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Do Inicio do Século XX até à Revolução de 74

Uma importante reforma de saúde em Portugal teve lugar na transição para o século XX, tendo ficado conhecida pela Reforma de Ricardo Jorge, que na época denunciava o atraso nacional face ao panorama sanitário dos países mais desenvolvidos (Ferreira, 1990). O nome deste médico fica desde então ligado ao impulso fundador e modernizador da saúde pública portuguesa. É desta fase, em 1911 no inicio da I República, que são criadas a Direcção-Geral de Saúde e a Direcção-Geral de Assistência (Ferreira, 1990: 337-338).

O impulso reformador, já com um cunho relevante de orientação internacional, mantém-se com a publicação do Decreto-lei n.º 12 477 de 12 de Outubro de 1926 que estabelece o objectivo de uma nova Reorganização Geral dos Serviços de Saúde Pública tendo por base um novo direito internacional prosseguido na Europa, “das gentes independentes da ordem política e colectiva que designava por solidariedade higiénica internacional” (Lopes, 1987: 100).

Com a Constituição Corporativa de 1933 sedimenta-se a doutrina ideológica de uma nova ordem social e de um novo modelo de Estado: o Estado Novo. Importa referir que a saúde, neste período, encontrava-se englobada na noção de Assistência não existindo ainda um ministério da saúde, sendo que os principais diplomas legais que reflectiam as políticas de saúde encontravam-se, na altura, sob a tutela do Ministério do Interior.

O discurso legislativo do Estado Novo, no domínio da saúde, acentua o carácter paternalista e de assistência caritativa evidenciando, contudo, um modelo de Estado com funções meramente supletivas, que se encontra distante de qualquer estratégia de política social. Como salienta Carapinheiro e Page (2001), este modelo de Estado apresenta uma concepção de política ad hoc de alcance social limitado, mais vocacionado para acudir às consequências gritantes dos problemas sociais do que à sua prevenção (2001: 86).

A década de 30 fica marcada pela elaboração da lei da “Previdência Social” (Lei n.º 1:884 de 16 de Março de 1935). Este texto legislativo não pretendeu estabelecer um sistema organizado e oficial de serviços de prestação de cuidados de saúde, mas somente reconhecer a existência legal das instituições de previdência. A “Previdência Social”, segundo o Decreto-

117 lei n.º 28:321 de 27 de Dezembro de 1937, destina-se a proteger o trabalhador contra os riscos de doença, invalidez, velhice e morte. A organização e o financiamento da previdência ficavam entregues à iniciativa de instituições particulares, que à época se encontravam sob a tutela organizativa dos grémios patronais e dos então denominados sindicatos nacionais. Este tipo de sistema seguia claramente uma concepção do tipo bismarquiana.

Na década de 40 assiste-se a uma crescente profusão de diplomas legais que reflecte a crescente preocupação, por parte do Estado, em legislar sobre os domínios da Assistência

Social, deixando com menor regulamentação o domínio da Previdência Social, este mais

associado à iniciativa privada.

O domínio da Assistência Social fica ligado na sua génese ao domínio da saúde pública que, na época, ainda era designado pelo nome de medicina social. De acordo com Page (1998:76), o primeiro texto legislativo que importa referir no domínio da Assistência

Social foi promulgado em 1941 (Decreto-lei n.º 31:345 de 27 de Junho)20 que estabeleceu os princípios basilares deste domínio. Assim, ficou estabelecido neste decreto que ao Estado e aos organismos oficiais de assistência social competiam “uma acção de inspecção e superintendência técnica e uma função orientadora, fomentadora e supletiva da assistência”, sendo que, no entanto, fica claro que “incumbe primordialmente à família e às instituições particulares” a acção assistencial (Decreto-lei n.º 31:345 de 27/06/1941). Ao longo do restante diploma reafirma-se a função supletiva do Estado e são expostos os argumentos de “um país pobre em recursos”, que nos vários ramos de assistência deverá procurar a solução prática para a resolução dos problemas “na modéstia das instalações” e no “ fomento das iniciativas particulares” (Decreto-lei n.º 31:345 de 27/06/1941).

Neste mesmo ano de 1941, o Decreto-lei n.º 31:666 de 22 de Novembro de 1941, estabelece que o domínio da Assistência Social passe a incluir tanto as actividades dos serviços públicos como as actividades beneficentes de cariz privado. Fica expresso neste decreto que “sendo a doutrina constitucional portuguesa contrária à conversão da assistência em serviços do Estado, a tendência das reorganizações e reformas deverá ser no sentido de valorizar a assistência privada” (Decreto-lei n.º 31:666 de 22/11/1941). Contudo, em associação a este carácter supletivo, o Estado passa a aliar uma dimensão mais interventiva e fiscalizadora. É associado ao então domínio da Medicina Social a incorporação de uma

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Curiosamente é um texto legislativo que se constitui como um importante marco nas grandes reformas da psiquiatria portuguesa. É através deste diploma que é autorizada a instalação em Lisboa do Hospital Júlio de Matos, como instituição hospitalar psiquiátrica moderna, destinada ao tratamento e profilaxia de doenças mentais.

118 vertente de vigilância de cariz mais policial. Esta associação é legitimada no plano social como um “elemento imprescindível de uma assistência equitativa e socialmente eficaz” (Decreto-lei n.º 31:666 de 22/11/1941). Para a persecução deste objectivo são então criados os

Centros de Inquérito Assistencial que tinham como objectivo a formação de recursos

humanos, sob a designação de “visitadoras sociais”, que deveriam realizar inquéritos domiciliários a nível nacional com o objectivo de avaliar as “as condições económicas, sociais e morais das famílias” (Decreto-lei n.º 31:666 de 22/11/1941).

Este inquérito de saúde iria assumir uma gradual preponderância, nos futuros diplomas legais da restante década de 40, denunciando uma vertente interventora do Estado, de carácter mais policial com propósitos de assegurar a manutenção da designada ordem moral. Assim, o inquérito incorpora o objectivo claro de encabeçar uma perseguição aos falsos mendigos ou falsos pobres, fazendo notar que é “abusivo fazer-se passar por pobre” (Decreto-lei n.º 32:651 de 1 de Janeiro de 1943) e em especial nos grandes centros urbanos, onde é imperioso distinguir e apurar a verdadeira mendicidade e, por isso, “há que evitar por todos os meios a exploração por parte de falsos mendigos e pseudo-necessitados” (Decreto-lei n.º 35:108 de 7 de Novembro de 1945).

Ainda no domínio da Assistência Social, o Decreto-lei n.º 32:171de 29 de Julho de 1942 estabelece no artigo 4º, que no exercício da profissão médica “devem os médicos cooperar com os serviços sanitários para a defesa da Saúde Pública”. Para a concretização desse objectivo ficam definidas as várias competências médicas que incluíam: a estipulação do prazo de 48 horas para a participação às autoridades sanitárias das doenças contagiosas de declaração obrigatória; a verificação e certificação gratuita dos óbitos; a cooperação com as autoridades sanitárias em caso de epidemia ou a cooperação com as autoridades na execução de medidas destinadas a reprimir o abuso de estupefacientes. Mantém-se, contudo, a função supletiva do Estado associada ainda ao mesmo tom de assistência e de beneficência caritativa. Esta doutrina política fica claramente expressa no Decreto-lei n.º 32:255 de 12 de Setembro de 1942, que consagra que “a obrigação de prestar assistência é ao mesmo tempo dever cívico ou de justiça social e preceito religioso de caridade”.

A partir de 1944 assiste-se a uma ligeira mudança nos textos legislativos que indiciam um abandono gradual da função supletiva do Estado. Com a Lei de Bases de 1944 (Lei nº1:998 de 15 de Maio de 1944) é publicado o “Estatuto de Assistência Social”. A terminologia ligada à função supletiva do Estado ainda persiste sendo que, nas palavras de Page (1998), “pela primeira vez foi prevista a excepção à regra – a questão da Sanidade Geral,

119 surgia como algo que passaria a fazer parte da responsabilidade do Estado e que não poderia ser alienado” (1998: 91).

O Decreto-lei n.º 35:108 de 7 de Novembro de 1945, que deriva da anterior Lei n.º 1:998, reconhece por um lado a complexidade e a delicadeza dos problemas da Assistência Social e, por outro, apresenta uma tentativa de reorganização e coordenação de todos os serviços da Assistência Social na criação de um Conselho Superior de Higiene e Segurança. No que concerne à Saúde Pública, este decreto estabeleceu boa parte de toda a estrutura dos serviços, “que se iriam manter intactos, na sua essência, até ao presente” (Page, 1998: 100). Um diploma que reconhece a prioridade das actividades preventivas às curativas, explicitando que “é socialmente mais eficiente e economicamente mais útil prevenir os males do que vir a procura-lhes remédio” (Decreto-lei n.º 35:108 de 7/11/1945). Por outro lado, apresenta uma tipologia assente em três tipos de assistência social: a paliativa e curativa, a preventiva e a construtiva. Como refere Carapinheiro (2006) noções que perduram até hoje na Saúde Pública e que “iriam ser a base das perspectivas “curativa”, “preventiva” e de “promoção” de toda a política de saúde futura” (2006: 141).

No ano de 1946 é promulgada a lei que estabelece as bases da “Organização Hospitalar” (Lei n. 2.011 de 2 de Abril de 1946) que define uma regionalização e uma hierarquização dos diferentes tipos de instituições hospitalares. Deste modo, o país fica organizado e dividido em zonas, regiões e sub-regiões. As zonas são em número de três e as suas sedes localizam-se em Lisboa, Porto e Coimbra, onde ficam instalados os hospitais

centrais. As regiões correspondem aos distritos onde ficam instalados os hospitais regionais

e, finalmente, as sub-regiões correspondem a um ou mais concelhos onde se estabelecem os

hospitais sub-regionais. São definidas as diferentes competências e fornecidas as fórmulas

para o cálculo do número de camas para cada tipo de hospital. A Base XIX desta Lei n.º 2.011 define que compete ao Estado os encargos com a assistência hospitalar nos estabelecimentos públicos, podendo no entanto serem custeados em regime de cooperação nos estabelecimentos pertencentes a outras entidades. Fica ainda definido que as obras de construção dos edifícios hospitalares da iniciativa das Misericórdias ou de outras entidades de assistência ou de beneficência poderão beneficiar da comparticipação do Estado até 75% do seu custo total (Lei n. 2.011 de 2/04/1946).

No plano internacional, a Inglaterra destaque-se pelo desenvolvimento do Plano

Beveridge, que iria originar a criação do National Health Service tendo sido aprovado pelo

120 marco quer ao nível dos contextos sociopolíticos mais globais, quer ao nível das políticas de saúde que passaram a estar implicadas nos planos das relações internacionais e transnacionais.

A partir da segunda metade da década de 40, e durante a década de 50, as políticas de saúde nacionais foram particularmente marcadas por orientações internacionais e pelo reajustamento de Portugal face à nova realidade que emerge da segunda guerra mundial.21 Entrou-se na fase da criação e da constituição de organizações internacionais e supranacionais de que se destacam a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da OMS (Page; 1998: 102).

A adesão de Portugal à OMS ocorre logo quando esta foi fundada em Nova Iorque a 22 de Julho de 1946. Ficaram célebres, desde então, as definições de saúde e as orientações políticas patentes na constituição de 1946 da OMS. Como referem Carapinheiro e Page (2001) “a OMS constituiu-se como uma entidade transnacional que acumulou o monopólio da produção das noções, dos conceitos e dos discursos utilizados nas legislações de saúde de grande parte dos países do mundo” (Carapinheiro e Page, 2001: 91). No plano nacional os diferentes textos legislativos relativos à saúde passaram a incorporar de forma recorrente orientações e léxicos oriundos da OMS.

Um dos textos legislativos que melhor ilustram esta situação encontra-se condensado na Lei n.º 2:036 de 9 de Agosto de 1949. Uma Lei que expressa a preocupação com as doenças contagiosas, que se constituem como um perigo colectivo, e onde se confere uma particular importância às doenças venéreas contraídas através das práticas da prostituição. Lei que reforça os poderes da Direcção-Geral de Saúde perspectivada como “uma espécie de interface entre o governo e a população, podendo se socorrer das forças policias para o exercício das medidas profiláticas face às doenças contagiosas”(Page, 1998: 110).

Page (1998) resume uma série de portarias regulamentares que durante toda a década de 50 foram promulgadas e que são decorrentes desta Lei n.º 2:036 que, por sua vez, plasmam as orientações da OMS como, por exemplo, o estabelecimento de uma nova tabela das doenças contagiosas de declaração obrigatória; a definição dos meios de luta contra a tuberculose; a definição de nomenclaturas relativamente às estatísticas de mortalidade geral e

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Contudo, importa referir que, já anteriormente, Portugal não se encontrava alheado das convenções internacionais. Portugal assinou a Carta de Confirmação da Convenção Sanitária Internacional em 1942. Convenção que foi integrlamente publicada em Portugal a 19 de Agosto de 1942, após ter sido assinada em Paris em 1912, sendo depois confirmada e ratificada também em Paris em 1926 (Carapinheiro e Page, 2001: 88)

121 de morbilidade e a uniformização das estatísticas de doença e causas de morte (Page, 1998: 114).

Em 1958 é criado o “Ministério da Saúde e Assistência” segundo o Decreto-lei nº 41:825 de 13 de Agosto de 1958. A criação de um ministério relacionado com a saúde, em finais da década de cinquenta, não deixa contudo de se fazer sentir como se tratando de uma criação relativamente tardia de uma estrutura estatal numa área tão central na sociedade como é a da saúde. Contudo, este fenómeno é igualmente constatado em outros países. Fassin (1996) refere que esta situação é na verdade paradoxal se se atender que desde o século XIX que se assiste nas sociedades ocidentais ao desenvolvimento de administrações nacionais, com a implantação de organizações estaduais de saúde pública. Este fenómeno relativamente tardio na criação de ministérios de saúde é igualmente assinalado por Fassin (1996) nas sociedades ocidentais que em Inglaterra data de 1919, o Ministry of Health Act, em França, data de 1920, com a designação de ministério de l’Hygiéne, de l’Assistance et de la

Prévoyance Sociale e, em 1953, nos Estados Unidos, o Department of Health, Education and Welfare (1996: 273).

Em Portugal, associado a criação deste ministério, estava subjacente, como destaca Carapinheiro (2006), “a ideia de individualização de medidas políticas, de integração de serviços dispersos e de uma política unitária de saúde” (2006: 143). Consequentemente, assiste-se à deslocação dos serviços da “Saúde Pública” e dos serviços da “Assistência Pública” da tutela do “Ministério do Interior” para o recém-criado “Ministério da Saúde e Assistência”. Contudo, e apesar da filosofia de integração de serviços, os “Serviços da Previdência” continuaram de fora da esfera de acção deste novo ministério. Estas organizações relacionadas com a Previdência acabavam por se manter pouco alteradas desde a década de trinta, continuando a ser organizadas e financiadas pelos grémios patronais e sindicatos nacionais.

Os textos legislativos, aqui analisados, parecem indiciar uma importante centralidade da Saúde Pública e dos cuidados preventivos no sistema de saúde português. Contudo, verifica-se, como refere Page (1998), “a tendência para que os textos legais se fossem anulando a si próprios, em circuito fechado”. A mesma autora ilustra este facto através da apreciação que o legislador elabora sobre o alcance limitado da legislação sobre a centralidade da Saúde Pública referindo que: “as delegações existentes à época não desempenharam eficazmente a missão que lhes cometia [...] os delegados de saúde ganhavam pouco e por isso recorriam à clínica particular [...] descuravam a acção profilática e a execução de medidas de

122 higiene e salubridade reclamadas pela necessidade de defesa da saúde pública” (Page, 1998: 97).

O final da década de 50 e a década de 60 ficam marcados pelo reforço do hospital como peça central no sistema de saúde português. São construídos e inaugurados os maiores hospitais portugueses como o Hospital de São João no Porto e o Hospital de Santa Maria em Lisboa. Como refere Carapinheiro (1998), estas novas instituições hospitalares corporizavam “a concepção hospitalocentrica como concepção dominante do sistema de prestação de cuidados. Nesta concepção o hospital era encarado como centro de saúde, centro de serviço social, centro de ensino e centro de investigação, com funções preventivas, curativas e recuperadoras” (1998: 32). Em 1961 é criada a Direcção Geral dos Hospitais (Decreto-lei n. 43853 de 10/08/1961). O hospitalocentrismo sai reforçado pelo acumular do desinteresse dos profissionais de medicina no domínio de acção da Saúde Pública. Guerra e Tomé (1964), citados em Page (1998), num artigo publicado em 1964 relativamente à Saúde Pública, referem que “a medicina sanitária não criou raízes nem faz parte das aspirações dos médicos. Afigura-lhes que a medicina sanitária é uma forma semi-burocrática da profissão, ocupada em elaborar estatísticas, mapas e ofícios, com funções de policiamento de permeio” (Page, 1998: 122). Para demonstrar a pouca atracção que os médicos tinham por estes serviços invocava-se a “vastidão das tarefas atribuídas aos subdelegados de saúde, que acumulavam ainda o facto de, por inerência, serem médicos municipais, o que os sobrecarregava de tal forma que lhes restava muito pouco tempo para a clínica privada, que necessitavam de exercer para compensar a insuficiente remuneração oficial de que usufruíam” (Page, 1998: 123).

Em 1965 é estabelecido um acordo para o pagamento, por parte da Previdência, dos encargos com a hospitalização dos seus beneficiários e familiares. Este acordo teve como consequência o aumento substancial das receitas hospitalares e o desenvolvimento e especialização dos serviços, dando inicio ao desenvolvimento das carreiras médicas hospitalares (Campos e Mantas, 1982: 87). Em 1968 é promulgado o “Estatuto Hospitalar e Regulamento Geral dos Hospitais” (Decreto-lei n.º 48:357 de 27 de Abril de 1968) orientado para a organização hospitalar e para a definição das carreiras profissionais hospitalares. Contudo, “este importante diploma pecava por ter um âmbito sectorial e não estabelecer as relações obrigatórias com os outros sectores” (Ferreira, 1990: 342). Este diploma legal acabaria por patentear o fracasso da articulação e integração com as restantes estruturas e serviços de saúde.

Relativamente ao investimento público na área das políticas sociais o Estado português mantinha-se ainda longe dos padrões europeus. Em 1960, o total da despesa

123 pública22 em Portugal, representava apenas 17% do PIB, enquanto que as médias dos países da OCDE rondavam os 26 % e os da CEE representavam 31% do PIB (Costa, 1986: 22). Para o mesmo ano de 1960 e relativamente agora ao peso da despesa social pública23, este representava apenas 6% do PIB, enquanto era de 13% na OCDE e de 15% na CEE (Costa, 1986:37). O peso da despesa em saúde relativamente ao total da despesa pública representava um peso muito fraco na primeira metade dos anos 60, à volta dos 5%, tendo apresentando um ligeiro crescimento a partir de 1965 e que estaciona à volta de 11,3% a partir de1973 (Costa, 1986: 53). Apesar do fraco investimento por parte do Estado, os anos 60 e o início da década de 70 ficam marcados pela vontade política de racionalizar os gastos com a saúde bem como o de racionalizar estruturas e serviços de saúde. É criado em 1970 o “Gabinete de Planeamento do Ministério da Saúde e Assistência (Decreto n.º 397/70 de 20 de Agosto de 1970). Na organização hospitalar pretendeu-se igualmente a racionalização da gestão através da aplicação de regras empresariais de administração. Afirmou-se, deste modo, a importância de administradores não médicos na gestão dos hospitais centrais. Nas seguintes décadas, a profissionalização e a institucionalização de uma carreira autónoma de gestores profissionais hospitalares será motivo gerador de permanentes conflitos entre o corpo médico e o corpo administrativo (Carapinheiro, 1998: 136).

Apesar da criação do Ministério da Saúde e da Assistência o sistema de saúde carecia de uma coordenação sólida a nível central. Como analisa Ferreira (1990), o Estado ao não assumir uma responsabilidade central dos cuidados de saúde permitiu a criação de um sistema de saúde constituído por um grande número de subsistemas, relativamente autónomos e independentes, marcados por vezes pela rivalidade que originava duplicações de competências e dificuldades de racionalização dos orçamentos.

Reforma da Saúde de 1971

Em 1971 surge uma importante reforma, reconhecida como um decisivo marco histórico no desenvolvimento das políticas de saúde, e que ficaria conhecida como a reforma de 1971

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“Despesa pública” definida pela despesa total do sector público administrativo, que é constituída pelo conjunto da administração central (Estado, serviços autónomos e fundos autónomos) e da administração local (autarquias e segurança social) (Costa, 1986: 11).

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“Despesa social pública” definida como a despesa pública directa em educação, serviços de saúde, pensões, subsidio de desemprego e outros programas de manutenção de rendimentos e serviços de acção social (Costa, 1986:37).

124 (Decreto-lei n.º 413/71 de 27 de Setembro). A reforma de 1971 estabelece uma reorganização dos diversos serviços centrais, regionais, distritais e locais do Ministério da Saúde e Assistência, numa política de saúde que se pretendia agora unitária, sob a orientação e superintendência deste ministério. Um dos corolários deste diploma explicita que “a reconversão da orgânica actual, de acentuadas características individualistas, deve conduzir a uma estrutura de serviços subordinados a uma política unitária de saúde e de assistência”