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3 SABERES DOCENTES: DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS, LIMITES E

3.1 Os saberes docentes como campo de pesquisa

Há alguns anos, diversos pesquisadores, principalmente das áreas de ciências humanas e sociais, estão se preocupando com o que pensam e como agem os professores em seus contextos de ensino e aprendizagem. Os estudos ligados a essa preocupação podem ser entendidos como estudos da subjetividade docente, em que a principal preocupação está centrada em desmistificar a identidade profissional dos professores, admitindo que estes, assim como diversos profissionais, possuem um conjunto de saberes que norteiam seu ofício e que precisam ser reconhecidos pela sociedade (FREIRE,1996; GAUTHIER, 1998; PERRENOUD, 2000; PIMENTA, 1999; SHULMAN, 2004; TARDIF, 2014).

Partindo dessa perspectiva, entre as várias vertentes dos estudos da subjetividade docente, estão os saberes docentes que começaram a ganhar impulso nos países da América do Norte por volta das décadas de 80 e 90 com os movimentos de profissionalização do ensino iniciados pelo Holmes Group, 1986, 1990, o Carnegie Forum, entre outros, que buscavam eleger um repertório de conhecimentos para o ensino. A partir dessas lutas, mais tarde, muitos pesquisadores começaram a investigar o knowledge base (base de conhecimento) dos professores, que, segundo (SHULMAN, 1987), incide em um conjunto de compreensões, conhecimentos, habilidades, e disposições que um professor necessita ter para atuar em determinados contextos de ensino e aprendizagem.

Especificamente no Brasil, os estudos sobre os saberes docentes começam a ser difundidos por volta de 1990, juntamente com as reverberações do movimento de profissionalização do ensino e das questões sobre o repertório de conhecimentos dos

professores. Assim como acontecia em outros países, no Brasil, os estudos sobre os saberes docentes visavam garantir o reconhecimento legítimo da profissão docente, ainda bastante ligada à concepção de vocação (ALVES, 2007).

Desde então, pensar a formação dos professores a partir da ótica dos saberes docentes vem contribuindo para quebra de um paradigma bastante forte, pautado na ideia do professor como reprodutor de técnicas de ensino e aprendizagem, detentor de todo o conhecimento, na qual sua função se resume a ações mecânicas, de “depositar” conhecimento para os alunos. Esse processo é conhecido como educação bancária, bastante criticada por Paulo Freire em seu livro Pedagogia da autonomia (FREIRE, 1996).

Essa ideia se fez forte por muito tempo e influenciou bastante os estudos sobre a formação do professor, que se debruçavam em técnicas e formas de ensinar e esqueciam-se, por vezes, de entender a vida pessoal do docente, pois, para alguns pesquisadores, não existiam relações entre a vida profissional e a história de vida dos professores, esta não influenciava na ação pedagógica docente e pouco importava o que esses atores falavam sobre si (NUÑES, 2001).

Com os estudos sobre os saberes docentes começa-se a dar voz aos professores e considerar os seus discursos como válidos para o campo epistemológico da educação. Na perspectiva dos saberes docentes, a formação do professor começa a ser vista a partir de uma reflexão na prática e sobre a prática do professor em seu contexto de ensino, passando a considerar o cotidiano e a subjetividade como algo válido para entender a complexidade que envolve a formação docente. Essa tendência vem se consolidando como um novo paradigma da formação docente e se mostra bastante forte em pesquisas que buscam entender a práxis pedagógica dos professores (FREIRE, 1996); a subjetividade docente (COLLA, 1998); as crenças dos professores (SOARES; BEJANO, 2008); as suas concepções (PONTE, 1992); as emoções e os valores (MARCHESI, 2008); as representações sociais (SOUSA; PARDAL; VILLAS BÔAS, 2009); autobiografia, trajetórias e histórias de vida (SOUZA, E., 2006); o habitus docente (BARROS, 2011), a identidade docente (GALINDO, 2004); as competências e habilidades (PERRENOUD, 2000); e os saberes docentes (TARDIF, 2014)5.

Todos esses termos têm em comum a concepção de que não se pode separar a dimensão sociocultural da vida do professor da dimensão profissional. Essas duas dimensões

5Em uma breve análise, foi possível perceber que as divergências entre autores são tantas, que não se torna fácil definir e/ou enquadrar cada um dos termos, pois, enquanto alguns autores diferenciam-nos, outros fundem os termos como se tudo representasse a mesma coisa. E na medida em que as ciências da educação se modificam, as formas interpretativas de cada termo e suas utilizações acabam se diluindo dentro de diversas teorias e se confundindo umas com as outras, passando, às vezes, a significarem a mesma coisa (SOARES; BEJARANO, 2008).

se fundem formando a identidade profissional docente de cada educador. Além disso, esses termos e perspectivas também apontam para uma nova concepção da profissão docente, que considera o professor um profissional reflexivo capaz de pensar e repensar sua prática sobre os mais diferentes enfoques e aspectos – dono de uma consciência racional que influencia sua prática docente, formando o que chamamos de práxis profissional.

A figura do professor reflexivo está centrada na ideia de olhar de forma crítica sua própria prática. No caso do professor, refletir sobre sua prática é conduzir seu olhar para os detalhes existentes no processo de ensino e aprendizagem e nas relações entre os sujeitos (professor e aluno) mediados pelo conhecimento e propor soluções para os problemas encontrados nessa prática, através da reflexão, análise e problematização das situações.

A reflexão é inerente à profissão docente, o ato de refletir está presente no processo de transmissão e recepção do conhecimento e, por ser essa a matéria-prima do professor, é inegável que este reflita sobre sua prática e os conhecimentos adquiridos e transmitidos no processo de educação (SCHÖN, 2000). Essa noção fortalece ainda mais o reconhecimento dos professores como sujeitos participativos, produtores e mobilizadores de saberes, que possuem consciência e racionalidade profissional suficiente para conduzir de forma autônoma suas práticas pedagógicas e não apenas seguir regras e receitas produzidas na formação inicial.

Nessa perspectiva, os estudos que buscam entender as subjetividades do professor apontam claramente que os docentes não podem ser vistos apenas como marionetes que reproduzem os movimentos e teorias produzidos pelos professores universitários, pesquisadores, e/ou exigidos pelos seus superiores. Ele não é um mero reprodutor de teorias criadas por outros, não é um correpetidor de discursos ensaiados, ele é, acima de tudo, um ator, protagonista de um contexto, pelo que ele produz, mobiliza e adapta os saberes conforme sua necessidade. Dessa forma, a subjetividade presente no discurso e na prática do professor precisa ganhar visibilidade nos estudos sobre a profissão docente, não por comoção e ajuda para aflorar um reconhecimento social do professor perante a sociedade, mas pelo simples fato de essa subjetividade representar um rico campo epistemológico a ser explorado pelas ciências da educação e também pela Educação Musical.

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