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O projeto esperança e os grupos musicais como fonte de experiências pré-

5 A CONSTITUIÇÃO E ARTICULAÇÃO DOS SABERES DOCENTES NA AÇÃO

5.1.1 O projeto esperança e os grupos musicais como fonte de experiências pré-

A pesquisa iniciou-se perguntando ao professor como ocorreu seu primeiro contato com a aprendizagem musical. Segundo ele, tudo começou no Projeto Esperança16, dirigido pelo Padre Guido Tonelotto, desenvolvido na Paróquia de São José, localizada no Bairro Paredões. O principal objetivo do projeto social é dar assistência integral às Crianças Adolescentes e Jovens (CAJs) que moravam no bairro Paredões e adjacentes, oferecendo cursos, reforço escolar, alimentação, entretenimento, orientação espiritual e atividades de música, capoeira, tae-kwon-do, etc.

Na época, por morar no bairro Paredões e também já frequentar a paróquia ajudando como coroinha, o professor Fábio ingressou no Projeto Esperança por volta de 1996, nas atividades de música, tocando percussão. As atividades ocorriam semanalmente, e o professor nessa ocasião aprendeu a tocar surdo, atabaque e demais instrumentos frequentando esse projeto, o que lhe serviu bastante para desenvolver o domínio de um instrumento e aprender alguns princípios básicos da música.

A partir dessa vivência, mais tarde, aos 18 anos, Fábio aproveitou os conhecimentos adquiridos sobre percussão e em parceria com outros colegas do bairro criaram um grupo musical chamado Swing do Samba. A partir de então começa a construir sua profissão como músico tocando tantã, um instrumento percussivo em formato de tambor, bastante utilizado no samba em substituição ou complemento ao surdo, para marcação do andamento.

O grupo musical no início não possuía um cavaquinho, foi então que um dos membros do grupo decidiu adquirir um para aprender e utilizar nas músicas. Devido às dificuldades envolvidas na aprendizagem do instrumento e por ele ter por acidente quebrado o cavaquinho, o mesmo perdeu o gosto em aprender a tocá-lo. Foi então que o professor Fábio resolveu consertar o instrumento e aprender a tocar.

A partir desse contato com o cavaquinho, começa a despertar em Fábio a necessidade de se profissionalizar e aperfeiçoar-se no instrumento. Buscou inicialmente a Escola de Música Pedro Ciarlini, atualmente chamada Escola de Artes de Mossoró, que na época oferecia aulas de teoria musical e diversos instrumentos, mas não existiam especificamente aulas de cavaquinho. No entanto, havia um professor chamado Carlos Batista que possuía algumas noções do instrumento e se propôs a repassá-las para Fábio, mas que depois de um certo tempo propôs ao aluno buscar outros meios de aperfeiçoamento no instrumento, pois já tinha passado o que sabia para ele.

Dessa forma, os meios procurados por Fábio, por serem mais acessíveis na época para aprendizagem de um instrumento sem professor, foram as “revistinhas” de músicas cifradas e vídeo-aulas de cavaquinho disponíveis em formato VHS, que por um longo período foram as fontes de aperfeiçoamento no instrumento somadas às vivências que ele continuava a construir durante os ensaios e shows do grupo musical na cidade. Sobre essa fase da sua trajetória o professor Fábio acrescenta:

Teve uma vez que um amigo meu, ao ver uma vídeo-aula que eu tinha, disse até assim [descrevendo a fala do amigo]: “Olhe! Essa vídeo-aula vai ser legal porque quando você estiver dando aula você pode utilizar!”. Aí eu digo [comentando sobre a fala do amigo]: Nam! Você é doido! Vou dar aula não! Aqui é só para aprender a tocar. Aí depois parece que ele estava adivinhando, eu comecei a dar aula e as primeiras coisas que eu comecei a me basear foram nas vídeo-aulas (FÁBIO, 2015).

A descrição da trajetória musical do professor Fábio juntamente com seu relato mostram alguns traços de como ocorreu a sua socialização pré-profissional na profissão docente, demonstrando como o ato de ensinar se fez presente em sua vida antes mesmo de se profissionalizar na licenciatura e ingressar efetivamente em uma instituição como professor. O caso de Fábio é compartilhado por diversos outros professores de música, que na maioria começam a trabalhar com aulas antes de ingressarem em um curso de licenciatura em música. Essa questão é apontada por Morato (2009) como bastante típica na área da música, pelo fato de ser uma profissão “socialmente e culturalmente reconhecida pelo saber fazer” (MORATO, 2009, p. 46).

Ao tratar dos saberes e competências dos músicos-professores de uma escola alternativa de música no Rio de Janeiro, (REQUIÃO, 2002) aponta que de início os músicos- professores, mesmo exercendo atividades docentes, não se reconhecem como professores, mas apenas como músicos, a atividade pedagógica é apenas um complemento que lhes auxilia no próprio aperfeiçoamento como músicos e como ajuda financeira. O mesmo fato é compartilhado por (MOREIRA, 2014) que, ao realizar uma pesquisa sobre o conhecimento pedagógico de um professor de violão, verificou que este não se reconhecia como um professor, mas como um “músico de sala de aula”. Comentando sobre esse assunto

(REQUIÃO, 2002, p. 46) acrescenta:

O músico-professor tem, num primeiro momento, sua profissionalização legitimada através da sua atividade docente, uma vez que essa atividade é regular e remunerada. Por outro lado, tem sua atividade docente legitimada pelo conjunto de saberes que adquiriu em sua trajetória como estudante de música, e também por sua atividade artística, apesar dessa atividade ser no início irregular e não remunerada.

Nessa perspectiva, podemos analisar que, no caso do professor Fábio, a legitimação como professor de cavaquinho foi construída na socialização pré-profissional pelo conjunto de saberes musicais que adquiriu como músico de grupos de samba de que fazia parte, e também pelos seus saberes como estudante de música, adquiridos na escola de música da cidade e por meio de vídeo-aulas e revistinhas. Desse modo, a constante atuação artístico- musical na cidade influenciou para que ele começasse a ser reconhecido pelos seus saberes musicais, com isso, os convites para aulas particulares começaram a ser constantes, mesmo que, de início, a atuação como professor não fosse o seu foco. Sobre os saberes que ele

considera que adquiriu nesse período em que atuava apenas como músico de grupos musicais e que influenciam sua prática até os dias atuais, o professor Fábio afirmou que:

Rapaz, nas bandas teve uma coisa muito boa: a questão do ouvido, porque em banda, meu amigo, você vai pegando tudo de ouvido. Na época era umas fitas, davam umas fitas que, quando você colocava no gravador, elas mudavam até as tonalidades, a gente pegava meio tom acima ou meio tom abaixo (risos). Então essa questão de desenvolver o ouvido foi muito importante nas bandas. A habilidade de “Toque aí e cante, que a gente vai pegando” foi nas bandas, isso aí com certeza foi nas bandas! E eu tenho muito a agradecer, porque a gente tenta fazer a parte teórica, ligada à partitura, e a parte prática na parte de tocar e escutar, isso é muito importante. O músico que não escuta [que não tem uma percepção apurada] é mais difícil, eu acho, né (FÁBIO, 2015).

Nesse relato o professor considera a percepção como um dos saberes musicais que para ele foi adquirido durante o tempo em que passou atuando ativamente nos grupos musicais da cidade, demostrando que “na área da música é o contexto que irá determinar os saberes necessários à aquisição ‘da’ competência necessária ao músico” (REQUIÃO, 2002, p. 25). Em outras palavras, a percepção é algo primordial ao músico popular para que este possa atuar profissionalmente na área, tendo em vista que a todo momento ele lida com situações em que precisa pegar determinada música do repertório de ouvido, exigindo fortemente essa competência da percepção. Em outro contexto, de uma orquestra sinfônica, por exemplo, onde a leitura musical é o principal meio de assimilação do repertório, a competência mais necessária seria a leitura musical de partituras.

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