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4.3 O CONTEXTO DA TERCEIRIZAÇÃO SOB A ÓTICA DA QVT

4.3.2 Discussão sobre a percepção dos gestores organizacionais quanto à responsabilidade

Apresentados os dados acerca da percepção dos três grupos envolvidos na pesquisa sobre as responsabilidades e papéis na promoção da QVT, verificou-se que, mesmo havendo algumas convergências, as visões dos entrevistados divergem em alguns aspectos. Nos dois casos (Alfa e Beta) nos quais as gestoras das empresas terceirizadas acreditam que a responsabilidade pela QVT é da empresa de prestação de serviços, os gestores das IES apontam que tal responsabilidade poderia ser compartilhada. E, no caso em que a gestora da empresa de terceirização (Gama) indicou a responsabilidade como compartilhada, foram os gestores da IES C que afirmaram que esta seria da prestadora de serviços. Ou seja, de fato, não há total consenso em nenhum dos casos estudados nesta pesquisa, como se pode observar no Quadro 14.

Responsabilidade

IES A e Alfa IES B e Beta IES C e Gama Gestor

terceirizada

Empresa terceirizada Empresa terceirizada Compartilhada Gestor IES Compartilhada

(mais da terceirizada) Compartilhada Compartilhada (Gestor 2) Terceirizada (Gestor 1 e 3)

Papéis da terceirizada

Gestor

terceirizada Cumprir prazos Identificar e solucionar Problemas Dar suporte Realizar pagamentos

(obrigações) Dar condições de trabalho Verificar condições de trabalho Fiscalizar/monitorar Gestor IES Condições de trabalho Condições de trabalho Condições de trabalho

Se preocupar Treinamento/capacitação

Acompanhar Reconhecimento

Papéis IES

Gestor terceirizada

Fornecer informações Depende da empresa Condições de trabalho (fornecer a estrutura) Gestor IES Condições de trabalho (local

adequado) Condições de trabalho Fiscalizar Controlar pagamento

Quadro 14 – Responsabilidades e papéis das empresas sobre a promoção da QVT do terceirizado Fonte: Dados primários da pesquisa

De forma geral, mesmo nos casos em que a responsabilidade foi mencionada como sendo compartilhada, percebe-se uma tendência a identificar a empresa de terceirização possuindo mais obrigação nesse sentido. Entretanto, foi possível perceber uma dificuldade em se definir tal questão. Os entrevistados não possuem clareza quanto à responsabilidade pela prevenção e promoção da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores terceirizados.

Aparentemente essa não é uma dificuldade exclusiva dos gestores participantes desta pesquisa, Quinlan e Sokas (2009) demonstram que, mesmo em países desenvolvidos, como EUA, Austrália e Inglaterra, onde há uma legislação clara sobre a responsabilidade pela preservação da saúde e segurança no trabalho, quando se trata de contratos terceirizados e subcontratação de mão de obra, essa responsabilidade fica obscura. Não há uma legislação clara e objetiva sobre essas responsabilidades específicas. Os autores defendem o estabelecimento de uma política legal que dê suporte à saúde e segurança dos trabalhadores terceirizados, até mesmo porque, cada vez mais, essa prática apresenta riscos à saúde dos trabalhadores, inclusive levando a fatalidades.

As diferentes visões dos gestores ocorrem inclusive como um reflexo da própria fragilidade legal que há na terceirização. Em virtude dessa fragilidade, e também, como não foram encontradas referências que abrangessem especificamente o debate acerca da responsabilidade pela promoção da qualidade de vida do trabalhador terceirizado no Brasil, buscou-se consultar representantes do sindicato das empresas de terceirização e dos trabalhadores terceirizados de serviços de limpeza.

De acordo com o sindicato dos trabalhadores, “a responsabilidade [pela QVT] é de todos”; do sindicato que “tem que lutar pelos trabalhadores” e das empresas, tanto terceirizada como contratante, “que devem aplicar e se preocupar com questões de qualidade de vida”. Na visão do representante do sindicato laboral, “a terceirização é o mal necessário do nosso país, [...] ela não vai acabar, mas não podemos continuar a nos utilizarmos dela para precarizar o trabalho”. Ele entende que é o trabalhador que está “na ponta”, prestando o serviço, o que mais sofre com “tudo isso”. Acrescenta ainda que “o problema da terceirização” vai além dessa questão, e inicia-se pelo fato de ser uma profissão invisível e discriminada, “teria que conscientizar mais os tomadores de serviço, [...] temos que garantir que os trabalhadores sejam contratados de forma igual, não apenas com direito e benefícios iguais, mas também na forma de tratamento e nos relacionamentos interpessoais”; da mesma forma que a empresa se preocupa com o seu funcionário efetivo, ela teria que se preocupar com os terceirizados. Para o sindicalista entrevistado, a falta de uma legislação específica que regulamente a terceirização e que garanta igualdade para os trabalhadores que convivem no mesmo local de trabalho é o grande limitador nesse processo. Acaba tudo dependendo do bom senso das empresas envolvidas.

Em contrapartida, o sindicato patronal das empresas de terceirização entende que, de fato, é um tema “complexo [...] A questão da responsabilidade é complicada. As empresas só fazem aquilo que tem de fazer por força de lei. [...]” Especificamente para a limpeza, que é

o caso da maior parte dos trabalhadores desta pesquisa, o representante do sindicato explica que não há nenhuma legislação nesse sentido, que a função não exige nem que se tenha um treinamento, ou uma qualificação. Devido à falta de legislação, o entrevistado afirma que “é extremamente problemático responder isto, e eu vou estar dando apenas a opinião do que eu acho. Não existe a normativa, então o bom senso é que impera. Muitas vezes a empresa não tem lugar adequado nem para o seu próprio pessoal”. Ou seja, como se pode observar, não há nenhuma normativa que oriente a questão aqui abordada; a QVT dos trabalhadores terceirizados depende do “bom senso” e da “boa vontade” das empresas envolvidas no processo.

Nessa perspectiva, seria possível propor, então, que as áreas de gestão de recursos humanos de empresas terceirizadas e contratantes assumissem uma parceria para suprir as lacunas para as quais a legislação não aponta soluções, como quanto à responsabilidade de promover a qualidade de vida de trabalhadores terceirizados. Acredita-se que uma ação mediada pelo “bom senso” atenderia demandas dos trabalhadores ao mesmo tempo em que poderia resultar em melhorias do seu desempenho e satisfação com o contexto de trabalho.

De modo geral, as gestoras das empresas terceirizadas não souberam ao certo apontar papéis às empresas que contratam e recebem seus funcionários. Isso demonstra que essa divisão de papéis ainda não é completamente elaborada pelas empresas que realizam a terceirização de serviço, bem como pela empresa tomadora dos serviços terceirizados. Kardec e Carvalho (2002) fazem uma crítica ao processo de terceirização no Brasil, ao falar da dificuldade de se encontrar no país empresas, tanto contratante como contratada, que estejam preparadas para esse processo, e que possuam de fato a cultura da terceirização. Com relação ao preparo que se deve ter ao se terceirizar, na base de dados internacionais, muitos autores (MAYHEW; QUINLAN, 1999; LYNCH, 2000; QUINLAN; SOKAS, 2009; MCIVOR, 2011) tratam da sua importância, principalmente no que se refere ao gerenciamento da relação de parceria que deve haver nesse processo.

Sobre esse preparo, o sindicato patronal afirma que

a terceirização se dá através de um contrato entre a empresa prestadora de um serviço e o tomador destes serviços, só que isto não é feito de forma planejada. A empresa resolve terceirizar, sem planejamento. Qual poderia ser este planejamento: a tomadora deveria considerar aspectos culturais e outros no que se refere a ter pessoas de outras empresas dentro de sua organização. Aspectos variados, como até mesmo o do espaço físico compartilhado, etc., não são usualmente considerados.

Ainda sobre a questão em pauta, o representante do sindicato laboral complementa ressaltando que, quando uma empresa de terceirização vai participar de um processo licitatório, ou mesmo fechar contrato com uma empresa privada, ela deveria ir ao local onde o serviço será prestado e procurar conhecer o tipo de serviço, as instalações do local, onde ficarão os trabalhadores, verificar se há local adequado para alimentação, vestiários, banheiros e outras condições que julgarem necessárias.

No fim, o que se pode constatar é que não há um alinhamento entre o pensamento a respeito da responsabilidade sobre a QVT dos terceirizados, demonstrando como o assunto é polêmico e complexo. Mesmo dentro de instituições de ensino de administração, onde se produz conhecimento acerca da gestão de pessoas e todos os fenômenos organizacionais, a gestão da terceirização se mostra precária no que se refere à qualidade de vida e ao bem-estar dos trabalhadores terceirizados que lá prestam serviços.