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2 A REVOLUÇÃO INFORMACIONAL: EVIDÊNCIAS DA

3.5 A Teoria do Trabalho Imaterial na Visão de Sergio Lessa: o

3.5.3 Concepção Subjetivista de Trabalho Produtivo e Improdutivo

As noções de trabalho produtivo e improdutivo estão no cerne da teoria do trabalho imaterial. No seio desse debate, relacionam-se temas fundamentais à teoria do trabalho imaterial, como por exemplo, as metamorfoses sociais promovidas pela Revolução Informacional e as alterações produzidas na teoria organizacional.

Os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo, apesar de não serem originais de Marx, nele tiveram respaldo, reconhecimento e ainda desenvolvimento conceitual. Segundo o próprio Lessa, o original, em Marx sobre o tema, é sua argumentação de que o trabalho é a atividade humana que, em qualquer momento da história, realiza o intercâmbio do homem com a natureza e que assim fazendo, produz o “conceito material da riqueza qualquer que seja a forma social desta”(MARX, 1983, p. 46 apud LESSA, 2005, p.24).

Esse é o conceito de trabalho abstrato, sob o qual o capitalismo fora desenvolvido: alienação da força de trabalho de um homem para o outro, como se mercadoria fosse. Desse “negócio” se extrai a mais-valia, que é o combustível do capital; a riqueza que compra mais mão de obra ou mercadorias, que foram produzidas pelo trabalho humano, e assim segue o ciclo.

Ocorre que a simples produção de mais-valia, por si só, não é o bastante, para o fechamento do ciclo da produção. É preciso que o produto seja vendido, para que a mais-valia, inserida no seu preço, faça com que a riqueza volte para o bolso do capital.

Dentro da categoria do trabalho abstrato, ainda há uma importante distinção a ser definida. Há trabalho abstrato que produz riqueza estocável, ou acumulável, e outros tipos de trabalho que não produzem riqueza susceptível de acumulação79.

O trabalho que está relacionado com a transformação direta da natureza gera produção entesourável, ou seja, que pode ser estocada, guardada, como ocorre com a produção de ouro, por exemplo. Os outros trabalhos abstratos não geram riqueza acumulável. É o caso do trabalho do cantor de ópera, por exemplo.

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Algumas mercadorias servem para entesourar (isto é, fazer tesouro), outras não se prestam a este papel. Por exemplo, podemos acumular capital em toneladas de ferro, em barras de ouro, em prédios, em fábricas, em cereais etc. Mas não se pode entesourar capital em horas de canto lírico, em uma dada quantidade de aulas de um professor, em uma porção de assistência médica ou em uma dada quantidade de assistência social (LESSA, 2005, p. 27).

A partir dessas análises, Lessa identifica que, no interior do sistema produtivo capitalista, se apresenta uma clara distinção entre atividade humana relacionada à transformação da natureza – o que é considerado por ele como sendo trabalho propriamente dito – e a atividade cuja função social é produzir mais-valia. Este seria essencialmente trabalho abstrato.

O crítico do trabalho imaterial afirma que nem todo trabalho abstrato é trabalho – e, no interior do próprio referencial capitalista, isto se manifesta no fato de que apenas o intercâmbio orgânico com a natureza pode assumir a forma do trabalho abstrato, que produz as mercadorias capazes de servirem como meio e entesouramento (LESSA, 2005, p. 27).

Nessa linha, o autor procura desconstruir a subjetividade do trabalho produtivo e improdutivo defendida pelos neomarxistas:

a) mesmo com as transformações em curso, há uma distinção ontológica fundamental entre o trabalho assalariado do operário e os outros trabalhos assalariados. É o primeiro que produz o conteúdo material da riqueza que sustenta todas as outras atividades humanas. O fato de serem todos assalariados não faz idênticos todos os trabalhadores. Há uma distinção essencial entre a função social que eles exercem (LESSA, 2005, p. 29).

b) não há identidade entre trabalho abstrato e trabalho que realiza o intercâmbio orgânico com a natureza. O trabalho abstrato se relaciona com a produção e a realização da mais-valia. Como a mais-valia pode ser produzida fora da transformação da natureza, nem todo trabalho abstrato é trabalho. Não há, assim, qualquer possibilidade de identidade entre trabalho e trabalho abstrato (LESSA, 2005, p. 30).

Enfrenta Lessa a tese de que trabalho improdutivo é igualmente produtivo no capitalismo cognitivo, argumentando que o trabalho humano que está relacionado à transformação da natureza (não o trabalho abstrato) é a categoria social produtiva por excelência. É uma condição inexorável e atemporal de mediação do homem com a natureza.

O trabalho abstrato seria então outra categoria insociável à anterior. Não há como forçar a identificação de um trabalho que produz diretamente riqueza como, por exemplo, o do ferreiro às atividades de planejamento gerenciamento ou de criação.

Diferentemente de uma aula, de uma campanha de propaganda, de um planejamento feito por um engenheiro ou da descoberta de um cientista, o trabalho produz diretamente os bens materiais necessários a todas as outras atividades humanas e, por isso, é sempre a categoria fundante de toda e qualquer sociabilidade. É pelo trabalho que a riqueza material de todas as sociedades é produzida; sem ele, nenhuma outra atividade humana possui o suporte material indispensável à sua realização (LESSA, 2005, p. 31).

O autor identifica uma intensa relação entre as categorias dissecadas, trabalho e trabalho abstrato. Contudo não se rende à ideia de que o trabalho improdutivo seja considerado também produtivo, ainda que no contexto de uma Revolução Informacional. Outrossim, observa que o capital articula essas categorias de trabalho se inserindo cada vez mais profundamente na sociedade, a fim de que possa ampliar a extração de mais-valia, a partir da relação do homem com a natureza.

O autor associa o trabalho produtivo ao conceito de trabalho propriamente dito, que é aquele que está diretamente relacionado à transformação da natureza. Já o trabalho abstrato está ligado à produção e à realização da mais-valia, e conclui que: se a mais-valia pode ser produzida fora da transformação da natureza, nem todo trabalho abstrato é trabalho. Por isso,

Mas sempre haverá alguma relação dos indivíduos com a natureza que não caberá na reprodução do capital, pela sensata razão de que não há identidade entre capital e humanidade porque a humanidade

não é capital. Portanto, por mais que a reprodução social seja regida

pelo capital e, consequentemente, por mais que o trabalho seja absorvido pelo trabalho abstrato, nem assim teremos a possibilidade histórica da identidade absoluta entre eles (LESSA, 2005, p. 31).

O fim do trabalho abstrato não significa o fim do trabalho em sentido material/produtivo, ou seja, aquele que está relacionado ao intercâmbio orgânico do homem com a natureza trabalho. O que ocorre é, apenas, o desaparecimento da alienação do trabalho humano na forma capitalista.

Esse é o sentido ortodoxo da “revolução proletária”, tal como pensado por Marx: “O proletariado é a única classe da sociedade capitalista que vive da riqueza produzida pelo seu próprio trabalho e, portanto, a única que não tem nada a perder com a superação do sistema do capital” (LESSA, 2005, p. 32). Todas as outras classes vivem da exploração do trabalho operário e, por conseguinte, tem algo a perder com a superação do regime capitalista.

Este é o ponto da teoria do trabalho imaterial que mais incomoda o autor: a revogação da “revolução proletária” pela “revolução passiva” do intelecto geral, decorrente da “reconciliação do capital com o trabalho” (COCCO, 2000, p. 160), que se tornou possível graças à valorização da intelectualidade de massa e da opção dos trabalhadores em recusar a alienação do seu trabalho em função do “amor para o tempo”.

Reconhece Lessa que os autores do trabalho imaterial partem de uma premissa verdadeira, ou seja, de que sociedade capitalista íntegra, como demonstrado pelo próprio Marx, a vida econômica mundial e até mesmo dos indivíduos. A nova concepção de trabalho produtivo e trabalho improdutivo vale-se da constatação de que a cada dia, a atividade de qualquer indivíduo é cada vez mais necessária para a vida de todos os outros.

O erro está em acreditar que toda sociedade é produtiva – como a dos operários – para ultrapassar o conceito de trabalho que produz a riqueza material da sociedade – o trabalho operário – e todas as outras atividades. Segundo ele,

A tese de Negri, Hardt e Lazzarato apóia-se, portanto, em pura fantasia: não vivemos hoje, nem poderíamos jamais viver, qualquer identidade absoluta entre capital e a sociedade. Pelo contrário, o desenvolvimento das forças produtivas evidencia a crescente incompatibilidade entre capital e sociedade (LESSA, 2005, p. 39).

A tese do trabalho imaterial pretende sepultar as classes sociais, bem como a luta de classes e superar o projeto revolucionário marxiano, a partir da emergência de um novo paradigma, social formado pelos “empresários sociais” e “trabalhadores sociais” que se integrariam reciprocamente no trabalho imaterial – e sendo todos eles produtivos.

Assim não haveria mais antagonismo entre capital e trabalho, não seria mais o capital explorador do trabalho abstrato pela extração da mais-valia, mais, sim, o capital social que se reproduziria pelo trabalho imaterial. E conclui:

Portanto, tal como adiantamos, a tese do trabalho imaterial cumpre uma função ideológica muito precisa: justifica a crise em que vivemos, afirmando ser ela não a crise da ordem do capital, mas sim as dores inevitáveis à transição em curso ao comunismo (LESSA, 2005, p. 35).

Entende Lessa que a teoria do trabalho imaterial, como ciência, não possui qualquer mérito, apesar de exercer a sua função ideológica. Negar a necessidade da revolução e a ruptura material com a ordem do capital contribui para a

desarticulação dos trabalhadores, centralizados pelos operários para a emancipação humana.

3.5.4 A Materialidade do Trabalho e o Trabalho Imaterial: um Comunismo