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TDIC, mudanças ou inovações curriculares

3.4 Tendências e Lacunas Identificadas

3.4.4 TDIC, mudanças ou inovações curriculares

Novamente, foi empregado o recurso da árvore de palavras, construída com apoio do software NVivo10, a partir de consulta aos extratos dos trabalhos codificados no nó denominado Concepções de Mudança ou Inovação.

Em relação às mudanças ou inovações alcançadas com a integração curricular das TDIC, pesquisas mostram que estas têm ocorrido em alguns contextos, mas de forma muito pontual, em diferentes estados brasileiros. Assim, para a construção da árvore de palavras com apoio do software NVivo10, a partir de consulta aos extratos dos trabalhos sobre tecnologia e inovação, foram admitidos os termos mudança e também inovação. Como a palavra mudança se mostrou predominante, foi empregada na consulta geradora dessa árvore de palavras, e evidenciada no centro da figura 11.

Figura 11 - Árvore de palavras: concepção de mudança na RSL

Fonte: Importada pela autora de sua área de trabalho no software NVivo10

Ao retroceder aos extratos dos textos, representados nesse recorte da árvore de palavras, pelo menos dois destaques merecem ser feitos. Primeiro, os autores denunciam que, muitas vezes, as mudanças observadas são apenas aparentes. Para gerar alterações significativas, é preciso mudar a cultura das escolas e o sistema educativo, indicado pela seta pontilhada. Esse tipo de mudança começa em um projeto compartilhado de integração das TDIC.

O segundo destaque, assinalado pela seta com linha contínua, indica que a escola está dividida entre reprodução e mudança. Para mudar, é preciso adotar práticas inovadoras que alcancem escola e sociedade. Caso contrário, torna-se mera alteração de suporte (por exemplo, parar de usar o quadro e giz e passar a usar a tela

do computador). Fazer reforma padronizada, que não leva em conta o contexto “tem tanto valor para uma economia do conhecimento vigorosa em uma sociedade civil forte quanto gafanhotos para uma plantação de milho". Ou seja, a verdadeira mudança no sistema educativo não é uma tarefa fácil, não existindo “receitas de sucesso simples” (HARGREAVES, 2004, p. 27).

Retrocedendo a outra fonte do mesmo nó, destaca-se que a mudança educacional é um longo e lento processo que não acaba com a adoção de um novo currículo ou abordagem de ensino. É um processo simultaneamente conflituoso e dinâmico, com inúmeros avanços e recuos; portanto, demanda persistência dos docentes e da gestão para dar apoio a tais docentes, em todas as etapas (VALVERDE, 2009, p. 42).

Sobre esse processo conflituoso, Valente (2013, p. 36) lança mais dúvidas para a reflexão sobre o tema e argumenta que os avanços educacionais até então alcançados com o uso das TDIC podem ser considerados pseudoinovações. Ainda para Valente, (2013, p. 36), as inovações desejadas com a integração curricular das TDIC são duas. A primeira é a preparação de educadores capazes de atuar como agentes de aprendizagem, que auxiliem os estudantes na construção do conhecimento. A segunda refere-se ao desenvolvimento de um currículo adequado e coerente com a era digital.

As formações docentes ocorridas no âmbito do Prouca, com foco na formação e no currículo, mostram a emergência dessas inovações. As contribuições mais relevantes, segundo Jesus et al. (2013, p. 730),

referem-se aos benefícios obtidos pelo processo de formação que possibilitou a professores e alunos utilizar os laptops em espaços escolares e não escolares. O acesso aos laptops, a mobilidade do laptop, as formas de construção do conhecimento com o uso de múltiplas linguagens, a portabilidade, a motivação de alunos, professores e gestores para utilizar as TDIC a favor dos processos de gestão de ensino e aprendizagem, todos esses elementos desencadearam mudanças positivas nas práticas pedagógicas realizadas na escola.

Ainda sobre as mudanças observadas nas escolas que aderiram ao PROUCA e participaram da formação na fase piloto, o relatório da pesquisa denominado “O

currículo da escola do século XXI – integração das TIC ao currículo: inovação, conhecimento científico e aprendizagem”, destacou que estão em curso mudanças

na reorganização do tempo e do espaço de trabalho pedagógico das escolas, nas relações professor-aluno, aluno-aluno e desses com o conhecimento, na ecologia da sala de aula e de outros espaços da escola e do seu entorno, no vocabulário dos alunos que se apropriaram de palavras da cultura digital, avanços nas competências dos alunos de leitura e expressão do pensamento com o uso de múltiplas linguagens empregadas em práticas sociais midiatizadas pelas TDIC. (CNPq, 2013, s/p)

Dentre os resultados nas escolas, o relatório também destacou as mudanças nas formas de ensinar e aprender e especialmente nas concepções docentes, decorrentes do professor passar a perceber-se como pesquisador da própria prática (CNPq, 2013, s.p.) Estes podem ser considerados resultados da formação de professores no âmbito do Prouca.

Nesse mesmo sentido, foram identificados investimentos na formação docente em diferentes países, como o descrito nos trabalhos de Ottestad (2010) e de Sahin (2012).

Ottestad (2010) analisou práticas e concepções de docentes sobre o uso das TDIC, na Dinamarca, Finlândia e Noruega. Esses países lançaram amplos programas de política e investimento para a formação docente, visando a promover a alfabetização digital e prontidão para a era da informação. Ottestad (2010) constatou que os professores, especialmente os da Dinamarca e Noruega passaram a usar mais efetivamente as tecnologias. Em relação aos professores finlandeses, apenas os de Ciências se mostraram mais inclinados para a utilização das TDIC, nas práticas pedagógicas, para auxiliar seus alunos na construção do conhecimento. Isso significa que, nos três países nórdicos, o investimento na preparação de educadores, capazes de atuar como agentes de aprendizagem, já foi iniciado e encontra-se em processo de alcance da primeira meta citada por Valente (2013).

Sahin (2012), por sua vez, investigou programas de formação de professores elementares da maior faculdade de formação de professores na Turquia. Analisou as perspectivas da difusão das TIC e seus efeitos no EF. O pesquisador usou histórias de professores elementares que empregavam as TDIC de forma integrada ao currículo. Essas histórias foram apresentadas para análise de 170 futuros professores. Os resultados da pesquisa mostraram que os professores em formação tinham perspectivas positivas sobre a difusão das TIC no EF. Mostraram, também, que os estudos de caso afetaram positivamente as suas concepções sobre o uso das TDIC,

persuadindo-os de que o uso integrado dos computadores, em aulas, pode auxiliar os estudantes na construção de conhecimentos.

Wiseman e Anderson (2012) trabalharam com dados de tendências internacionais para investigar a disseminação das TIC nos sistemas nacionais de educação nos países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) 26. Os

pesquisadores concluíram o trabalho destacando a necessidade de “reformas” na formação de professores e seu “desenvolvimento profissional”.

A conclusão desses autores corrobora com a defesa de Valente (2013) sobre a inovação na formação de docentes. Corrobora, também com as propostas de formação docente para o uso dos computadores portáteis no âmbito do Prouca, desde o pré-piloto. (ALMEIDA et al., 2013). Tal formação desenvolveu-se de forma integrada com a prática de uso dos referidos computadores em sala de aula. Nessa formação, a estreita relação entre teoria e prática incitava os professores a propor e realizar atividades práticas com seus alunos.

Assim, os educadores são agentes essenciais em qualquer processo inovador, sendo “os responsáveis por dinamizar a inovação na escola por meio de práticas educacionais que possibilitem novas e ricas aprendizagens aos alunos” (BRASIL, 2010). A concepção de formação, em todos os trabalhos citados, mostra que o impacto das TIC na aprendizagem docente é um catalisador para a capacidade de criar sistemas nacionais de inovação.

Acrescente-se que somente professores que tenham perspectivas positivas sobre o uso educacional das TDIC, como relatado no estudo de Sahin, podem integrá- las ao currículo escolar. Para isso, além de bons programas de formação, eles precisam contar com os apoios pedagógico e tecnológico nas escolas. Cabe inferir que, apesar dos altos investimentos em sua formação para as TDIC (caso da Finlândia), os professores somente as utilizarão em suas aulas para apoiar ações como agentes de aprendizagem, quando entenderem que esse uso gerará ganhos significativos. Nessa mesma linha de pensamento, o desenvolvimento de um

26 O GCC congrega países que têm ações cada vez mais focadas nos papéis da ciência e da tecnologia na

construção de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (IDI) e na capacidade para criar sistemas nacionais de inovação.

currículo adequado e coerente com a era digital parece ainda distante de se concretizar, pois demanda investimento institucional, tanto em escolas como nos sistemas de ensino.

Destaca-se que existe estreito vínculo entre as duas inovações defendidas por Valente. As inovações educacionais dependem tanto da atuação de educadores bem preparados para atuar como agentes de aprendizagem quanto como agentes da inovação curricular. Por sua vez, a formação de professores demanda investimentos em políticas públicas, nos aspectos estruturais anteriormente referidos, e em práticas de formação e valorização desses professores, como coautores dos projetos inovadores, em todas as suas etapas.

Efetivas inovações no currículo, com o propósito de atingir novas finalidades educativas, precisam acontecer em diferentes níveis, desde a instância das políticas públicas até a sala de aula e seu entorno. Precisam abranger os sistemas de ensino, as escolas, seus cursos, as disciplinas dentro de cada curso, os métodos e as técnicas de ensino, os materiais didático-pedagógicos, e a avaliação. Afinal de contas, a inovação educacional integra, ou deveria integrar, diferentes dimensões, com o uso de novos materiais, currículos e tecnologias; adoção de abordagens, estratégias e atividades educativas; e mudanças nas crenças sobre as práticas pedagógicas, que influenciam o cotidiano escolar.

Portanto, a inovação educacional deve ser concebida mais como um processo do que um produto. Também pode acontecer em diferentes níveis, desde políticas e sistemas educacionais, das instituições, dos contextos e até a sala de aula, com os professores e alunos enquanto sujeitos dos processos de ensino e aprendizagem (FULLAN, 2001).

Pereira, Mercuri e Bagnato (2010, p. 202), que analisaram experiências de inovação em atividades curriculares desenvolvidas por professores e estudantes de cerca de 30 cursos da Universidade de Campinas (Unicamp), concordam com Fullan. Afirmam que a alteração provocada pela inovação no seio das escolas deve abranger “aspectos curriculares no seu todo”, ou em suas partes, como um projeto pedagógico de curso, introdução de novas disciplinas, formas de interação entre disciplinas. Mas também precisam abranger a sala de aula incluindo as propostas e suas concretizações

nas “estratégias de aula, métodos de aula, formas de abordagem do conteúdo, novas relações com o conhecimento, novas formas de avaliação, de orientação de alunos, de relação professor–aluno, relação aluno-aluno, relação com a comunidade etc.”.

As autoras descrevem as inovações que acontecem aqui e ali nas escolas brasileiras, por isso usam a conjunção alternativa para situar o nível de abrangência da inovação curricular nos “aspectos curriculares no seu todo ou27 em suas partes”.

Na perspectiva apontada por Valente, a conjunção não deveria ser alternativa, pois as partes do currículo são indissociáveis do todo. Melhor seria: aspectos curriculares no seu todo e em suas partes. A construção de um currículo adequado e coerente com a era digital deve pautar-se nos princípios de um web currículo como construção conceitual e categoria de ação (ALMEIDA; VALENTE, 2012; ALMEIDA; ALVES; LEMOS, 2014). Esse pressupõe a visão de projeto “que envolve intenções e práticas, [portanto] currículo enquanto processo que implica um continuum de tomadas de decisão a diferentes níveis e contextos” (PACHECO; PARASKEVA, 1999, p. 8).

Nesse sentido e a guisa de conclusão provisória, cabe defender que, para a concretização do potencial das TDIC para inovar a educação, os educadores precisam entender como a organização dos sistemas de ensino, escola e sala de aula, influencia o uso de computadores, e como o uso do computador, por sua vez, afeta o funcionamento das salas de aula. E, fundamentalmente, precisam pensar sobre essas questões e tomar decisões refletidas.

Por fim, vale destacar que a análise crítica dos trabalhos arrolados nos três focos presumidos de pesquisa permitiu detectar lacunas nas pesquisas da área. Apesar de os trabalhos sobre integração curricular das tecnologias enfocarem a importância da formação docente, nos poucos trabalhos brasileiros sobre tecnologia e inovação em educação, a ênfase identificada foi maior na tecnologia em si. Alguns dão ênfase ao currículo, muitos enfocam a formação docente, mas a ênfase no professor como agente da mudança, foco do grupo de pesquisas Formação de Educadores com Suporte em Meio Digital, ao qual esta tese se vincula, não está suficientemente contemplado. Nos trabalhos arrolados nesta revisão, não estão tratadas as questões

relacionadas às mudanças nas concepções dos docentes. Outra lacuna identificada refere-se às mudanças na aprendizagem dos alunos.

Em síntese, na dimensão político-filosófica, de fundamentos, constata-se que, nos limites temporais e das bases de dados consultadas, não foram identificados estudos significativos sobre a influência das concepções docentes para as mudanças ou inovações curriculares com as TDIC. Tal constatação ajudou a definir o escopo de pesquisa, que se direcionou para o entendimento sobre as formas como os professores concebem o currículo, as tecnologias e a integração entre eles. Também para a compreensão de como tais concepções docentes podem evoluir, a partir de intervenções de um pesquisador-formador que os ajudem a descrever, confrontar, reconsiderar e reconstruir suas práticas de ensino com o uso de tecnologias.

Portanto, esse referencial foi ampliado, com a busca de trabalhos que explicitassem as concepções de currículo, teorizações e influências dessas sobre as práticas pedagógicas. Também incorporou trabalhos sobre os conceitos de inovação, em diferentes áreas, incluindo a educação. E, ainda, trabalhos sobre o professor, como sujeito da inovação curricular, com destaque para a formação reflexiva e as influências das mudanças de concepções desse professor para a integração das TDIC ao currículo escolar. Esse aprofundamento teórico constituiu a fundamentação teórica, apresentada no próximo capítulo.

CAPÍTULO IV

O PROFESSOR COMO SUJEITO DO

PROCESSO DE MUDANÇAS CURRICULARES

Temos de nos tornar na mudança que queremos ver. (MAHATMA GANDHI) 28

O pensamento de Mahatma Gandhi abre este capítulo porque coloca o sujeito como ator de sua história, como aquele capaz de produzir mudanças a partir de si mesmo. Assim é o professor, sujeito do processo de inovação curricular que inova o currículo ao inovar-se. Certamente, essa responsabilidade não pode ser atribuída individualmente ao professor, mas ele, enquanto membro de uma equipe escolar, que compartilha um projeto institucional, tem relevante papel para as mudanças e inovações curriculares.

Assim, concordando com a citação de Gandhi, este capítulo amplia as bases teóricas encontradas na RSL, incluindo conceitos-chaves para a análise dos

28 In: Lider na política: Mahatma Gandhi. Disponível em: < http://www.portaldalideranca.pt/arquivo-

dados da investigação-ação empreendida, dentre eles, a formação reflexiva do professor para a inovação.

Para ampliar a abordagem teórica encontrada na RSL e apresentada no capítulo anterior, este descreve e analisa as seguintes concepções:

 currículo, envolvendo seus sentidos, teorizações e influências sobre as práticas pedagógicas;

 inovação, nas diferentes áreas, destacando as inovações decorrentes dos avanços tecnológicos;

 inovações ou mudanças na área educacional;

 professor sujeito da mudança e da inovação, com destaque na formação reflexiva e suas influências nas mudanças de concepções do professor, para a integração das TDIC ao currículo escolar.

4.1 Concepções de Currículo: Sentidos, Teorizações e