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Concepções de TDIC e sua integração ao currículo

3.4 Tendências e Lacunas Identificadas

3.4.2 Concepções de TDIC e sua integração ao currículo

A concepção de tecnologias digitais e sua integração ao currículo escolar, na tendência identificada nos trabalhos arrolados nesta RSL, aproxima-se da defendida por Almeida (2014, p. 25). A autora considera as TDIC “instrumentos culturais de representação do pensamento humano e de atribuição de significados pelas pessoas que interagem e desenvolvem suas produções por meio delas”, portanto, exercem influência na educação e são “estruturantes dos modos de expressar o pensamento e do currículo que se desenvolve midiatizado por elas”.

Mas nem sempre as escolas percebem as TDIC como instrumentos culturais e não se apropriam delas com naturalidade. Desse modo, no contexto escolar, a integração das TDIC ao currículo escolar vem ocorrendo de forma gradativa, comprovando a afirmação de Goodson (2008, p. 157) de que “se o currículo como prescrição está terminando, temos de admitir que a nova era do currículo no novo futuro social está ainda longe de ser bem evidente”.

Nesta transição, os professores, que adotam um projeto de integração das TDIC, convivem diariamente com dois currículos (GIMENO SACRISTÁN, 1998): um prescrito, oficial; e outro real. O segundo acontece na prática pedagógica, na relação professor-aluno, aluno-aluno, no contexto concreto da formação e que vai variar conforme a concepção e a direção tomada pelos docentes para integrar as tecnologias e o currículo. É nos contextos de atuação, dos diferentes atores educacionais, que tal integração se concretiza. E os “elementos essenciais na criação [deste novo currículo, pela integração das TDIC] de web currículos são: o professor, o aluno, as TDIC, a cultura, a proposta curricular e a prática pedagógica [...]” (ALMEIDA, 2014, p. 26).

Com esse pensamento, os extratos dos trabalhos categorizados nos nós Concepções de tecnologia e Concepções de integração das TDIC ao currículo, foram submetidos à consulta da palavra tecnologias. Essa resultou na árvore de palavras mostrada na figura 10.

Figura 10 - Árvore de palavras: categoria concepções de tecnologias na RSL

A concepção de tecnologias predominante nos trabalhos está indicada, na árvore de palavras, pela seta de linhas contínuas. São aparatos que fazem parte de nosso cotidiano. Mas, na educação (indicação da seta pontilhada fina), muitas vezes, são usadas para desenvolver o currículo conteudista, da mesma forma como se fazia sem elas, por exemplo, para localizar imagens e informações.

Indicada pela seta pontilhada larga, a concepção predominante de integração das TDIC ao currículo escolar, nesses trabalhos, para desenvolver atividades pedagógicas, cuja prática seria muito difícil sem as ferramentas.

Revisitando as diversas referências, reportadas nessa árvore de palavras, dentre elas Arruda (2012); Campos (2011); Silva (2011); Fernandes (2012), contata-se que os autores apresentam o movimento da integração das TIC ao currículo, ou seja, mostram tal integração como um processo; uma atividade ainda em construção.

Arruda (2012, p. 109) confronta o uso educacional mecanicista das TDIC, na concepção tradicional e de um currículo conteudista, com seu uso numa concepção construtivista e problematizadora, em que os professores podem repensar as estratégias de ensino e os processos de aprendizagem com as tecnologias digitais. “Eles podem planejar atividades que, sem o uso das tecnologias, seriam muito difíceis de serem realizadas” (seta indicativa), ao entenderem que “têm grandes potenciais de ampliar e diversificar as situações de aprendizagem”. Este seria o autêntico valor educacional da TDIC, que já fazem parte do cotidiano de alunos e professores.

Campos (2011) identifica as características da integração da robótica como recurso tecnológico no currículo de uma escola particular em relação aos aspectos didático-pedagógicos e de gestão, com vistas a promover o desenvolvimento de futuros projetos que integrassem a robótica ao currículo. O autor conclui que, para que a robótica “não seja integrada ao currículo apenas para manter a hegemonia dominante do currículo prescrito, mas sim em ampliar as perspectivas da educação para a ciência e tecnologia”, ainda é preciso resolver situações dependentes de “aspectos complexos como a relação tempo/espaço, o preparo da equipe pedagógica e a relação entre a robótica e outros saberes”.

Fernandes (2012), por sua vez, pesquisou os caminhos para a utilização do potencial estratégico das TIC, tendo em vista a construção do currículo integrado no

âmbito do Proeja. Sua investigação aponta “sinais de integração das TIC ao currículo” em diversas disciplinas nas quais eram utilizados aplicativos e softwares; áudios, vídeos, animações, materiais didáticos disponíveis na rede; AVA integrado às aulas e pesquisas na Internet. Para aprimorar tais sinais de integração, levantou-se a possibilidade de firmar parcerias entre o trabalho das diversas disciplinas e a disciplina Informática; o envolvimento da equipe técnica no processo de integração; a organização de um AVA para o Proeja; intercâmbios com alunos de outros campi da rede federal e a produção de um espaço virtual para publicar percursos e resultados de projetos desenvolvidos no curso.

O estudo de Silva (2011) é significativo para trazer à tona o conhecimento do cenário atual dos cursos de educação técnica integrado ao ensino médio, de várias regiões do Brasil, e elaborar um proposta para introdução dos estudos sociais da Ciência e da Tecnologia (CTS) no trabalho pedagógico desse modelo de educação. O estudo revela que, de forma geral, “ainda prevalece uma formação [...] [dos sujeitos] para assumir funções operacionais na esfera produtiva em termos de montagem, manuseio de instrumentos e manutenção”.

Esses trabalhos representam a concepção predominante de como a integração curricular das TDIC vem acontecendo em contextos educativos no Brasil. Mostram avanços ainda muito pontuais. Outra tendência destacada é que as mudanças observadas, em diferentes projetos, têm o foco nas ações docentes, sem necessariamente apresentar vínculos com um consistente projeto institucional.

Continuando a análise crítica, outros trabalhos desenvolvidos trouxeram relevante contribuição para a compreensão de como anda a integração das TDIC à educação em diferentes países. No contexto internacional, Rutkowski, Rutkowski e Sparks (2011) analisaram o apoio das TIC para o Ensino do século XXI. Estudaram 18 sistemas nacionais de educação e constataram, em muitos sistemas de educação, sucesso significativo ao colocar professores e alunos em contato com as TIC, os quais passaram a usá-las regularmente nas aulas.

No entanto, os autores destacam que permanece o desafio de integrar as TIC nas práticas pedagógicas capazes de desenvolver habilidades necessárias ao século XXI. Apontam os sistemas nacionais da África do Sul, Federação da Rússia e Tailândia, como

aqueles em que o apoio escolar para a utilização das TIC nas atividades de ensino para o século XXI está mais consistente. Tais constatações confirmam a relevância de um projeto integrado para promover e sustentar as mudanças. Ressaltam, especialmente, a relevância do apoio às práticas pedagógicas.

Austin e Hunter (2013) examinaram o desenvolvimento de políticas e implementação das TIC nas duas partes da Irlanda e em duas províncias canadenses. Descobriram que as diferenças históricas, sociais e culturais desempenham papel importante na forma como as políticas de TIC são desenvolvidas. No Brasil, essas diferenças são visíveis desde o acesso desigual aos computadores em rede, nas diferentes regiões, entre zonas urbana e rural, ou entre os indivíduos nas respectivas classes sociais.

Situação que também guarda semelhanças com o contexto brasileiro foi encontrada no sistema educacional chinês, em investigação realizada por Jingtao, Yuanyuan e Xiaoling (2010). Os autores analisaram as medidas significativas para promover o uso das TIC na educação básica aprovada pelo governo chinês e apresentam aspectos prioritários para o desenvolvimento do ensino básico naquele país: a) infraestrutura de TIC; b) criação de recursos de TIC; c) o status quo do ensino das TIC nas escolas; d) os padrões de tecnologia educacional para professores; e) políticas e regulamentos para a construção de critérios para a aplicação das TIC no ensino e; f) TIC nas zonas rurais.

Shaw (2010) analisa as abordagens do desenvolvimento de utilização das TIC nas escolas do Território do Norte da Austrália. Avalia como professores, em três escolas, estão usando os computadores em suas aulas. Assim como em trabalhos desenvolvidos em diferentes regiões do Brasil, por serem áreas distantes dos grandes centros urbanos. Os resultados da pesquisa destacam a necessidade de acesso à banda larga de alta velocidade para a aplicação eficaz das TIC na educação rural e para a sustentabilidade de infraestrutura e práticas. Mas também destacam o necessário desenvolvimento profissional de professores.

É possível inferir que os aspectos prioritários, destacados para o contexto chinês, se aplicam aos contextos australiano e brasileiro (já explicitado nas pesquisas sobre o UCA) e, praticamente, a qualquer projeto de integração curricular das TDIC, pois

abordam os eixos fundamentais: infraestrutura e recursos, inclusive para as zonas rurais; formação docente e políticas públicas consistentes na área.

A relação dos alunos na integração das TDIC, nos países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), foi investigada por Manochehri e Sharif (2010), que analisaram atitudes recentemente aprendidas pelos alunos com a introdução da tecnologia em sala de aula. Constataram que o alcance da aprendizagem com uso da tecnologia tem impacto favorável e positivo sobre a atitude do aluno. Ainda em relação aos alunos, resultados semelhantes foram encontrados pela pesquisa de Yang et al. (2012) em Cingapura. A integração da tecnologia no ensino e aprendizagem pode ter influências positivas sobre pensamento de ordem superior; motivação dos alunos; aprendizagem baseada na investigação; atitudes; realização; e interações entre pares nas salas de aula (BENNETT, 200124).

Já Filiz Varol (2012) realizou estudo com cem professores do EF, aleatoriamente selecionados, na parte oriental da Turquia, com o objetivo de identificar a relação entre seu engajamento às TIC e suas atitudes em relação à tecnologia. Os resultados mostram que o conhecimento e a utilização das TIC, por esses professores, são muito baixos; sua atitude para com a tecnologia está no nível médio e que seu engajamento em relação à tecnologia depende de autoconfiança para ensinar com tecnologia. O autor destaca que os professores precisam ter conhecimento de tecnologia, que se tornou uma das habilidades básicas de ensino. No entanto, esse conhecimento não é suficiente para ensinar com tecnologia.

Os professores têm de conhecer vários tipos de hardware, bem como de software e as formas de integrá-los ao currículo escolar. Pesquisadores brasileiros já chegaram a essa constatação e propuseram ações que visam a mudar a prática educativa com as TDIC, como mostram os objetivos dos cursos de formação desenvolvidos no âmbito do Prouca. Como descrito neste capítulo, os objetivos tiveram seus alicerces fincados em “investigação, ação e formação continuada” (ALMEIDA et al., 2012).

As constatações de Cennamo, Ross e Ertmer (2010, p. 10) também corroboram com Varol. Os estudiosos argumentam que, para integrar as tecnologia em salas de

aula, os professores precisam de conhecimento que possibilite: a) Identificar quais as tecnologias necessárias para apoiar os objetivos curriculares específicos; b) Especificar como as ferramentas serão utilizadas para ajudar os alunos a conhecer e a demonstrar o alcance das metas estabelecidas; c) Habilitar os alunos a usar as tecnologias adequadas em todas as fases do processo de aprendizagem, incluindo a exploração, análise e produção; d) Selecionar e utilizar tecnologias adequadas para atender às necessidades, resolver problemas e questões relacionadas com sua própria prática profissional e seu crescimento.

Para promover todas estas atividades, os professores precisam ser reflexivos, e, ainda, contar com o apoio da equipe gestora. Mas o fosso entre a sociedade tecnológica e os sistemas de ensino existem, mesmo em países desenvolvidos.

Clarke e Zagarell (2013) analisaram esse fosso nos Estados Unidos da América (EUA) e apresentam as seguintes recomendações: a) Os professores e os administradores precisam se manter a par das tecnologias atuais e colaborar na tomada de decisões sobre o uso de tecnologia na escola; b) Os educadores precisam de um autêntico desenvolvimento profissional contínuo de integração tecnológica no currículo; c) Os educadores precisam de apoio tecnológico contínuo para o planejamento curricular, o desenvolvimento de metodologias de ensino, planejamento de aulas e rápida resolução das falhas de hardware ou software; e d) As escolas devem integrar-se na cultura da informação e tecnologia de comunicações (TIC) e incuti-la como a principal força central em seu currículo. Morris (2011) pesquisou em escolas do Reino Unido e obteve resultados semelhantes aos dos EUA.

Niemi, Kynaslahti e Vahtivuori-Hanninen (2013) realizaram observação participante em 20 escolas, em diferentes partes da Finlândia, incluindo discussões com diretores e professores. Os pesquisadores identificaram como características principais de integração bem-sucedida das TDIC:

 As TIC incluídas no planejamento estratégico, como parte da cultura escolar;

 Métodos didáticos e pedagógicos que facilitem a participação e levam à capacitação dos estudantes;

 Altos investimentos em comunicação;  Liderança da gestão;

 Forte capacidade de compromisso do corpo docente.

Essas características remetem à construção da cultura digital e podem contribuir para a análise da realidade brasileira e em diferentes contextos, portanto, serão retomadas no capítulo da análise.

As principais tendências de abordagem, nos trabalhos antes relatados, são sintetizadas a seguir.

Em diferentes contextos, o reconhecimento de avanços ocasionados pela integração das TDIC ao currículo escolar, ou seja, a cultura digital ainda está em construção. Problemas decorrentes da falta de acesso à banda larga de alta velocidade; deficiências na infraestrutura e nas práticas para a sustentabilidade dos programas e projetos de uso das TDIC nas escolas; assim como a necessidade de contínuo desenvolvimento profissional de professores, não são aspectos exclusivos do contexto educacional brasileiro.

O mesmo acontece em relação aos avanços que, de forma geral, estão atrelados à elevação do conhecimento e da utilização das TIC pelos professores e alunos, às mudanças de atitude e engajamento desses professores em relação às TDIC e, especialmente, em decorrência de sua autoconfiança para ensinar com tecnologia.

Não foram identificadas, de forma explícita, referências que relacionassem tais mudanças ao avanço nas concepções docentes e, consequentemente, à integração refletida das TDIC ao processo de planejamento e desenvolvimento das práticas pedagógicas. Também há uma lacuna, nas abordagens dos trabalhos arrolados nesta RSL, em relação ao papel da gestão, na escola e nos sistemas de ensino, para a bem- sucedida integração nas TDIC. Exceção é encontrada nos trabalhos de Clarke e Zagarell (2013) e de Niemi, Kynaslahti e Vahtivuori-Hanninen (2013). Os primeiros desenvolveram pesquisa nos EUA e os segundos na Finlândia e trazem tais abordagens como saídas para os problemas identificados nas respectivas pesquisas.