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2.3 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO COMO UMA TENTATIVA DE

2.3.1 Conceitos de Qualidade de Vida

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”3. Silva e De Marchi (1997, p. 25) sustentam a definição citada ao dizer que “da mesma forma que a paz não pode ser entendida tão-somente como a ausência de guerra, ter saúde não significa apenas não estar doente”. Os autores afirmam que ter saúde implica o “vivenciar uma sensação de bem-estar espiritual (ou psicológico) e social, entendido este último – o bem-estar social – como uma boa qualidade nas relações que o indivíduo mantém com as outras pessoas e com o meio ambiente”. (SILVA; DE MARCHI 1997, p. 25). Ou seja, para se ter um ambiente saudável, não é suficiente ausência de doenças, deve-se trabalhar a fim de promover o bem-estar geral e completo.

Em 2009, a OMS desenvolveu um Modelo de Ação para Ambientes de Trabalho Saudáveis, baseado no Plano de Ação Mundial para a Saúde dos Trabalhadores para o período de 2003-20174. Esse modelo de ação considera que “a saúde, a segurança e o bem estar dos trabalhadores são de fundamental importância para os próprios trabalhadores e suas famílias e também para a produtividade, a competitividade e a sustentabilidade das empresas e, portanto para as economias dos países e do mundo” (OMS / OPS, 2009, p. 9). O modelo contempla ações que visam aos riscos físicos e psicossociais relacionados ao trabalho, à promoção e ao apoio de comportamentos saudáveis e enfatiza os determinantes sociais e ambientais.5

Sauvage (1996), ao tratar da origem da economia plural, social, afirma que há um esgotamento do modelo baseado nas necessidades materiais. As “novas necessidades” dizem respeito acima de tudo à qualidade de vida.

A noção de Qualidade de Vida (QV) abrange muitos significados que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades. Seidl e Zannon (2004) apontam que, a partir da década de 1990, estudiosos da área apresentaram dois aspectos fundamentais do conceito de qualidade de vida: subjetividade e multidimensionalidade. No que concerne à subjetividade, trata-se de considerar a percepção da pessoa sobre o seu estado de saúde, seu contexto, sua avaliação individual acerca das dimensões relacionadas à QV.

3 Preâmbulo da Constituição da OMS, adotado na Conferencia Internacional de Saúde, New York, 19-

22/06/1946; assinada em 22/07/1946 pelos representantes de 61 Estados (registros oficiais da OMS n. 2, p. 100) e entrou em vigor em 07/04/1948. In: http://www.who.int/about/definition/en/print.html.

4 Esse Plano de Ação Mundial havia sido endossado pela 60ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2007,

objetivando dar um novo impulso à ação dos Estados Membros.

No entender de Lipp (1996), a qualidade de vida depende de alguns aspectos, como, por exemplo, o social, o afetivo, o profissional e a saúde. Para se ter um nível consideravelmente bom de qualidade de vida, esses aspectos devem estar adequados. Sendo assim, não adianta estar excelente em um dos aspectos e deficitário em outro. Os aspectos devem manter-se em equilíbrio. Ballesteros (1996 apud RODRIGUES et al., 2005, p. 56) corrobora com essa ideia ao declarar que a “qualidade de vida envolve bem-estar no domínio social, saúde física no âmbito da Medicina e satisfação no domínio psicológico”, quer dizer, não está relacionada apenas a um aspecto da vida, diz respeito à forma como o sujeito se relaciona, interage com o mundo, por sua individualidade.

Goulart e Sampaio (2004) enfatizam que diversas áreas da ciência contribuem para o entendimento da QV, como por exemplo, a Ecologia, a Sociologia, a Medicina e a Psicologia. A partir da preocupação dos ecologistas com a qualidade do meio ambiente, muitas leis, inclusive internacionais, vêm sendo criadas, no sentido de proteger a vida. Goulart e Sampaio (2004, p. 29) entendem que “o controle da qualidade do ar, o combate à poluição, a rejeição ao desflorestamento e ao consumo exagerado de energia são considerados indicadores de qualidade de vida”. Do ponto de vista social, economistas, sociólogos e políticos, preocupam-se com o bem-estar da sociedade, em questões relacionadas a crimes, violência, renda, dentre outras. Qualidade de vida, portanto, refere-se também a esses problemas.

A contribuição da Medicina se traduz pela preocupação com os índices de natalidade, morbidade, mortalidade, idade média da população. A Psicologia tem agregado outros indicadores ao conceito de qualidade de vida, como a preocupação com o estresse, a satisfação no trabalho e a saúde mental.

Qualidade de Vida diz respeito justamente à maneira pela qual o indivíduo interage (com sua individualidade e subjetividade) com o mundo externo, portanto à maneira como o sujeito é influenciado e como influencia. Logo, o acesso a uma “vida com qualidade” é determinado por uma relação de equilíbrio entre forças internas e externas. (GOULART; SAMPAIO, 2004, p. 31).

Historicamente, encontram-se indícios de que o termo QV tenha surgido pela primeira vez na literatura médica na década de 1930 (NISHIMURA, 2008). Em meados da década de 1970, Campbell (1976 apud SEIDL; ZANNON, 2004, p. 558) tentou explicitar as dificuldades existentes na conceituação de qualidade de vida: “Qualidade de Vida é uma vaga e etérea entidade, algo sobre a qual muita gente fala, mas que ninguém sabe exatamente o que é”.

Farquhar (1995 apud SEIDL e ZANNON, 2004), procedendo a uma revisão da literatura até o início da década de 1990, propôs uma taxonomia das definições sobre QV até então existentes, dividida em quatro tipos, conforme apresentado no Quadro 3.

I Definição global Primeiras definições que aparecem na literatura. Predominam até meados da década de 1980. Muito gerais, não abordam possíveis dimensões do construto. Não há operacionalização do conceito. Tendem a centrar-se apenas em avaliação de satisfação/insatisfação com a vida.

II Definição com base em componentes

Definições baseadas em componentes surgem nos anos 80. Inicia-se o fracionamento do conceito global em vários componentes ou dimensões. Iniciam-se a priorização de estudos empíricos e a operacionalização do conceito.

III Definição focalizada Definições valorizam componentes específicos, em geral voltados para habilidades funcionais ou de saúde. Aparecem em trabalhos que usam a expressão qualidade de vida relacionada à saúde. Ênfase em aspectos empíricos e operacionais. Desenvolvem-se os instrumentos diversos de avaliação da qualidade de vida para pessoas acometidas por diferentes agravos.

IV Definição combinada Definições incorporam aspectos dos Tipos II e III: favorecem aspectos do conceito em termos globais e abrangem diversas dimensões que compõem o construto. Ênfase em aspectos empíricos e operacionais. Desenvolvem-se instrumentos de avaliação global e fatorial.

Quadro 3 – Taxonomia da QV

FONTE: Adaptado de Farquhar (1995 apud SEIDL e ZANNON, 2004)

Uma definição de QV bastante utilizada na atualidade é apresentada pelo grupo de estudos de QV da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera que a Qualidade de Vida engloba distintas dimensões como: saúde física, saúde psicológica, nível de independência, relações sociais, meio-ambiente e padrão espiritual. Qualidade de Vida seria

uma percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores em que ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito de limites extensos e influenciados numa maneira complexa pela saúde física, estado psicológico, crenças pessoais, relacionamentos sociais e suas relações com características relevantes do meio-ambiente. (WHOQOL Group, 1995, p. 1403).

Segundo Rodrigues et al. (2005, p. 56), qualidade de vida é um assunto “atual e importante”. Justifica o atual, por ser um termo já de uso comum, fortemente empregado por toda a população; o importante, por ser amplamente utilizado e aplicado a diversas áreas da vida. Contudo, muitas vezes, seu uso ocorre sem um aprofundamento adequado. Silva e De Marchi (1997) também criticam o emprego da expressão “qualidade de vida”. Os autores, assim como Rodrigues et al. (2005), concordam que a expressão tem sido usada de modo inadequado, sendo comumente confundida com alguns aspectos como, por exemplo, uma vida materialmente confortável, ou com um cuidado ao corpo, uma vida plena de prazer, viagens, férias, pouco trabalho e outros.

A expressão QV também tem sido comumente utilizada na linguagem popular, nos meios de comunicação, campanhas publicitárias e políticas, e com grande frequência, somente os aspectos objetivos são considerados. Percebe-se uma fala sobre fatores ambientais e sociais, tais como a qualidade do ar, da água, longevidade, nível socioeconômico e educacional ligados às condições de vida externa, mas não muito sobre fatores subjetivos.

Segundo Minayo, Hartz e Buzz (2000), quando se empregam somente indicadores econômicos ou sociodemográficos, a apreensão da realidade, do bem-estar ou da qualidade de vida de um grupo, comunidade ou nação pode estar limitada. Por isso, além de conhecer os indicadores objetivos, é fundamental conhecer a percepção, o pensamento e as avaliações subjetivas que as pessoas têm de si mesmas e de vários componentes materiais reconhecidos como base social da qualidade de vida. Assim, a qualidade de vida deve congregar os componentes de bem-estar objetivo e bem-estar subjetivo. (VASCONCELOS, 2001).

Rodrigues et al. (2005) complementam afirmando que a qualidade de vida estaria relacionada aos fatores motivação e satisfação, uma vez que ambos os fatores combinados influenciariam diretamente na qualidade de vida e bem-estar dos sujeitos. Quando insatisfeito e desmotivado, a qualidade de vida deles estará baixa. A satisfação, por sua vez, depende das necessidades do sujeito; sendo assim, para melhorar a qualidade de vida, torna-se indispensável conhecê-las.

O estresse é um fator que contribui muito para diminuir o nível de qualidade de vida das pessoas. De acordo com Lipp (1996, p. 299), “toda mudança que exija adaptação por parte do organismo gera um certo nível de stress. [...] Como no Brasil essas mudanças estão ocorrendo a ritmo vertiginoso, é de se entender por que o nível de stress da população está tão alto.” A autora realizou uma pesquisa com cem pessoas fazendo compras em um shopping de Balttimore – Estados Unidos – e constatou que 30% delas apresentavam algum sintoma de estresse. Posteriormente, a mesma pesquisa foi realizada em um shopping de São Paulo – SP, e, dessa vez, o índice de pessoas com algum sintoma de estresse subiu para 70%. O resultado de pesquisa mostra claramente como a população brasileira tem se encontrado estressada.

O estresse pode não estar associado apenas a eventos externos. As fontes são múltiplas e diversificadas para cada população, cada cultura e cada indivíduo. Geralmente, o sentido atribuído a determinado evento é que pode ou não qualificá-lo como sendo um evento estressor. Ainda, segundo a mesma autora, estudos apontam para um alto nível de estresse ocupacional entre executivos e gerentes. O estresse crônico pode levar a problemas cardíacos ou úlceras gástricas, e em consequência, a situações ainda mais graves, as quais podem prejudicar seriamente a carreira e a vida do trabalhador. (LIPP, 1996).

Esse fato aponta para uma necessidade de se pensar em qualidade de vida relacionada ao ambiente de trabalho. Muito se fala em qualidade de vida relacionada a bem- estar, saúde física, exercícios; todos esses aspectos, entretanto, podem do mesmo modo ser pensados com relação às organizações. A seguir, apresenta-se o conceito de qualidade de vida no contexto de trabalho.