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Os critérios de escolha dos CMEI que fariam parte da pesquisa já foram explicitados anteriormente. De agora em diante teceremos algumas considerações sobre a investigação, lembrando tratar-se de uma pesquisa no próprio campo de trabalho da pesquisadora – Secretaria Municipal de Educação de Natal/RN, especificamente no Departamento de Educação Infantil – com 31 participantes que atuam nos Centros Municipais de Educação Infantil, considerados colaboradores do processo, na perspectiva da pesquisa-ação. Deste total de participantes, apenas um, pertencente ao CMEI Norte, é do gênero masculino, o que reforça a predominância feminina na Educação Infantil.

Durante o primeiro encontro em cada CMEI estabelecemos contato com todos os profissionais, constituindo boa interação com os participantes, explicando detalhadamente, os objetivos da pesquisa. Nesses momentos, ressaltamos a importância da participação não apenas dos educadores, mas também das merendeiras, auxiliares de sala, etc. e enfatizamos que os encontros seriam realizados no próprio CMEI em dias e horários pré- estabelecidos com a direção, sem a presença das crianças.

No CMEI Oeste foram realizados três encontros mensais de setembro a novembro de 2010. Em todos os encontros participaram 17 profissionais, conforme o quadro a seguir:

Quadro 2: participantes da pesquisa – função e quantidade – CMEI Oeste Função Nº de Participantes Diretora 01 Coordenadora 01 Auxiliar de secretaria - Educador(a) infantil 10 Auxiliar de sala 02 Merendeira 01 Serviços gerais 02 Fonte: Pesquisadora

No primeiro encontro os profissionais nos aguardavam com certa ansiedade. Explicaram que haviam solicitado este encontro porque estavam angustiados com algumas situações, que suspeitavam ser de violência doméstica contra as crianças que estudavam ali. Esta angústia justifica-se pelo fato deste CMEI ter participado de algumas ações envolvendo a temática no ano anterior, quando a coordenadora56 havia participado de um Curso do Programa “Escola que Protege” oferecido pelo MEC em parceria com a UFRN, compartilhando com a comunidade escolar o que havia estudado neste Curso. Não ficou claro para nós como foi feita esta abordagem, a única certeza que temos é que houve uma mobilização no dia 18 de maio de 2009, envolvendo todo o bairro Nordeste em uma caminhada contra a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

Com base nos estudos de Azevedo e Guerra (1994) acreditamos que ao estudarem o tema, os profissionais tornaram-se mais atentos aos sinais de violência, daí a inquietação do grupo diante das situações concretas com as quais se deparam diariamente em suas salas de aula.

56 O curso foi realizado em 2008 e as ações aconteceram em 2009. No momento da coleta de

dados para esta pesquisa a referida coordenadora havia pedido transferência para outro CMEI, por este motivo não conseguimos maiores detalhes sobre a ação realizada.

Chegamos ao CMEI Oeste às 14 horas. As crianças haviam sido liberadas naquela tarde, pois o calendário escolar previa uma parada para planejamento.

Sentadas, com as cadeiras dispostas em círculo, explicamos os objetivos do estudo e do grupo focal, destacando a importância da participação de todas nos debates. Também esclarecemos o que seria feito dos dados após o fechamento de todos os grupos e convidei as participantes a se apresentarem rapidamente. Tal procedimento tinha como objetivo fazer com que elas se sentissem confiantes e satisfeitas por estarem tomando parte do processo de pesquisa, esperando que, com isso, se engajassem com afinco nas discussões.

Concluída essa etapa introdutória, apresentamos ao grupo três questões: 1) O que é violência doméstica contra a criança? 2) Como identificar se uma criança está sendo vítima de violência doméstica? 3) Quando você constata que uma criança está sendo vítima de violência doméstica, o que você faz?

Optamos por escrever as perguntas em três folhas de papel madeira. Visto que as discussões não seriam filmadas, consideramos que este tipo de abordagem facilitaria a recolha dos dados, neste momento inicial. Apesar da técnica do grupo focal prever gravação das discussões em vídeo, optamos por não fazê-lo por dois motivos: 1) poderia inibir as participantes; 2) precisaria de outra para nos ajudar com a câmera e não dispúnhamos dessa pessoa.

Dispomos as folhas no chão e pedimos que cada participante escolhesse a pergunta que gostaria de responder. Observamos que quase todas se agruparam em torno da 2ª questão e que a 3ª questão ficou sem ninguém para respondê-la. Chamamos a atenção para se distribuírem de modo que as três perguntas fossem respondidas. A partir desta intervenção elas se reorganizaram.

A atitude dos profissionais ao evitarem a 3ª questão nos mostrou que tinham dificuldade em saber esboçar suas concepções sobre violência doméstica contra crianças e em saber como agir nestes casos, demonstrando

pouca familiaridade com o tema, desconhecimento sobre a atuação/papel dos órgãos de proteção à infância e, de certa forma, um sentimento de “desresponsabilização”, no qual acreditam que este tipo de encaminhamento é papel de outro profissional e de outra política.

O fato de nenhum dos participantes ter se dirigido para responder à pergunta sobre quais encaminhamentos dar em casos concretos ou suspeitos de violência doméstica contra a criança corrobora com os estudos que vêm apontando uma baixa notificação e encaminhamento dos casos identificados pelas instituições educativas aos órgãos de proteção. Uma pesquisa realizada por Cavalcanti (1999) mostra que somente 5,5% das notificações de violência doméstica registradas no Conselho Tutelar de Niterói entre 1993 e 1995 foram efetivadas por escolas. Outra pesquisa, realizada por Deslandes (1994), durante o período de 1988 a 1992, revela que as escolas são responsáveis apenas por 4% das notificações aos Centros Regionais de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (CRAMIS) dos municípios paulistas.

Após a discussão em pequenos grupos, com as colocações devidamente registradas no papel madeira, retornamos ao grande grupo para que as respostas fossem compartilhadas e complementadas, caso os participantes dos outros grupos considerassem necessário.

Quadro 3: síntese das discussões do 1º encontro – CMEI Oeste (set/2010)

PERGUNTAS RESPOSTA DO GRUPO CONTRIBUIÇÕES DOS

OUTROS GRUPOS O que é violência doméstica

contra a criança?

É toda forma de agressão física, psicológica e verbal em seu ambiente familiar.

Negligência. Falta de cuidados.

Olhar repressivo. Como identificar se uma

criança está sendo vítima de violência doméstica? Hematomas. Isolamento. Agressividade. Medo do toque. Falta de apetite. Não houve.

Quando você constata que uma criança está sendo

vítima de violência doméstica, o que você faz?

Conversa com a criança. Comunica à direção.

Procura os pais. Pede ajuda ao Conselho

Tutelar.

Não houve.

Fonte: Pesquisadora

Conforme já foi explicitado, a partir da leitura do material registrado no diário de campo, foram analisadas inicialmente as “falas” dos profissionais durante a realização do primeiro grupo focal, quando as concepções e práticas a respeito da violência doméstica contra a criança foram expressas através da escrita no papel madeira e das complementações durante o compartilhar das “respostas” escritas.

De acordo com o grupo, violência doméstica é toda forma de ameaças e agressões (física, psicológica e verbal) no ambiente familiar da criança.

Questionadas se a violência é caracterizada apenas pelo que é feito contra a criança, uma das participantes diz que não:

“O que a família deixa de fazer também é violência.”

Outras contribuições foram dadas de modo que a negligência, a falta de cuidado também foi considerada pelo grupo como violência doméstica.

Questionado sobre o que seria a violência psicológica mencionada, o grupo mostrou não saber exatamente o que isto significava. Ou, pelo menos, não demonstrou compreender os sinais deste tipo de violência, conforme demonstra o questionamento realizado por uma das participantes.

“Olhar repressivo, é violência psicológica?”

Outra participante relatou que o seu cunhado era muito autoritário e que todos em casa tinham medo dele. Disse que um simples olhar seuera suficiente para deixar o filho dele “todo se tremendo”. Contudo ela ainda estava em dúvida se esta atitude podia ser considerada violência:

“Não sei se o que ele faz é violência. Eu acho que é, pelo que a senhora tá

dizendo [...] mas fico na dúvida.

O grupo mostrou ter mais familiaridade com a 2ª questão e apresentou como marcas identificadoras da violência doméstica: hematomas, isolamento, agressividade, medo do toque, falta de apetite. As respostas fluíram mais facilmente, não houve demora em apresentar os sinais que, segundo o grupo, evidenciam o fenômeno. Contudo, as marcas da violência psicológica, mencionada nas falas referentes à 1ª questão, não apareceram explicitamente aqui. Aparentemente, o grupo percebe melhor as marcas físicas, demonstrando pouca clareza dos sinais apresentados pela criança quando esta

sofre violência psicológica.

No que se refere aos encaminhamentos diante de casos evidentes de violência doméstica, o grupo assinalou fortemente que primeiro conversa com a criança, mas não deixou claro o tipo de conversa, a forma como o assunto seria abordado, etc. O grupo também mencionou que os pais seriam procurados, sem, contudo esclarecer como se daria esta conversa. Sobre isto anotamos em nosso diário de campo:

Parece que na dúvida sobre o que fazer diante de uma situação de violência doméstica, conversar com a criança ou chamar os pais para uma conversa, aparece como uma alternativa de conciliação. É como se a conversa tivesse o poder de solucionar o problema, fazendo cessar a violência

(Diário de campo, 22/10/2010).

Os profissionais também mencionaram que, quando surge alguma suspeita de violência, comunicam à direção. Pareceu-me que, para os profissionais, tal ação os desobrigaria de tomar outras providências, conforme falas a seguir:

“É ela (a diretora) quem decide o que fazer: se chama a mãe [...] se vai na

delegacia [...] a gente não dá [...] (para tomar as providências) tem de ser ela

“A gente tem medo, né? Aí é melhor deixar a direção fazer o que tem que

ser feito.”

O medo de represálias foi mencionado por uma das participantes e todas as demais, unanimemente, confessaram que se sentem inseguras para fazerem alguma coisa. O grupo alegou que a maioria dos pais das crianças

desse CMEI são usuários de drogas, envolvidos com crimes e que levar algum deles às autoridades é um risco de morte.

Segundo Santos (2004) as notificações podem ser encaminhadas de quatro maneiras aos órgãos competentes: por telefone, por escrito, visita ao órgão ou solicitação de atendimento na própria escola. O autor lembra ainda que a denúncia pode ser feita de forma pública ou sigilosa, mas os profissionais também não mencionaram conhecer esta possibilidade. Na fala do grupo não apareceu nenhuma dessas alternativas, antes, pareceu-nos que havia um cuidado exagerado em justificar a omissão. Talvez o fato de sermos assessora pedagógica da SME tenha implicação neste processo.

A alternativa de encaminhamento ao Conselho Tutelar foi apresentada pelo grupo, mas muito timidamente. Os profissionais não acreditam na eficiência e eficácia57 deste órgão de proteção:

“Os conselheiros só sabem mandar criança para se matricular. Não

querem nem saber se as salas estão cheias.”

“A estrutura do Conselho Tutelar é precária demais.”

“Eles não dão conta, não [...] ”

“... eu não conheço muita coisa (sobre o Conselho Tutelar) não.”

Levar o caso à delegacia também foi mencionado por uma das participantes, entretanto não ficou claro se o grupo sabia da existência de uma delegacia especializada. Contudo, os demais órgãos competentes que

57 Eficiência é o meio para se atingir um resultado; é a atividade, ou, aquilo que se faz. Eficácia

é o resultado; o objetivo: aquilo para que se faz, isto é, a sua Missão (Disponível em http://www.administradores.com.br. Acesso em 24/07/2011).

recebem e apuram notificações de suspeita ou ocorrência de violência doméstica contra a criança58 não foram contemplados nas falas dos profissionais.

Apesar das orientações de que os colegas dos outros grupos poderiam complementar as respostas, houve pouca participação, só advindo contribuições à 1ª questão. Pareceu-nos que haviam esgotado o que sabiam sobre a temática. Sentimos como se considerassem não haver mais nada a acrescentar. Não conseguimos identificar se este “silêncio” derivava de falta do conhecimento sobre o assunto, ou se o grupo ainda não se sentia à vontade para falar mais sobre o assunto uma vez que o pesquisador não pode esquecer que estará lidando com um grupo que possui certa estrutura e dinâmica próprias do qual ele, pesquisador, de início não faz parte (FRANCO, 2005).

Após percebermos que as falas estavam se esvaziando, encerramos o debate agradecendo a participação de todas e enfatizando a importância de cada opinião. O segundo encontro ficou agendado para a reunião mensal de planejamento coletivo, marcada para a última sexta-feira de outubro de 2010.

Tendo em vista que “a apreensão da realidade [...] se faz por aproximações a partir da convergência de vários pontos de vista” (MINAYO, 1999, p.37), no segundo encontro optou-se por apresentar algumas transparências em um retroprojetor a fim de elucidar alguns aspectos sobre a temática que não ficaram claros no encontro anterior.

No início da pesquisa não havíamos previsto este momento, contudo, ao nos depararmos com tantas angústias, dúvidas, medos, decidimos que se fazia necessário esclarecer alguns conceitos. Esta seria uma das nossas contribuições ao grupo. Afinal, a pesquisa-ação justifica-se, neste caso, porque pretendemos interagir com os participantes de modo que a realidade possa ser também modificada, e para tanto, julgamos ser imprescindível contribuir para ampliar os conhecimentos dos profissionais sobre o tema em questão.

58 Além do Conselho Tutelar e da delegacia especializada (DCA), as notificações podem ser

encaminhadas ao Ministério Público, a Defensoria Pública, a Justiça da Infância e da Juventude, ao SOS criança (CUNHA, 2004).

Os assuntos apresentados neste segundo encontro foram: 1) O conceito de violência doméstica; 2) As modalidades de violência doméstica contra a criança; 3) Os sinais que evidenciam se uma criança é vítima de violência doméstica; 4) Os artigos 13 e 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente que tratam da responsabilização dos profissionais; 5) As instituições de proteção à infância (Sistema de Garantia de Direitos).

À medida que as transparências eram apresentadas, dúvidas emergiram no grupo quanto ao que seria violência ou não. Evidenciou-se que o grupo não tinha clareza do conceito de violência doméstica contra a criança e estava confuso quanto às modalidades. As brigas dos pais na presença das crianças foram mencionadas como uma forma de violência, sem, contudo ser “classificada” numa das modalidades (física, sexual, psicológica, negligência e abandono).

Além dos profissionais não conseguirem estabelecer a relação entre o fato (briga dos pais na presença das crianças) e as modalidades de violência doméstica, há ainda outro elemento que merece ser destacado/analisado que, parece-nos, tem relação com a formação cristã-católica do povo brasileiro.

A formação cristã tradicional remete a valores de paz, conciliação e harmonia, levando-nos a considerar qualquer tipo de conflito ou desavença como negativo. Neste sentido, somos levados a crer que todos os desentendimentos, discussões e conflitos entre os casais não podem, nem devem se dar diante dos filhos e parece-nos que foi esta a postura dos profissionais do CMEI. Evidentemente, quando questionamos tal postura, estamos nos referindo a conflitos e brigas entre casais que se veem como parceiros e iguais59. Neste sentido, em tal situação, não há opressão/dominação de um sobre o outro ou violência física, mas somente pessoas em uma relação que discordam e discutem saudavelmente suas posições.

59 Sabemos que estamos em uma sociedade patriarcal e como tal, as relações entre homens e

mulheres não são igualitárias. Contudo há também homens e mulheres que buscam, no dia-a- dia, construir relações igualitárias entre os gêneros.

Parece-nos que a postura de esconder dos filhos as brigas, criam nas crianças situações ilusórias de uma harmonia baseada somente na completa concordância entre as partes. Deste modo, as crianças crescem sem saber conviver com conflitos e, por vezes, são surpreendidas por processos de separação entre os pais, que julgavam viver muito bem juntos, uma vez que nunca presenciaram brigas. Parece-nos, portanto, que precisamos rever nossos valores e entender que os conflitos/discordâncias fazem parte da vida humana e servem para nos fazer entender os pontos de vista dos outros e enriquecer-nos mutuamente, desde que tais conflitos/divergências se deem em um clima de respeito mútuo.

Os profissionais relataram, ainda, casos de falta de cuidado das mães em relação às crianças, entre os quais: presença de piolhos, bichos de pés e roupas sujas.

Apesar de nosso estudo não se deter nas discussões de gênero, nestas falas aparece explicitamente uma concepção de família, na qual a mãe/mulher é o elemento responsável pelo cuidado dos filhos. Em nenhum momento, os profissionais referiram-se aos pais como negligentes ou responsáveis pelo cuidado com piolhos, bichos de pé etc. Ou seja, o modelo familiar adotado pelos profissionais é do pai provedor e da mãe cuidadora/dona de casa, levando-os a culpabilizarem as mulheres pela falta de cuidado com a família. Não há, por parte dos profissionais do CMEI, nenhum questionamento ao modelo familiar dominante (pai/homem/provedor; mãe/mulher/cuidadora; filhos/protegidos), o que nos leva a supor que é este o modelo defendido/apresentado como ideal nas salas de aula, deixando de fora, portanto, todas as outras possibilidades de famílias existentes (casais homossexuais com ou sem filhos, casais heterossexuais com ou sem filhos, mulheres com seus filhos, homens com seus filhos, padrastos e madrastas com enteados etc).

O fato de algumas famílias demorarem a vir buscar a criança após a aula, foi mencionado como sendo violência. Conforme as colocações do grupo, estas atitudes lembradas foram classificadas por eles como negligência. Neste aspecto, observamos nos participantes do grupo, um tom acusatório em

relação às famílias, sem que suas situações socioeconômicas sejam levadas em conta. Ou seja, observou-se que o grupo tendia a responsabilizar/culpabilizar às famílias pelas situações de negligência ou abandono, desconsiderando suas condições de vida.

Esta discussão nos remete ao conceito de negligência que é apresentado nos materiais elaborados pelo MEC e pelo Ministério da Saúde, dos quais tratamos no capítulo anterior, destinado aos profissionais de suas respectivas áreas. Nestes documentos, a negligência é considerada como um ato de omissão do responsável pela criança em prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento (BRASIL, 2002; SANTOS, 2004). Em nenhum momento aparece nesta conceituação, uma proposta para que se discuta as condições objetivas nas quais vivem grande parte da população brasileira. É difícil arbitrar sobre esta modalidade de violência quando se sabe que estas famílias não têm emprego e renda, moram em condições precárias e não têm acesso a atendimento médico adequado.

Quando foi colocada em pauta a discussão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como sobre o Sistema de Garantia de Direitos, observamos que algumas das participantes tentavam disfarçar a falta de conhecimento sobre o ECA, o papel dos conselheiros tutelares e os órgãos que fazem parte da rede de proteção à criança. Com isso, verifica-se que na formação destes profissionais estes “conteúdos” não foram trabalhados, mas também que eles têm consciência sobre o dever de conhecer o assunto. Uma das participantes mostrou-se perplexa diante das informações sobre a política de proteção à infância, demonstrando tratar-se de uma “novidade” para o grupo:

“Nem sabia dessas coisas [...] é muito legal saber. É muita coisa. A

gente precisa conhecer mesmo”.

Acreditamos que ainda ficaram questões em aberto, mas devido à necessidade de cumprimento do horário previamente acordado, foi solicitado

aos participantes que fizessem breves comentários sobre o que acharam da dinâmica. A avaliação foi positiva. Assim, encerramos o segundo encontro.

A questão-chave para iniciar o terceiro encontro, realizado em novembro de 2010 foi: observa-se que vocês têm conhecimento sobre o que fazer diante da violência doméstica da qual as crianças atendidas neste CMEI são vítimas. O que falta para que os encaminhamentos adequados se efetivem? A partir daí a discussão fluiu rapidamente, surgindo vários relatos sobre suspeitas e ocorrências de casos, como também de possíveis razões para a falta de notificações.

Pareceu-nos que falar das situações concretas, trazia à tona todas as angústias vivenciadas pelos profissionais no dia-a-dia do CMEI. Estava clara a necessidade de relatar/discutir as ocorrências. Em dado momento, percebemos que “apostavam” na nossa intervenção para ajudá-los a resolver algumas situações consideradas mais graves. Optamos por analisar as concepções e práticas implícitas nestes relatos de casos.

Um dos relatos apresentou uma situação ocorrida no primeiro semestre, na hora do banho, entre duas crianças do Nível III (3-4 anos). Uma