que contribuíram para constituição dos saberes da formação profissional, pedagógica, e disciplinares. Segundo o professor, ele cursou duas pós-graduações lato sensu, uma delas em Artes pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ), entre os anos de 2009 e 2010, e outra em Musicoterapia pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO), entre os anos de 2011 e 2014. Sobre as contribuições trazidas por esses cursos o professor relata:

O de Artes é mais no sentido de entender as artes no geral, como elas são criadas, como elas são reproduzidas, né, são recriadas. Então essa visão mais geral do que é a arte, do ser humano como artista. Eu fiquei mais com essa visão. E o de Musicoterapia, de entender mais o ser humano, né, entender mais que a música, eu digo até aos meus alunos, não é feita só para você escutar e achar bonito ou achar feio, a música pode curar, a música pode trazer tanto alegria como a música pode trazer tristeza também. Então, através do curso de musicoterapia eu aprendi bem mais, acho que foi o curso que eu aprendi mais, tanto da licenciatura, como da de Artes, mas da musicoterapia foi a que eu aprendi mais em relação ao ser humano, em relação a trabalhar com pessoas e a música, a transformação que a música pode trazer para a vida das pessoas, foi o curso que eu aprendi mais nesse sentido (FÁBIO, 2015).

A partir do relato do professor, compreendemos em poucas palavras quais as principais contribuições dos cursos de pós-graduação na formação do professor Fábio. Esse entendimento nos mostrou que o professor direcionava maior contribuição ao curso de Musicoterapia do que ao de Artes, mas, reconheceu a contribuição do segundo para sua formação acadêmica. No entanto, ao ser questionado se notava alguma mudança na sua prática profissional no projeto social depois que cursou a pós-graduação, percebemos uma ausência da especialização em Artes no seu discurso, confirmando mais uma vez que a musicoterapia exerceu maior influência na sua prática profissional como professor de música do SESC Cidadão, conforme ele relatou em seu depoimento:

Sim [confirmando mudanças], eu disse até aos funcionários lá, nessa formação em musicoterapia dá até para gente identificar algumas crianças, né, que têm algum défice de atenção, nesse sentido assim, algumas patologias. Só que eu não vou chegar e dar o diagnóstico ou alguma coisa assim, tem que ter um estudo mais aprofundado, né, a gente tem uma noção, mas tem que ter um acompanhamento mais especializado. Mas eu já tenho mais essa noção. (FÁBIO, 2015).

Em suas pesquisas, (TARDIF, 2014, p. 19) evidencia que “Os professores que encontrei e observei não colocam todos os seus saberes em pé de igualdade, mas tendem a hierarquizá-los em função de sua utilidade no ensino. Quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter”. Desta mesma forma, o professor Fábio confirma o quanto a formação em musicoterapia hierarquicamente influencia sua prática como professor de música, se comparada à formação estabelecida na especialização em Artes e na licenciatura em música.

Nessa ótica, se partirmos do pressuposto de que todo saber é mobilizado dentro de um constructo social, como explicado anteriormente, veremos que nem toda experiência de constituição de saberes docentes pode ser significativa para um indivíduo atuar em uma realidade, pois o professor não se relaciona com os saberes docentes de forma desassociada do seu contexto de atuação profissional, o que o leva a selecionar e transformar os saberes que já possui sem necessariamente excluir os outros. Como salienta, (TARDIF, 2014, p. 46):

Os professores não rejeitam os outros saberes totalmente, pelo contrário, ele os incorporam à sua prática, retraduzindo-os porém em categorias de seu próprio discurso. Nesse sentido, a prática pode ser vista como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. A experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.

Dessa forma, podemos analisar que a prática profissional no SESC Cidadão levou o professor a reconhecer em seu discurso que o saber adquirido na pós-graduação em Artes não

estabeleceu uma relação estreita com a realidade de atuação do professor no projeto social, o que fez com que durante as perguntas sobre sua formação estabelecida na pós-graduação ele apontasse a Musicoterapia como principal responsável pela construção da sua formação cultural-profissional no projeto social. Ao ser questionado sobre como ele se enxergava dentro da instituição, o professor comentou:

Aqui [no projeto SESC Cidadão] eu sou um professor de música que usa técnicas musicoterapêuticas. Além disso, eu me enxergo ainda mais do que ainda um professor! e mais ainda do que um musicoterapeuta, eu me enxergo como um...[pensativo] como é que eu posso dizer...[pensativo] não seria professor, um orientador para a vida externa das pessoas! Uma pessoa que vai dar uma parcela de contribuição com os outros educadores, pronto! Um educador! O nome seria esse, um educador! Eu pego algumas coisas da musicoterapia para ver se eu melhoro a aula, eu pego algumas coisas que eu aprendi na faculdade, na licenciatura em música, para melhorar o que eu tenho na aula. Mas, no final das contas, eu creio que aqui eu sou um educador, uma pessoa que vai dar uma parcela de contribuição para a vida dessas pessoas para eles serem cidadãos e poderem participar, fazerem coisas boas, terem um trabalho futuramente, uma família. Nesse sentido, eu vejo nesse sentido, muito mais do que a questão da música propriamente dita e a musicoterapia (FÁBIO, 2015).

Em um contexto complexo de mobilização de saberes docentes, o professor se baseia em diversas fontes de experiências construídas ao longo da sua história de vida. O professor Fábio reconhece essa complexidade ao afirmar que é um educador e se utiliza de diversos saberes para exercer sua função. Diante disso, reconhecemos que a identidade profissional do professor de música que atua em projetos sociais é difícil de ser delimitada, tanto pelas características implícitas à profissão, como as representações sociais dadas pelo professor Fábio.

A dificuldade de delimitar as fronteiras entre ser educador, ser musicoterapeuta, ser professor de música e a delimitação de uma identidade profissional de Fábio no SESC Cidadão são um reflexo do próprio campo de estudo “música em projetos sociais”. Ele se caracteriza pela diversidade de públicos, interesses e objetivos de aprendizagem que são definidos pelas visões de mundo, interesses das instituições que trabalham com essas

realidades, etc., por isso, se alojam em diversos campos de conhecimentos, como a psicologia comunitária, a musicoterapia, educação social, e outros (SOUZA, 2014).

Dessa forma, é possível perceber a influência mais evidente no discurso do professor de algumas experiências vividas como aluno de projeto social; na formação inicial estabelecida no curso de licenciatura em música da UERN; nas experiências como professor do conservatório e na formação continuada estabelecida no curso de especialização em musicoterapia, que são evidenciadas por ele como as principais fontes de saberes docentes. Ao ser questionado se considerava sua formação cultural-profissional suficiente para atuar em projetos sociais, o professor relatou que:

Eu acho o seguinte, eu acho que a gente sempre tem que aprender mais, eu acho que, se eu tivesse uma preparação, eu estaria bem melhor, com certeza. Dá para fazer o trabalho, mas existem algumas lacunas que a gente vai tentando driblar, vamos dizer assim, no dia a dia, né. Vai estudando e é mais na questão prática mesmo, é mais praticando. No projeto social é mais a prática mesmo, entendeu? Eu acho que tá dando para fazer o trabalho, tá legal, mas precisa melhorar, sempre precisa, a gente nunca sabe de tudo, isso é uma realidade. A graduação deixou essa lacuna, esse défice, mas eu não vou colocar culpa só na graduação não, né. Eu teria que ter vários estudos sobre o que é uma situação social de uma periferia e tudo mais, para quando eu for trabalhar em algum setor desse. Eu não imaginava em trabalhar não. Mas não sinto muita dificuldade por causa, eu acho, da minha vivência de, como eu já disse, né, no meu bairro, de como eu já vinha de projeto social também, eu não senti muita dificuldade, e não sinto, por causa disso, eu acho bom dar essa contribuição. Mas, se não fosse essa minha vivência, eu acho que eu sentiria muito mais. Eu acho que era mais difícil de fazer o trabalho

(FÁBIO, 2015).

Diante do exposto, analisamos que a formação cultural-profissional do professor Fábio se constituiu em diversos âmbitos sociais. As vivências estabelecidas pelo professor nos diversos espaços de formação podem ser, resumidamente, delimitadas, em seus aspectos

gerais, como favoráveis à construção dos saberes docentes mobilizados por ele no projeto social SESC Cidadão.

De modo geral, o período em que viveu como aluno do Projeto Esperança, quando teve seus primeiros contatos com a música, estão presentes no discurso do professor Fábio como a principal experiência que fez ele ingressar no contexto de atuação dos projetos sociais com um olhar mais êmico de quem já viveu aquele processo de ensino e aprendizagem musical; as experiências como músico de grupos de samba repercutiu na sua aquisição de saberes musicais ligados à performance e ao fazer musical como músico profissional, o que traz para o professor um reconhecimento das aprendizagens estabelecidas ainda no projeto social que se soma a outras como instrumentista de banda.

No conservatório e nas aulas particulares ele estabelece suas primeiras experiências com o ensino de música, que podem ser interpretadas como sua entrada na profissão docente, que com o passar dos anos vai se estabilizando com as escolhas de seguir se profissionalizando, ao entrar na licenciatura em música da UERN e depois nas pós- graduações em Artes e Musicoterapia.

Em uma análise dos saberes docentes adquiridos pelo professor na formação “formal”, pudemos compreender que tanto o curso de licenciatura em música quanto a especialização em musicoterapia são apontadas pelo professor em seu discurso como as responsáveis por contribuir com a construção dos seus saberes da formação profissional, pedagógicos e disciplinares. Já a especialização em artes é vista como distante, de certo modo, dos projetos sociais e dos saberes exigidos nesse contexto.

5.2 A articulação dos saberes docentes no projeto SESC Cidadão e a constituição dos

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