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2.4 A TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO

2.4.1 Conceitos gerais e evolução histórica da terceirização

O termo terceirização, segundo Ferraz (2007), derivado do latim tertius, significa um estranho na relação entre duas pessoas. Observando o termo em inglês para terceirização, outsourcing, em que out traduz-se por fora e sourcing por fonte, pode-se dizer que o significado da palavra seria o suprimento de atividades tendo por base meios externos.

A terceirização pode ser definida como “o ato de transferir a responsabilidade de um serviço, ou de determinada fase da produção ou comercialização, de uma empresa para outra” (REPULLO, 1997). Terceirização “é a contratação de terceiros, por parte de uma empresa, para a realização de atividades [...] não essenciais, visando à racionalização de custos, à economia de recursos e à desburocratização administrativa” (HOUAISS, 2010). No dicionário Michaelis (2010), “terceirizar” é “delegar, a trabalhadores não pertencentes ao quadro de funcionários de uma empresa, funções exercidas anteriormente por empregados dessa mesma empresa.”. Igualmente o dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999, p. 1946) define “terceirizar” como “transferir a terceiros (atividade que não faz parte de sua linha principal de atuação)”.

Diante dessas definições mais genéricas, pode-se perceber que a terceirização pressupõe maior racionalização de atividades e consequente aumento da produtividade, considerando que a empresa que terceiriza passa a se concentrar apenas na realização das suas atividades essenciais. Marsden e Townley (2001) explicam que a racionalização trabalha eliminando dos negócios aqueles elementos humanos e emocionais que escapam ao cálculo, desconsidera as pessoas. A racionalização é uma causa importante de problemas sociais. Repullo (1997) ainda afirma que “a terceirização tem sido mais uma tática de redução de custos, pela exploração de relações precárias do trabalho, do que uma redução dos custos baseados no aumento da eficiência e da produtividade”.

Conforme Fontanella, Tavares e Leiria (1994, p. 19), a terceirização

é uma tecnologia de administração que consiste na compra de bens e/ou serviços especializados, de forma sistêmica e intensiva, para serem integrados na condição de atividade-meio à atividade-fim da empresa compradora, permitindo a concentração de energia em sua real vocação, com intuito de potencializar ganhos em qualidade e competitividade. [...] é uma forma de administrar, tanto grandes quanto pequenas organizações, de modo estratégico, oportuno e adequado na busca da eficácia empresarial.

Ou seja, é uma ferramenta de gestão que proporciona às empresas a oportunidade de se concentrarem no seu foco, encontrando parceiros especialistas nas atividades que estão sendo terceirizadas. O termo terceirização remete à ideia de que na relação entre as empresas, os recursos humanos ligados por relação laboral com a prestadora de serviços são terceiros em relação à empresa tomadora (terceirizante) (LEIRIA, 1993).

Kardec e Carvalho (2002, p. 42) definem terceirização como “a transferência para terceiros de atividades que agregam competitividade empresarial, baseada numa relação de parceria.” Giosa (1995) reforça a parceria, juntamente com o processo de gestão, como aspectos fundamentais para o sucesso da aplicação da terceirização.

A relação de parceria apontada pelos autores é o que diferencia a terceirização; é comum, porém, encontrar um equívoco entre o que seria a empreiteirização e a terceirização. As diferenças básicas entre esses processos podem ser visualizadas no Quadro 7, que caracteriza cada uma dessas práticas.

EMPREITEIRIZAÇÃO TERCEIRIZAÇÃO

Não parceria Parceria Desconfiança Confiança

Levar vantagem Política do ganha/ganha Ganhos de curto prazo Ganhos estratégicos Pluralidade de fornecedores Fornecedor único Contrata mão de obra Contrata soluções Quadro 7 – Diferenças entre empreiterização e terceirização

Fonte: adaptado de Kardec e Carvalho (2002)

Os autores afirmam que, na prática, o que se vê são empresas realizando empreiteirização com o nome de terceirização. Faltam relações de parcerias, o que prevalece é a busca por redução de custos, que se torna mais importante do que qualquer outro tipo de benefício.

Kennedy et al. (2002) explicam que a redução de custos é possível, pois as empresas de terceirização se beneficiam de economias de escala e, por isso, podem realizar as atividades de forma mais barata do que seria se os membros da própria organização as realizassem. Ao mesmo tempo, como as funções são terceirizadas, os gestores podem aliviar seus funcionários de tarefas rotineiras, repetitivas e de base, permitindo que concentrem os seus esforços exclusivamente no núcleo (core), em atividades que agregam valor e contribuam para a organização manter sua vantagem competitiva.

As terceirizações geralmente ocorrem nas atividades acessórias das organizações, mas podem acontecer também nas atividades-meio. As atividades-acessórias são aquelas que dão suporte às empresas como um todo e não se encontram intimamente ligadas à atividade- fim – atividade fundamental da empresa, a razão de ser do negócio. Um exemplo de atividade-acessória seria o serviço de limpeza em empresas que não possuem a limpeza como negócio. Ainda existem, conforme citado, as atividades-meio, que são aquelas que se encontram intimamente ligadas e fornecendo suporte à atividade-fim. Para que uma atividade- meio seja terceirizada, não pode haver subordinação hierárquica (KARDEC e CARVALHO, 2002).

As expressões atividade-fim e atividade-meio foram concebidas no âmbito do Direito do Trabalho para distinguir as atividades diretamente relacionadas às finalidades

institucionais da empresa, seu objeto social, daquelas que lhes fossem instrumentais, acessórias, auxiliares à sua persecução (MARTINS, 2000).

Fontanella, Tavares e Leiria (1994) listam como interesses por trás da terceirização o acesso a tecnologias de última geração, a renovação da cultura por meio de novas parcerias, o forte investimento na atividade-fim, sem dispêndio de energia nas tarefas auxiliares e a diminuição de custos fixos e a economia de escala. Entretanto, apesar dessa gama de justificativas, a experiência mostra que o motivo principal do crescimento da terceirização é a redução de custos e de pessoal. Tal motivo pode ser explicado observando a evolução histórica e o contexto socioeconômico que afetou as organizações no último século.

Em termos de economia mundial, Melo et al. (1998 apud PINTO, 2009) afirmam que a expansão das atividades de serviços constituiu uma das mais importantes mudanças introduzidas no cotidiano das pessoas no século XX. A migração do campo para as cidades com a Revolução Industrial, implicou uma reorganização do processo produtivo, proporcionando o aumento da produção e das atividades terciárias, especialmente no pós- Primeira Guerra (ROGGERO, 1998 apud PINTO, 2009).

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a procura por serviços externos, ou seja, terceirizados, intensificou-se, pois proporcionariam a redução dos custos. Um dos exemplos ocorreu nas indústrias bélicas norte-americanas que, ao precisarem se concentrar na produção de armamentos, passaram a delegar algumas atividades de suporte para empresas terceiras que prestavam esse tipo de serviço.

O período do pós-guerra mundial foi marcado por uma espécie de realinhamento e revisão de vários processos produtivos. Tudo isso gerou também a necessidade de reestruturação das organizações, pois o mercado buscava inovações, os recursos mais abundantes e o objetivo da administração era produzir e vender. A crise do petróleo na década de 1970 mudou esse quadro radicalmente, aumentando os custos de energia, da matéria-prima e de mão de obra. Com o número de empresas aumentando, acirrou-se a concorrência. As empresas foram obrigadas a mudar suas estratégias, e uma nova preocupação surge na administração: reduzir custos tornou-se tão importante quanto produzir e vender. Não é por acaso que a terceirização começa a ganhar força, uma vez que, além da redução de custos, esse processo objetiva o aumento da competitividade por meio da busca pelo desperdício zero e a consequente redução de custos fixos. (FONTANELLA; TAVARES; LEIRIA, 1994).

A terceirização também provocou mudanças comportamentais no que se refere à forma de se trabalhar. Dedecca (1999) afirma que as mudanças, tanto nas estruturas de emprego como no perfil dos desempregados, têm assumido um caráter multiforme, que fez

surgir estruturas variadas de inserção na atividade produtiva. Por consequência, a crescente heterogeneidade das relações de trabalho manifesta-se pela perda de centralidade da relação de emprego fordista tradicional e pelo crescimento dos empregos precários.

Com a configuração de um novo contexto de trabalho produtivo, verificou-se uma ampliação e também aumento de serviços. No Brasil, essa nova relação de trabalho ocorreu quando foi instalado o parque automobilístico, na década de 1950, utilizando-se a gestão por terceirização. A empresa aqui instalada tinha a preocupação direcionada para o seu negócio. Os componentes de um automóvel eram, e ainda o são, contratados por prestadores de serviços (atividades consideradas acessórias), ficando o parque industrial apenas como “montadoras” dos veículos, e seu alto corpo gerencial concentra-se na criatividade. (CAMPOS PEREIRA, 2003). Então, segundo Alves (2000), é nesse período, com a abertura do mercado interno às multinacionais, que se tem a primeira noção do fenômeno terceirização no país; entretanto, somente mais adiante ela ganha força no território nacional.

Nas décadas de 1980 e 1990, o setor de serviços representava quase dois terços do emprego urbano metropolitano e respondia por mais da metade do PIB brasileiro (MELO et al., 1998 apud PINTO, 2009). Essa expansão gerou um processo de transferência de parte das atividades internas das empresas para organizações externas, ou seja, terceiras. Nesse cenário, a terceirização, que foi um dos processos de reestruturação produtiva mais difundido nos anos 1990 no Brasil, redefine a regulação do trabalho diante de um desmantelamento crescente da universalidade do contrato (BALCÃO, 2000).

Almeida (2008) sugere que a reestruturação produtiva tem seus primeiros sinais no Brasil no fim da década de 70; na década de 80, ela difunde-se pelos setores mais dinâmicos da economia e; na década de 90, adquire um caráter sistêmico.

É nesse cenário que se despontam como padrões de modernidade o trabalho flexível e a fábrica enxuta, ícones do toyotismo. No novo ambiente industrial, para que uma fábrica seja sinônimo de eficiência, deve ser mínima em custos e funcionários (ANTUNES, 2005).

Nesse quadro de quebra de paradigmas do mundo do trabalho, especialmente durante as duas últimas décadas, inúmeras consequências restaram aos trabalhadores. Estudos apontam que a terceirização acabou desenvolvendo uma categoria de trabalhadores que se situa na periferia do sistema produtivo. (ANTUNES, 2005; BRITO; MARRA, 2010).

O estabelecimento dessa ordem contemporânea nas relações de trabalho levou à flexibilização dos modelos tradicionais de regulação, possibilitando que novos arranjos organizacionais ganhassem força. A terceirização surge então como um fenômeno mundial que encontra em países como o Brasil, condições propícias para crescimento. (BRITO; MARRA, 2010, p. 02)

Muitas empresas optam pela terceirização, focando apenas na sua atividade-fim. As rápidas transformações aportadas pelos avanços tecnológicos impossibilitam a especialização em todos os campos de atividade. A atividade-fim de uma empresa de terceirização de serviço torna-se atividade-meio e acessória de muitas outras empresas. Conclui-se que estas (as empresas de terceirização) são eficientes neste tipo de atividade (o que seria atividade-meio de outras empresas), gerando uma maior eficiência para a empresa contratante.

As transformações no processo produtivo apontadas levaram a uma também flexibilização do Direito do Trabalho. Terceirizando atividades, a empresa contratante deixa de ser responsável por todas as etapas do processo produtivo. Esse fato repercute no Direito do Trabalho, que antes esteve apoiado na empresa autossuficiente e, com a terceirização, passa a ocorrer uma descentralização do trabalho.