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Pesquisas sobre a formação do professor para o uso das TDIC, especialmente as realizadas nos últimos 10 anos - Prado (2003); Almeida (2004); Sancho; Hernandez (2006); Gvirtz; Larrondo (2007); Valente; Almeida; Prado (2007); Valente (2008); Brunner (2006); Almeida; Prado (2011); Vaillant (2011); Arruda (2012); Piorino (2012) -, dentre outras, indicam que, além da ampliação dos projetos e programas de formação, faz-se necessário amplo debate nas escolas sobre suas escolhas metodológicas, que muitas vezes não tem clareza sobre o significado de trabalhar com as TDIC e sobre como utilizar criticamente o universo de informações disponíveis na Internet.

Assim, qualquer projeto de inovação curricular com as TDIC passa, necessariamente, pela inovação do pensamento e das ações do professor. Como argumenta Gimeno Sacristán (1998), as inter-relações entre discursos ou subsistemas, que incluem as prescrições político-pedagógicas, os processos culturais e científicos de criação e inovação, expressam-se nas práticas concretas dos professores.

Felicio e Possani (2013, p. 140) também realizaram análise crítica do currículo, com foco na prática pedagógica. Sobre as possibilidades de um currículo com indicativos emancipatórios, as autoras destacaram como aspectos relevantes “a tomada de consciência de que professor e educandos são sujeitos do processo [...]. E, como tal, com direito à participação de sua construção, vivência e avaliação, o que torna o trabalho mais colaborativo”.

Os desafios para o professor na sociedade da Informação (BALADELI; BARROS; ALTOÉ, 2012), as subjetividades dos professores em programas especiais de formação docente (BOCCHETTI; BUENO, 2012) e o impacto das tecnologias digitais sobre a atitude, motivação e mudança nas práticas pedagógicas de um grupo de licenciandos em formação (KARSENTI, 2008) são outras ênfases dadas ao docente, como sujeitos da inovação curricular.

Por outro lado, não é possível colocar no professor e em sua formação toda a responsabilidade pela inovação. “O pensamento e as práticas reflexivas sobre si mesmo permitem ao docente ter continuidade na evolução, atendendo às mudanças sociais no contexto em que desenvolve o seu trabalho, a escola” (MOREIRA, FERREIRA, 2011, p. 64). Ou seja, as formas de expressão alcançadas pelos professores dependem, em alto grau, da capacidade de cada um para modificar sem imposições e em espaços de autonomia, o habitus docente no currículo escolar (CANCLINI, 2003). Dependem, ainda, do projeto institucional, pois a cultura instituída é mais forte do que as ações individuais. A construção desses espaços de autonomia docente depende de uma “escola reflexiva [que] pensa-se e organiza-se para saber como desempenhar a missão de educar num dado contexto temporal e sociocultural” (MOREIRA, FERREIRA, 2011, p. 64).

Sem desconsiderar tais condicionantes, o que Gimeno Sacristán (1998) e Canclini (2003) defendem é que os professores, como sujeitos e agentes sociais, na ação e na reflexão, são capazes de gerar mudanças curriculares significativas, que iriam modificando gradativamente as “imposições”. E esses processos de mudança refletidos e ampliados cotidianamente constituiriam um movimento contínuo de inovação e recriação em âmbitos cada vez mais amplos. Esse seria um movimento contínuo de ação e reflexão docente. Noutros contextos, termos como pensamento reflexivo (Dewey), ensino reflexivo (Zeichner) e prática reflexiva (Schön) já foram usados para destacar a relevância

do pensamento docente para modificar tanto a prática pedagógica como sua própria forma de pensar sobre tal prática.

Enquanto o pensar rotineiro é guiado por impulso, hábito, tradição, ou submissão, à autoridade, “a reflexão não é simplesmente uma sequência, mas uma consequência – uma ordem de tal modo consecutiva que cada ideia engendra a seguinte como seu efeito natural e, ao mesmo tempo apoia-se na antecessora ou a este se refere”. (DEWEY, 1979, p. 14). Isso significa que é o ato de ser reflexivo que capacita o pensamento a ser “atribuidor de sentido”, fundamental ao exercício docente.

O princípio da aprendizagem reflexiva aplicado à formação de professores coloca- o como o motor de desenvolvimento do pensamento e das ações desse profissional (SCHÖN, 2000). O autor propôs nova epistemologia da prática docente embasada nos conceitos de conhecimento a partir da reflexão. O conhecimento na ação seria aquele saber-fazer espontâneo, implícito e que surge na ação docente cotidiana, oriundo de sua experiência prévia como aluno, por exemplo. Nem sempre o conhecimento na ação é suficiente e se fazem necessárias às reflexões sobre a ação, na ação e sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000) e, ainda, a reflexão sobre os momentos de ação (PRADO, 2003).

Tais movimentos de reflexão podem ser aplicados a diferentes situações, incluindo aquelas que pretendam integrar efetivamente as TDIC ao currículo escolar, uma vez que, se as aulas em que se faz o uso de um laptop para cada aluno, por exemplo, se desenvolverem de forma mecânica, sem nenhuma reflexão sobre as possibilidades de mudança, nada acontecerá de novo. Ao passo que se o professor planejar tal prática, analisando as diferentes possibilidades desses laptops serem usados para ajudar o desenvolvimento do pensamento crítico criativo dos alunos (JONASSEM, 1996, 2007), aplicar com os alunos, a situação planejada, e replanejar refletindo e reconsiderando as práticas desenvolvidas, ele poderá gerar inovações, tanto na sua forma de ensinar como de pensar, por meio da metarreflexão.

A metarreflexão é uma capacidade que se aprende, se desenvolve e se constrói em ação. É função

que se estabelece no trânsito, na conversação e na permeabilidade entre propor, aplicar, acompanhar, avaliar, reconstruir ou estabelecer o grau otimizado de relevância na prática. Todos esses são elementos do pensamento em ação, do pensamento que se volta sobre o fazer e sobre si mesmo, que parte do sujeito do processo e a ele retorna. Essa recursividade entre a ação e o pensamento

afeta significativamente o sujeito e seu entorno de atuação (NEVADO; CARVALHO; MENEZES, 2009, p.86-87).

A metarreflexão permite ao sujeito mover-se do pensamento à ação e de novo ao pensamento, em um movimento de espiral ascendente. E esse movimento é indispensável naqueles momentos em que o profissional se encontra em situações que “as técnicas derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional” (SCHÖN, 2000b, p. 17), são

insuficientes ou inadequadas, como é o caso da integração da TDIC. Também é fundamental em situações de conflitos de valores, quando “não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção de técnica dos meios”.

Entretanto, especialmente na sociedade contemporânea, essas situações conflituosas são potencialmente promotoras de aprendizagem profissional, pois “são exatamente tais zonas indeterminadas da prática que os profissionais e os observadores críticos das profissões têm visto [...] como sendo um aspecto central à prática profissional” (SCHÖN, 2000b, p.18).

É o exercício da reflexão sobre a ação, na ação; sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000); e sobre os momentos de ação (PRADO, 2003), que permite ao professor distanciar- se da ação e tecer reconsiderações sobre ela e buscar alternativas. Para esse exercício, é

necessário que o professor distancie-se da ação presente para reconstruí-la mentalmente a partir da observação, da descrição e da análise dos fatos ocorridos. É o olhar a posteriori sobre o momento da prática e a sua explicitação que propicia ao professor reconhecer e entender como resolveu os imprevistos ocorridos e quais aspectos devem ou não ser alterados na sua ação

(PRADO; VALENTE, 2002, p. 32).

Assim, o pensamento reflexivo, além de contribuir na reformulação de concepções docentes e melhoria nas interações entre professor e alunos, pode provocar inovação curricular com a plena integração curricular das TDIC, possibilitada pela reconsideração e reconstrução da prática pedagógica com seu uso. Mas tal reformulação de concepções é um movimento complexo, que depende de fatores diversos. Sobre ele, Pacheco (1995, p. 60-63) apresenta e analisa três pressupostos, que devem avançar: Ele é um profissional racional que emite juízos e toma decisões num contexto. Em decorrência dessa racionalidade “o comportamento de um professor é guiado por seus pensamentos, juízos e decisões”. E conclui que “o professor é um profissional reflexivo e construtivo”.

Com base nesses pressupostos, Pacheco (1995, p. 61) argumenta que, se “formar professores implica debater questões conceituais e discutir critérios metodológicos,

[consequentemente] o estudo dos processos cognitivos dos professores fornece diretrizes válidas para [...] novos currículos de formação”. O professor precisa de uma formação que o instrumentalize para solucionar problemas, que foque mais as competências cognitivas do que as técnicas e, fundamentalmente, embasa seus argumentos no pressuposto de um profissional que toma decisões.

Tal formação, aliada a um projeto institucional de integração das TDIC, pode potencializar “as novas práticas docentes”. E estas, “como expressão das mudanças contextuais e paradigmáticas transpostas para o trabalho curricular, podem contribuir com a identificação dos elementos fundamentais para redirecionamento dos processos curriculares [...]” (HAGEMEYER, 2011, p. 249).

Nesse sentido, uma mudança curricular mais abrangente passa pela reflexão e por mudanças efetivadas pelo docente, enquanto membro de uma equipe em dada instituição. Estratégias podem ser adotadas e apoiadas pela gestão, no interior da escola, para que o processo reflexivo seja nutrido e desenvolvido. Dentre elas, destacam-se as concernentes às atividades de tomada de decisão durante o planejamento e replanejamento das aulas. Isso significa que a formação docente, inicial ou continuada, precisa atentar para o desenvolvimento de competências cognitivas (PACHECO, 1995), para que os professores sejam capazes de ressignificar o planejamento e dinamismo das aulas.

Nesse sentido, os pensadores do currículo parecem concordar com os autores sobre pensamento reflexivo. O professor é esse “sujeito pensante”, não podendo ser excluído dos processos reflexivos sobre as práticas pedagógicas. Para isso é preciso romper com “a polaridade teoria-prática, segundo a qual a prática é o que fazem os professores e a teoria é o que fazem os filósofos, os pensadores e os pesquisadores da educação” (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p. 21). A formação reflexiva rompe com essa dicotomia claramente errônea, pois a educação é eminentemente um processo coletivo em que “nem os primeiros são donos ou criadores de toda a prática, nem os segundos o são de todo o conhecimento que orienta a educação”.

Pérez Gomez (1997, 1998) também argumenta sobre o papel do professor e como é relevante pensar sua formação no sentido de ajudá-lo a ser reflexivo. O professor é o agente pedagógico quando exerce sua função, mas “é um ser humano que age e esse papel não pode ser entendido à margem da condição humana, por mais

técnico que se queira, seja esse ofício”. Por meio das ações que realizam em educação, os professores manifestam-se e transformam o que acontece no mundo (GIMENO SACRISTÁN, 1999). O papel da intenção docente na ação é decisivo a tal ponto que, para entender o que é qualquer delas, mais do que indagar pelas causas, o que necessitamos é interpretar a intenção ou propósito do agente. A intenção fica explícita no planejamento, e, por sua vez, dependente da reflexão, pois são excluídas desse processo as ações mecânicas e involuntárias.