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Concepções históricas sobre a saúde e a doença

As concepções sobre a saúde e a doença, presente nas sociedades ocidentais, apresentam um longínquo enraizamento histórico que remonta aos modelos de pensamento da antiguidade clássica grega, numa concepção de saúde enquanto um equivalente próximo das noções de higiene, de harmonia e de equilíbrio. Na antiguidade clássica a palavra grega hygeia remetia para um significado mais próximo da noção actual de saúde (Dubos, 1993). Esta noção tinha um correspondente simbólico, presente na iconografia grega, em que a imagem de Hygeia era representada por uma divindade feminina que olhava pela saúde de Atenas. Hygeia defendia as virtudes de um ambiente agradável como condição para o desenvolvimento de uma vida sã simbolizando, igualmente, a noção de saúde como um atributo positivo. Esta mitologia era baseada na crença de que os humanos poderiam se manter de boa saúde se vivessem de forma harmoniosa e de acordo com a razão, num ideal de mens sana in copore sano (Dubos, 1993). Ainda na mitologia grega Asclepius, representado como figura masculina, surge como o símbolo mítico do primeiro médico que teria auferido uma considerável reputação nas artes da cura através do hábil manejo da faca aliado ao seu conhecimento de plantas curativas. Para os seguidores de Asclepius o papel principal da medicina baseia-se no tratamento da doença e na recuperação da saúde, através da correcção das imperfeições ou acidentes ocorridos quer no nascimento quer nas trajectórias de vida (Dubos, 1993: 7).

57 Na mitologia grega, a figura de Hygeia é constantemente relegada para uma localização subalterna relativamente a de Asclepius o que, segundo Dubos (1993), pode ser considerado como um exemplo capaz de simbolizar as contínuas oscilações e lutas históricas entre duas perspectivas de conceber os fenómenos relativos à saúde, à doença e à medicina.

Fora do quadro das concepções mitológicas, Hipócrates (460-377 anos a. C), conceituado médico grego, apresentava uma perspectiva holística de equilíbrio e de harmonia entre uma natureza do ser humano e uma natureza exterior envolvente próxima do ideal de Hygeia. Hipócrates defendia uma concepção de saúde baseada na ideia de uma combinação harmoniosa dos quatro humores internos ou sucos vitais que constituíam a base da natureza humana. Estes sucos vitais eram constituídos pelo sangue, fleuma ou pituita, bílis amarela e bílis negra (Ferreira, 1990) que eram originários respectivamente do coração, cérebro, fígados e baço (Freidson, 1978). As qualidades destes humores internos apresentavam um continuum com a natureza externa, como refere Sousa (1996) “o sangue quente e húmido como o ar; a fleuma, fria e húmida como a água; a bílis amarela, quente e seca como o fogo; a bílis negra, fria e seca como a terra” (1996: 59). Segundo Fassin, (1996) os tratados de Hipócrates privilegiam os domínios da anatomia, fisiologia e patologia cuja orientação remete, contudo, já para uma prática médica individual. O exercício da medicina é na sua génese essencialmente privado, sendo realizado de forma itinerante sob a forma de consultas privadas efectuadas nos domicílios pertencentes, maioritariamente, às populações das classes mais abastadas.

Cerca de cinco séculos após a era de Hipócrates, Galeno de Pergamo (131-210 anos d. C.), médico romano, elabora uma importante síntese da medicina grega e hipocrática que irá perdurar como uma matriz de referência da medicina até ao século XIX. A medicina clássica grega apresenta através dos escritos de Hipócrates e Galeno uma concepção de saúde que corresponde à noção de equilíbrio e harmonia, enquanto a doença, por outro lado, corresponderia quer a uma mistura defeituosa quer a um desequilíbrio dos humores na sua relação com a natureza (Freidson, 1978; Blaxter 1990). Como Hipócrates, também Galeno reconhece a força curativa da natureza.

A extensão do império romano e o desenvolvimento de aglomerados urbanos de maior densidade populacional, aliado a uma nova concepção de reforço do Estado legitimou e conduziu ao desenvolvimento de medidas e dispositivos de saúde pública (Fassin, 1996). Na cidade de Roma a gestão sanitária passa a fazer parte integrante do governo da cidade e são os tratados de urbanismo que revelam uma primeira preocupação que integra um saber no domínio da higiene pública (Fassin, 1996). O paralelo entre a Grécia e Roma é instrutivo na

58 medida em que fica patente que os tratados gregos correspondem a tratados de medicina redigidos por médicos, enquanto que as principais obras e textos romanos são autênticos domínios de saúde pública, em que os seus autores são arquitectos e administradores (Fassin, 1996: 225).

As obras de Hipócrates e de Galeno deram origem à fundação de importantes escolas de pensamento e de modelos teóricos e práticos no domínio da medicina de que se destacam, pela sua influência duradoura, os modelos aérista e higienista. Modelos de pensamento cuja influência dominante se prolongou, sem grandes modificações, por mais de um milénio e meio até meados do século XIX (Ferreira, 1990; Fabre, 1998). A doutrina aérista era baseada na tese central de que o ar corresponde ao principal meio de transmissão das substâncias nocivas (substâncias apelidadas de miasmas ou elementos contagiosos), sendo que a causa natural das epidemias resultaria, por isso, da corrupção do ar ou do que era designado, também, como uma infecção atmosférica (Fabre, 1998). Segundo Fabre (1998) a história das epidemias permite dar conta das evoluções semânticas em torno das noções de saúde e de doença, mas também das noções de contágio e de infecção, que perseguem a sua influência actual nas medidas de prevenção e de promoção da saúde.

Os modelos aérista e higienista foram relegando para a heterodoxia outras formas de conceber a transmissão de doenças. Em 1546 e contrariamente à doutrina dominante aérista Fracastoro, médico de Verona, publica em Veneza uma obra onde defende o princípio do

contagium vivum em duas das principais doenças da época, a peste e a sífilis. Segundo

Fracastoro o contágio ocorre, não porque o ar se encontre corrompido ou infectado mas sim através de partículas vivas que são, contudo, invisíveis e imperceptíveis aos nossos sentidos (Fabre, 1998: 118). A palavra contágio, que surge no inicio do século XIV, provém do latim

tangere que remete para o significado de toque. Como refere Fabre (1998) a gestação deste

novo conceito, que defende a tese da possibilidade de contágio ocorrer através do contacto entre os indivíduos, em que o indivíduo é o próprio agente de transmissão e onde o tocar é contaminar, será particularmente longa sendo, contudo, suportada apenas por uma pequena fracção isolada do corpo médico.

Na transição para o século XVII um mercador de tecidos holandês, Van Leeuwenhoek (1632-1723), que usava as suas lentes para observar as fibras e os tecidos, constrói uma série de microscópios que lhe permitiram observar a presença de microrganismos invisíveis ao olho humano a que apelidou de animunculos. Na verdade, através dos seus desenhos e descrições identificam-se, actualmente, estes agentes como sendo bactérias e protozoários (Freitas, 1998). No entanto, à época, as suas descobertas foram comunicadas à Royal Society de

59 Londres que não reconheceu a validade científica na causa e transmissão das doenças (Freitas, 1998). Como refere Fabre (1998), os médicos e as faculdades mantinham-se maioritariamente presos à escola hipocrática recusando, por isso, as novas teses que iam no sentido da defesa da teoria contagionista e do princípio do contagium vivum.

A gestão colectiva das epidemias

As concepções sobre a saúde e a doença e os modos como se preconizam as formas de transmissão e a classificação das doenças e das epidemias sempre estiveram envoltas em lutas entre agentes, com posicionamentos localizados entre os domínios da saúde e do político.

A partir do século XVIII os representantes da escola aérista, de um lado, e os da escola contagionista, do outro, opõem-se vigorosamente. Contudo, e curiosamente, em ambos os lados os seus protagonistas se reclamavam como os herdeiros dos legados de Hipócrates e de Galeno (Fabre, 1998).

Face ao surgimento de uma epidemia a adopção de um modelo de pendor mais contagionista ou mais higienista apresentava diferentes consequências ao nível da ordem social e da gestão colectiva das doenças (Fassin, 1996). Assim, as teses contagionistas apontavam, por seu lado, para a defesa de medidas de isolamento, que implicavam o encerramento de fronteiras, a proibição da imigração, as quarentenas e a imposição de restrições comerciais com o exterior. Face a este tipo de modelo assistiu-se à emergência de estruturas administrativas e sanitárias preventivas coordenadas pelo poder central, nomeadamente sob a forma de conselhos de saúde, cordões sanitários, quarentenas e lazaretos (Ferreira, 2007: 61).

As teses aéristas, por outro lado, situavam-se numa visão anti-contagionista sendo contrárias às medidas de isolamento e de quarentenas, e preconizavam ao invés, os princípios de harmonia e purificação do ar, defendendo como forma de impedir a expansão das doenças epidémicas o uso de perfumes, bálsamos e misturas à base de fluidos que deveriam ser usados para desinfectar os bens e as pessoas (Fabre, 1998: 191).

Em França, no ano de 1722, Philippe Hecquet na obra Traité de la Peste, como descreve Fabre (1998), reforça a tese de que todos os médicos reputados deveriam afirmar a não contagiosidade da peste, no sentido de evitar os pânicos e os êxodos maciços das populações, que seriam prejudiciais quer no plano social quer no fortalecimento da propagação das doenças. Segundo Hecquet (Fabre, 1998) as teses contagionistas deveriam ser veemente combatidas pois tinham uma série de efeitos perversos no plano social, pela

60 desordem social que provocavam e pela consequente dificuldade no restabelecimento da ordem pública, no plano económico pelo isolamento dos países, através do encerramento dos portos comerciais que estas teses preconizavam, que tinham como efeito nefasto e imediato o declínio das relações comerciais externas e, finalmente, no estrito plano médico, a defesa destas teses contagionistas, ao provocarem as situações de pânico, suscitavam a nível orgânico e fisiológico interno a perturbação dos humores que por sua vez iriam predispor o indivíduo à peste (1998: 81-82).

Ainda segundo Fabre (1998), no século XVIII, Chicoyneau, um reputado médico francês, defende em Montpellier a tese de que se poderia prevenir a peste simplesmente através do optimismo. Na realidade, os fenómenos colectivos de pânico e de medo constituíam as situações mais temidas que a todo o custo deveriam ser evitadas. O medo era, nesta época, considerado como um agente ou um vector de propagação da peste (Fabre, 1998).

Não é apenas oriunda da esfera da medicina que as concepções sobre a saúde e a doença produziram um significativo impacto no pensamento e na ordem social. Nos domínios do pensamento filosófico, literatura ou ensaio, localizam-se igualmente concepções sobre estes fenómenos que tiveram um significativo impacto nos modelos de pensamento europeu e nos próprios modelos médicos. Como salienta Dubos (1993), o século XVIII mostrou-se particularmente receptivo ao credo de que todos os problemas do ser humano encontrariam solução numa ideia de retorno à natureza.

Destaca-se neste campo, pela sua influência mais duradoura, o papel de Rousseau (1755/1985), principalmente através da sua obra Discours sur l’Origine et les Fondements de

l’Inégalité Parmi les Hommes, que defende a tese de um regresso ao estado natural. Rousseau

defende uma concepção de que o ser humano localizado no seu anterior estado natural, não apenas era bom como também era saudável e, neste sentido, as causas dos males, ou seja, a corrupção mental e física dos seres humanos e o surgimento das doenças tinham que ser procuradas no modelo de civilização vigente. No estado de natureza pura, argumenta Rousseau (1755/1985), “o ser humano não necessita de remédios e muito menos de médicos” (1755/1985: 69). Numa concepção próxima de Hipócrates e Galeno, Rousseau defende igualmente que a felicidade e a recuperação do estado saudável podem ser encontradas num retorno aos modos puros da natureza.

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O nascimento do hospital

As concepções sobre a saúde e a doença passam, igualmente, pela inclusão da análise centrada no desenvolvimento da instituição hospitalar. Desde a Idade Média e durante os séculos XVI e XVII que o hospital não constituía uma instituição médica. Foucault (1992) refere que “a medicina medieval era de tipo individualista e as dimensões colectivas da actividade médica eram extraordinariamente discretas e limitadas” (1992: 80). O hospital, que vinha funcionando desde a Idade Média até ao final do século XVIII, não era concebido para a cura mas era, essencialmente, uma instituição de assistência aos pobres que era governado maioritariamente por pessoal caritativo e religioso (Foucault, 1994). O processo de medicalização do hospital, ou seja a entrada da medicina, dos profissionais médicos e do saber médico na instituição hospitalar, surgirá somente em França, no final do século XVIII, com o advento dos hospitais em Paris (Armstrong, 2004).

Segundo a proposta tipológica de Ackernecht (1967), historiador no domínio da medicina citado em Armstrong (2004), a medicina durante este século XVIII poderá ser enquadrada em três fases. Na primeira fase, que corresponde ao inicio do século XVIII, a medicina encontrava-se numa fase a que Ackernech (1967) denominou de library medicine. Esta fase correspondia a uma concepção mais escolástica da medicina em que o conhecimento, baseado nos estudos clássicos sobre o ser médico, surgia como a dimensão mais central e importante do que propriamente o conhecimento dirigido e aplicado à especificidade das doenças na população. Esta fase deu posteriormente lugar à bedside

medicine em que o olhar da medicina foi deslocado para os problemas associados às doenças,

sobretudo em termos de classificação semiológica dos sintomas nos doentes. Finalmente esta fase deu lugar à moderna medicina hospitalar, a hospital medicine, com o advento dos hospitais em Paris no final do século XVIII.

Paralelamente, a emergência do desenvolvimento desta medicina hospitalar surge aliado à pratica da clínica e à exumação dos cadávares. Uma prática e uma observação clínica que, como refere Foucault (1994), implicaram reciprocamente uma reorganização radical do hospital. É a transformação do saber e das práticas médicas por um lado, e a introdução, nesta época, de mecanismos disciplinares no espaço confuso do hospital que irá possibilitar o processo de medicalização do hospital. O hospital passa a ser concebido como um instrumento de cura e o médico passa ser o principal responsável pela organização hospitalar (Foucault, 1992). Até esta época, a medicina era uma prática não hospitalar, nas palavras de Foucault (1992) “o personagem ideal do hospital até ao século XVIII, não é o doente mas o

62 pobre que está a morrer. É alguém que tem que ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento” (1992: 101).

A base da reorganização da instituição hospitalar, datada no final do século XVIII, encontra inspiração nos modelos de organização oriundos dos hospitais marítimos e militares, associado ao facto das regulações económicas terem-se tornado mais rigorosas durante o período do mercantilismo (Foucault, 1992). O nascimento da clínica, como descreve Foucault (1994), e a nova medicina hospitalar requeriam um conhecimento do corpo humano que até então tinha sido negado. Como analisa Stacey (1993) um conhecimento que requeria o desafiar da autoridade religiosa vigente e o quebrar de antigos tabus, estes com séculos de existência baseados na ideia da profanação do cadáver e violação do corpo humano.

Uma das consequências do quadro de ideais que emerge com a Revolução Francesa, e que é acompanhado por um sentimento anti-clerical e pelo aprofundar dos processos sociais de laicização e secularização, culmina na transferência de um conjunto significativo de hospitais que foram removidos do controlo da Igreja para o controlo do Estado. Como sustenta Ferreira (2007), este processo de secularização entendido como uma transformação sociocultural, traduziu-se na diminuição do papel institucional e cultural da religião num processo social de transformação que possibilitou a afirmação progressiva da medicina como ideologia moral dominante e como instituição de controlo social nas sociedades modernas, deslocando, deste modo, a religião para um plano mais secundário (2007: 45).

Como anteriormente referido, no final do século XVIII, a instituição hospitalar é alvo de uma profunda alteração protagonizada pelo inicio do processo de medicalização do hospital, ou seja, do surgimento da medicina hospitalar. Como sintetiza Carapinheiro (1998), numa análise referente à evolução da assistência hospitalar portuguesa, “trata-se da passagem dos hospitais governados pelas ordens monásticas, quando a ordem religiosa dominava todas as concepções sociais e, portanto dominava também a concepção e a organização da assistência, aos hospitais estabelecidos por iniciativa real e administrados por provedores de nomeação régia, expressão do poder absoluto dos monarcas sobre todas as matérias de governação, aos hospitais do século XIX, abertos aos progressos científicos da medicina, especialmente da escola francesa” (1998: 25).

Stacey (1993) refere que enquanto no Reino Unido os corpos eram roubados ilegalmente das sepulturas, na Europa Continental e sobretudo em França, os corpos dos mais pobres eram já disponibilizados, mas não sem dificuldade. Segundo Stacey (1993), esta disponibilização mais precoce no acesso aos cadáveres para estudo terá ajudado a colocar a medicina francesa na dianteira dos novos desenvolvimentos clínicos (1993: 57). Outra

63 dimensão importante, que concorre de forma complementar para a explicação do progresso atribuído à medicina hospitalar francesa, mas que no fundo se localiza sobretudo em Paris, surge também, como analisa Porter (1997), como consequência de um considerável número de médicos terem aproveitado as novas oportunidades concedidas, através de empregos remunerados, nos agora vastos hospitais públicos de Paris. No inicio do século XIX a cidade de Paris, por si só, com as suas 20 000 camas de internamento hospitalar, ultrapassava na época, a totalidade das camas hospitalares disponíveis em todo o território da Inglaterra (Porter, 1997: 306).

Para além de um espaço de cura, o hospital passa a ocupar um lugar central na formação médica. Como refere Carapinheiro (1998), o hospital “torna-se o lugar adequado e a contrapartida institucional da disciplina médica” (1998: 68). Apesar de se verificar a medicalização do hospital os novos saberes e práticas médicas, associadas à clínica, ainda se inscrevem num modelo de inspiração hipocrática, que nestes séculos XVIII e XIX, servem de base científica à organização do espaço interno hospitalar.

A reforma de Nightingale e a enfermagem

No processo histórico em análise, a génese da enfermagem, enquanto grupo socioprofissional reconhecido, fica indissociavelmente ligado à expansão do sistema hospitalar do século XIX (Lopes, 2001). Numa perspectiva temporal mais alargada, as funções que são reconhecidas como típicas do desempenho da enfermagem têm constituído formas de acção frequentes e disseminadas em todas as sociedades e épocas históricas, apresentando-se até, de forma mais frequente, do que as práticas associadas às funções curativas (Freidson, 1978).

Muito do trabalho do cuidar do doente, no sentido da enfermagem, teve lugar no domínio do trabalho doméstico e durante muitos séculos poucas alterações se registaram a esta generalização (Stacey, 1993). São reconhecidas como funções típicas de enfermagem os cuidados de conforto e de proximidade junto do leito do indivíduo doente que se fazem normalmente acompanhar por um conjunto de técnicas e de práticas que incluem, pelo menos, o fazer baixar a temperatura nos estados febris ou a alimentação do indivíduo doente (Freidson, 1978).

Também do ponto de vista da medicina, e como já anteriormente transparecia na obra de Hipócrates, sempre houve a necessidade de ter alguém junto do leito do doente na prestação de cuidados - do que também ficaria conhecido como os “cuidados de cabeceira” –

64 e que executasse as prescrições médicas na ausência do médico, de um modo mais confiável do que se poderia esperar do próprio indivíduo doente ou da sua família (Freidson, 1978: 71).

Com a Idade Média são constituídos os primeiros hospitais fundados numa ideologia religiosa cristã de assistência caritativa onde, de uma forma geral, são as mulheres integradas em ordens religiosas que asseguram os cuidados aos doentes, indigentes e viajantes que aí eram acolhidos. Contudo, este tipo de cuidados de cabeceira eram praticados mais por razões morais e espirituais do que por razões terapêuticas (Freidson, 1978; Stacey, 1993).

Como referido, as actividades de enfermagem eram normalmente desempenhadas por pessoal religioso e caritativo do sexo feminino. As características naturalizadas atribuídas ao feminino fundiam-se assim, com as competências tidas como indispensáveis ao desempenho prático da enfermagem (Davies, 2003; Simões e Amâncio, 2004). Paralelamente, este tipo de organização hospitalar não era assente numa divisão técnica e social do trabalho e, neste