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Concepções e práticas dos profissionais que atuam na educação infantil diante da violência doméstica contra crianças de zero a cinco anos

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

LUISA DE MARILAC DE CASTRO SILVA

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA

CRIANÇAS DE ZERO A CINCO ANOS

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LUISA DE MARILAC DE CASTRO SILVA

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA

CRIANÇAS DE ZERO A CINCO ANOS

Dissertação apresentada a Banca Examinadora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Profª Drª Rita de Lourdes de Lima

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Silva, Luisa de Marilac de Castro.

Concepções e práticas dos profissionais que atuam na educação infantil diante da violência doméstica contra crianças de zero a cinco anos / Luisa de Marilac de Castro Silva. - Natal, RN, 2011.

164 f.

Orientadora: Drª. Rita de Lourdes de Lima.

Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social.

1. Serviço social - Dissertação. 2. Violência doméstica - Crianças –

Dissertação. 3. Educação infantil – Professor - Dissertação. 4. Prática Docente – Educação infantil – Dissertação. I. Lima, Rita de Lourdes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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LUISA DE MARILAC DE CASTRO SILVA

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA

CRIANÇAS DE ZERO A CINCO ANOS

Dissertação apresentada a Banca Examinadora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovado em 29/07/2011

BANCA EXAMINADORA

RITA DE LOURDES DE LIMA (Presidente)

ELIANA COSTA GUERRA (Membro Interno)

GLAUCIA HELENA ARAUJO RUSSO – UERN (Membro Externo)

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AGRADECIMENTOS

À Profª Drª Rita de Lourdes de Lima, minha adorável orientadora, pela maneira firme e doce com que conduziu este árduo processo de construção.

À Profª Drª Silvana Mara, sem sua intervenção eu não teria conseguido. Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, pelo acolhimento.

Ao meu marido Mardes e aos meus filhos Asafe e Ana Luisa por compreenderem minha ausência.

À Nita, que cuidou da casa, das compras e das “crianças” enquanto eu pesquisava.

Aos colegas das turmas 2008 e 2009 pela convivência, antes e depois do Timor-Leste. Aprendi demais com vocês.

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RESUMO

O estudo apresenta a problemática da violência doméstica contra crianças de zero a cinco anos no contexto dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) no município de Natal-RN. Constitui-se em uma análise sob o enfoque teórico-metodológico de base qualitativa, na perspectiva de totalidade, tendo como pressuposto a violência doméstica contra crianças nas suas dimensões sociais, legais, histórico-culturais que norteiam o tema. Objetiva investigar se os profissionais que atuam na Educação Infantil são capazes de identificar possíveis situações de violência doméstica contra crianças que se encontram sob sua responsabilidade e ainda se, em casos de suspeita ou identificação de casos concretos sabem quais encaminhamentos devem ser adotados. O percurso estabelecido entre conhecimento e método envolve: análise conceitual sobre a infância, a educação infantil e a violência doméstica contra crianças, além da realização de grupos focais com os participantes da pesquisa com os respectivos registros em diário de campo. Apreendem-se nesse estudo as contradições existentes no enfrentamento da violência doméstica contra crianças. Mesmo tendo conhecimento teórico sobre a temática, os profissionais não conseguem dar os encaminhamentos adequados no sentido de proteger a criança e fazer cessar a violência. Identifica-se que as condições objetivas de trabalho dos profissionais que atuam nos CMEI, associadas ao pouco conhecimento sobre a temática, contribuem para os não encaminhamentos. Conclui-se que se faz necessário o envolvimento da Secretaria Municipal de Educação, sem esquecer de que todas as ações têm limites, visto que a violência doméstica contra a criança está também relacionada a questões estruturais da sociabilidade capitalista.

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RESUMEN

El estudio presenta el problema de la violencia doméstica contra los niños de hasta cinco años en el contexto de los centros municipales de Educación Infantil (CMEI) en la ciudad de Natal-RN. Constituye un análisis bajo el enfoque teórico y metodológico de carácter cualitativo, en vista de la totalidad, con la asunción de la violencia doméstica contra los niños en su guía sociales, legales, históricos y culturales con el tema. Tiene como objetivo investigar si los profesionales que trabajan en Educación Infantil son capaces de identificar las posibles situaciones de violencia doméstica contra los niños que están bajo su responsabilidad, e incluso si, en los casos de los casos sospechosos o reales de la identidad de saber que las referencias deben ser adoptadas. La ruta entre el conocimiento y el método establecido implica el análisis conceptual de la infancia, la educación infantil y violencia doméstica contra los niños, además de la realización de grupos focales con los participantes de la encuesta con sus registros en un diario de campo. Perciben a sí mismos para el estudio de las contradicciones en la lucha contra la violencia doméstica contra los niños. Incluso con los conocimientos teóricos sobre el tema, los profesionales no pueden dar referencias adecuadas para proteger a los niños y detener la violencia. Nos encontramos con que las condiciones objetivas del trabajo de los profesionales que trabajan en CMEI, asociados con poco conocimiento sobre el tema, no contribuyen a las referencias. Llegamos a la conclusión de que es necesario la participación de la Secretaría Municipal de Educación, sin olvidar que todas las acciones tienen limitaciones como la violencia doméstica contra los niños también se relaciona con problemas estructurales de la sociabilidad capitalista.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 CONTEXTUALIZANDO A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL ... 19

2.1 A Concepção de Criança e a Educação Infantil no Brasil ... 26

2.1.1 Especificidades e funções da Educação Infantil ... 37

2.1.2 A formação dos profissionais que atuam na Educação Infantil ... 47

2.2 A Educação Infantil em Natal ... 51

2.2.1 A formação dos profissionais que atuam na Educação Infantil no âmbito da Secretaria Municipal de Educação no município do Natal ... 56

3 COMPREENDENDO O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS ... 60

3.1 Modelos explicativos da violência doméstica contra a criança ... 68

3.2 Que terminologia empregar? Que conceituação escolher? ... 71

3.3 Modalidades de violência doméstica contra crianças ... 74

3.3.1 Violência física ... 74

3.3.2 Violência psicológica ... 76

3.3.3 Violência sexual ... 79

3.3.4. Negligência e Abandono ... 81

3.4 A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema de Garantia de Direitos: dois instrumentos na luta contra a violência doméstica infantil ... 83

4 OS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS ... 95

4.1 O referencial teórico-metodológico da pesquisa... 98

4.2 (Re)conhecimento do campo e definições iniciais ... 104

4.3 Concepções e práticas dos profissionais que atuam na Educação Infantil diante da violência doméstica contra a criança ... 115

CONCLUSÕES APROXIMATIVAS ... 137

REFERÊNCIAS ... 142

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1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica contra crianças permeia todas as classes sociais como violência de natureza interpessoal. É uma realidade dolorosa que sempre contou com a condescendência da sociedade. Sua prática remonta a idade antiga e as justificativas que buscam legitimá-la estão fundamentadas em mitos e preconceitos historicamente constituídos.

Os mitos são crenças resistentes a evidências empíricas cuja manutenção se explica por desconhecimento, ignorância ou interesses ideologicamente camuflados1. Nossa sociedade alimenta a falsa ideia de que a família é sem mácula, perfeita, harmoniosa e que a criança precisa de disciplina para se tornar um adulto idôneo. Assim, somos levados a crer, partindo do senso comum2, que todos os pais amam a seus filhos e que são incapazes de fazer-lhes mal.

Porém, tal mito pode ser facilmente desconstruído à medida que observamos as diferentes concepções sobre a infância em diferentes tempos e lugares. A infância não existe como categoria estática, mas muda historicamente com os diferentes contextos sociais, econômicos e geográficos. As crianças de hoje não são exatamente iguais às do século passado, nem serão idênticas às que virão nos próximos séculos. A concepção que nossos pais tinham de nós quando éramos crianças é muito diferente da concepção que possamos ter agora de nossos filhos (ARROYO, 1994).

Existem registros apontando que as práticas realizadas pelos adultos, hoje denominadas de violência doméstica contra a criança, estiveram presentes em diferentes períodos da humanidade. Os relatos históricos apontam que o assassinato de crianças pelos pais era uma prática utilizada

1 Mitos também eram narrativas utilizadas pelos povos antigos para explicar fatos da realidade

e fenômenos da natureza que não eram compreendidos por eles. Os mitos antigos foram a base do pensamento racional.

2 O senso comum descreve as crenças e proposições que aparecem como normal, sem

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nas sociedades antigas. Nos séculos XI e XII a.C. as crianças eram propriedade do pai, que podia dispor sobre suas vidas e morte. Naquele tempo era comum, caso não fossem desejadas, por nascerem com alguma deficiência, por exemplo, serem abandonadas nas estradas. Qualquer adulto que as encontrassem poderia transformá-las em escravas. O abandono e a morte de crianças também aconteciam com vistas ao equilíbrio de sexo, por motivos religiosos ou por corte de despesas financeiras (CUNHA, 2004).

Com o passar do tempo e com o desenvolvimento das ciências, os membros da sociedade começam a recusar este tipo de atitude contra as crianças. O infanticídio foi declarado um crime alvo de punição a partir de 374 d.C. No século XII a Inglaterra promulgou a primeira lei igualando a morte de crianças ao homicídio de adultos (ASSIS, 1994). Mas a aplicação de castigos físicos pelos pais e responsáveis às crianças que os desobedecessem ainda continuava sendo uma prática aceitável. No século XVII, a aplicação de práticas disciplinares rígidas é ressaltada por Guerra (1989). De acordo com a autora, nessa época, havia uma atenção aos dizeres bíblicos, especialmente por parte dos fundamentalistas: “Aquele que poupa a vara, quer mal ao seu filho, mas o que o ama, corrige-o continuamente” (PROVÉRBIOS 13:24), “Castigando-o com a vara, salvará sua vida da morada dos mortos” (PROVÉRBIOS 23:14). Defendia-se, dessa forma, a punição física como método disciplinar, mas não aquela que pudesse levar a criança à morte (GUERRA, 1989). De acordo com Ariès (1981), nesse século, a família e a Igreja utilizaram, com as crianças, o chicote e as correções aplicadas aos condenados das classes mais populares. No entanto, a aplicação destas punições traduzia, segundo este autor, um amor obsessivo à criança.

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denominado o “século das crianças”. Assim, inúmeros esforços foram empreendidos a fim de que este indivíduo fosse protegido, fazendo surgir vários documentos cujo objetivo seria legitimar esta proteção (ARIÈS, 1981).

De fato, desde a segunda metade do século XX, sob o ponto de vista normativo, a proteção integral da criança tem avançado e vem permeando documentos internacionais e ordenamentos jurídicos em todo o mundo. Em 1959 a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU)3 aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, cujo preâmbulo afirma que em decorrência da sua imaturidade física e mental, a criança precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois de seu nascimento.

O contexto da análise das políticas sociais, da assistência e das legislações à infância no Brasil no período histórico compreendido entre os anos 60 e 80 do século XX reflete as continuidade e descontinuidades quanto à garantia dos direitos.

Nos anos 1960, o país se insere na conjuntura de crescente organização dos movimentos populares, que exigiam reformas de base em todas as áreas, ocasionando importantes conquistas. Mas o Golpe Militar de 1964 interrompeu o avanço da democracia no país por mais de 20 anos, afetando diretamente o avanço na esfera da conquista dos direitos civis.

A área infanto-juvenil, durante a Ditadura Militar (1964-1985), foi pautada por dois documentos significativos e indicadores da visão vigente: a Lei que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Lei 4.513 de 1/12/64) e o Código de Menores de 79 (Lei 6697 de 10/10/79).

A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) tinha como objetivo formular e implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor, e se propunha a ser a grande instituição de assistência à infância, cuja linha de

3 Trata-se de uma organização internacional cujo objetivo declarado é facilitar a cooperação em

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ação tinha na internação, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores, seu principal foco.

O Código de Menores de 1979 constituiu-se em uma revisão do Código de Menores de 1927, não rompendo, no entanto, com sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Esta lei introduziu o conceito de "menor em situação irregular", que reunia o conjunto de meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância em "perigo" e infância "perigosa". Esta população era colocada como objeto potencial da administração da Justiça de Menores.

No final da década de 1970 e parte dos anos de 1980, na esteira do processo de redemocratização do país, os movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição ao então regime militar surgiram por diversas regiões, contribuindo para a conquista de direitos sociais novos, inscritos na Constituição de 1988.

Nesta perspectiva, a Constituição Federal do Brasil (CF), promulgada em 1988, determina que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, Art.227)

Portanto, compete ao Estado formular políticas, implementar programas e viabilizar recursos que garantam à criança desenvolvimento integral e vida plena.

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e passou a ter força de lei, reconhecendo as crianças e adolescentes como sujeitos de direito.

Em razão de sua dependência física e emocional em relação ao adulto, para não mencionar sua dependência econômica, a criança detém vários direitos humanos. Tais direitos não devem apenas ser respeitados pelos adultos, antes, faz-se necessário que a sociedade se conscientize sobre seu papel social de proteção à infância.

Assim, com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a concepção de atendimento a criança e ao adolescente mudou, pois essa lei garante que suas necessidades sejam atendidas de forma prioritária, por parte da família, da sociedade e do Estado. Portanto a esse grupo é assegurado direitos especiais, ou seja, ao mesmo tempo em que deve ser protegido, precisa ser respeitado, por causa de sua condição de pessoa humana em desenvolvimento físico, moral e psicológico. (BRASIL, 1990).

As legislações mencionadas acima inserem a criança brasileira no mundo dos direitos humanos e determinam políticas de atendimento e de proteção à criança e ao adolescente, sendo especificadas ainda medidas de punição aos agressores. Mas apesar dos avanços, sabe-se que diariamente milhares de crianças são submetidas as mais variadas formas de violência. Entre elas, a violência doméstica se destaca como um câncer silenciosamente espalhado pelas casas de qualquer cidade.

Em uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da Universidade de São Paulo (USP) entre 1996 e 2007 foi feito um levantamento do número de casos notificados de violência doméstica contra a criança, em três meses do primeiro semestre de cada ano, nas instituições de proteção dos 182 municípios aos quais pertenciam os alunos inscritos num curso oferecido por eles. Os resultados obtidos apontam para 159.754 casos notificados (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007).

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apontaram – numa amostra de 3.885 crianças, a existência de 152 casos de violência doméstica (FALEIROS, 2006).

Dessa forma, é notório que a violência contra a criança no ambiente familiar persiste nos dias atuais, demonstrando a fragilidade da infância brasileira bem como a dificuldade de planejar e executar ações visando o enfrentamento deste fenômeno. Diante do exposto até aqui se evidencia a necessidade urgente de promovermos reflexões e ações que visem ao rompimento do ciclo de violência contra a criança.

A questão da violência contra crianças é, pois, o grande desafio colocado para todos os segmentos da sociedade, conforme está posto na Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Dessa forma, a atuação frente à violência deixa de ser privilégio da segurança pública e da justiça, para ser também responsabilidade dos demais setores governamentais bem como da sociedade civil. Assim, a responsabilidade pela luta contra a violência doméstica dirigida à criança deve ser compartilhada pelas diversas instituições sociais, inclusive pelas instituições educacionais, locais onde as crianças passam boa parte dos seus dias.

Nesse contexto, as instituições educativas infantis especialmente as creches e pré-escolas têm enorme destaque, tendo em vista que os estudos sobre a violência doméstica apontam as crianças da faixa etária atendida pela Educação Infantil como sendo as mais vulneráveis à violência familiar. No entanto, pesquisas indicam que profissionais de creches e pré-escolas têm dificuldades para a identificação do fenômeno e que, no Brasil, a participação dessas instituições na notificação de casos aos órgãos de proteção da infância é muito pequena (AZEVEDO; GUERRA, 2006).

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Que discursos sustentam sua prática? Por que o tema suscita tantas angustias e medos quando os profissionais são chamados a fazer alguma coisa em favor das crianças? Por que muitos profissionais não conseguem ver a violência da qual as crianças são vítimas? Que estratégias poderiam ajudar a dirigir tais questões junto a esses profissionais de modo a tornar efetiva alguma ação nesta área?

Diante dessa realidade, nossa pesquisa teve como objetivo investigar se os profissionais lotados nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) no município de Natal-RN são capazes de identificar possíveis situações de violência doméstica contra as crianças de zero a cinco anos que se encontram nas suas salas de aula e se sabem quais encaminhamentos devem ser adotados quando se deparam com casos suspeitos ou ocorridos.

Os CMEI são instituições educativas infantis, que atendem crianças de zero a três anos (creche) e de quatro a cinco anos (pré-escola), conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que estabelece a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica. Os CMEI foram criados no município de Natal a partir dos anos 1990 na esteira das discussões abertas pela CF sobre o significado e a dimensão das funções da creche e pré-escola, no sentido de superação aos modelos assistencialistas que prevaleceram historicamente. Atualmente a Rede municipal conta com 61 CMEI, atendendo aproximadamente 15 mil crianças.

Geralmente, as crianças passam muitas horas do seu dia no ambiente escolar (no caso específico deste trabalho, nos CMEI) e acreditamos que um profissional atento e com formação adequada será capaz de perceber se uma criança que está sob sua responsabilidade é vítima de violência doméstica, embora as evidências de situações concretas sejam compostas por múltiplos indicadores que dificultam o diagnóstico.

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Educação Infantil como espaço de proteção à criança no que se refere à violência doméstica.

A nossa opção metodológica foi por uma pesquisa qualitativa, utilizando o grupo focal como norteador das questões, proporcionando aos participantes a expressão livre de suas ideias, opiniões e experiências, que foram devidamente registradas em um diário de campo. A decisão pela abordagem dos diferentes profissionais que atuam nos CMEI deu-se no sentido de apreendermos suas concepções e práticas, enquanto grupo, diante da violência doméstica contra as crianças atendidas naqueles espaços educativos.

Para compreendermos quais concepções e práticas existem na Educação Infantil a respeito da violência doméstica contra crianças, mais especificamente no contexto dos CMEI, fez-se necessário uma discussão sobre infância, Educação Infantil e violência doméstica.

Discutir sobre as concepções de infância construídas historicamente nos permitiu compreender que as formas de tratamento, algumas vezes cruéis, que eram dadas à criança no decorrer dos tempos históricos, nem sempre foram vistas como práticas violentas.

A discussão sobre Educação Infantil possibilitou-nos visualizar as modificações ocorridas tanto em termos de legislação quanto em termos de concepções sobre a educação oferecida para a faixa etária compreendida entre zero e cinco anos.

Ao discutir o conceito e as modalidades de violência doméstica contra crianças nos deparamos com concepções que se complementam e aprendemos que há necessidade de refletirmos sobre as especificidades de cada uma delas face ao recorte temático ao qual nos propomos.

Assim, para apresentarmos o percurso desta pesquisa, este trabalho se divide em três capítulos além da Introdução e Conclusões Aproximativas.

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de uma nova identidade para as instituições que trabalham com crianças foi longo e difícil. Durante esse processo, nasce uma concepção de criança, totalmente diferente da visão tradicional. A criança, que por séculos foi vista como um ser sem importância, quase invisível, passou a ser considerada em todas as suas especificidades, dando origem a novas exigências sociais e econômicas, conferindo à criança um papel de investimento futuro. Desta forma, a criança passou a ser valorizada e, portanto o seu atendimento teve que acompanhar os rumos da história. Sendo assim, de uma perspectiva assistencialista, a Educação Infantil transformou-se em uma proposta pedagógica aliada ao cuidar, procurando atender a criança de forma integral, respeitando as suas especificidades. Nessa perspectiva nossa pesquisa propõe uma discussão sobre a evolução histórica da concepção de infância e sua repercussão no atendimento destinado ás crianças em instituições de Educação Infantil.

No capítulo três, buscamos compreender o fenômeno da violência doméstica contra crianças, apresentando-a nas modalidades física, psicológica, sexual, negligência e abandono, a partir da conceituação de violência doméstica como sendo todo ato ou omissão praticado pelos responsáveis da criança contra ela, capaz de causar-lhe dano, seja este intencional ou não.

Por último, apresentamos o porquê da pesquisa, as estratégias adotadas e as incursões feitas em campo, justificando a relevância desse trabalho diante da necessidade de estudos que busquem compreender o papel da Educação Infantil no enfrentamento da violência doméstica contra as crianças de zero a cinco anos.

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Na pesquisa de campo buscamos apreender as concepções e práticas dos profissionais que atuam na Educação Infantil através dos grupos focais realizados em cinco encontros com educadores infantis, gestores, coordenadores, merendeiras e auxiliares de serviços gerais, em um total de 31 profissionais que atuam nos CMEI. Os grupos focais foram realizados entre os meses de setembro/2010 e fevereiro/2011.

Esta pesquisa se propõe a ensaiar algumas respostas, a partir do lugar dos próprios profissionais inseridos na Educação Infantil no município do Natal-RN. Pretende compreender como esta demanda chega aos CMEI e as estratégias que vêm sendo utilizadas para enfrentá-la, na esperança de avançar em busca de pistas que nos ajudem a pensar saídas para a violência doméstica da qual nossas crianças são vítimas. Portanto se deu paralelamente ao trabalho que desenvolvemos no Setor de Ações e Projetos (SAPEI) do Departamento de Educação Infantil (DEI), na expectativa de lançar luz sobre a importância dos profissionais que atuam na Educação Infantil enquanto agentes estratégicos na perspectiva de proteção das crianças atendidas nos CMEI no município do Natal-RN.

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2 CONTEXTUALIZANDO A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL

O que vem a ser infância? O senso comum costuma colocar a infância como sendo a fase da vida alegre, despreocupada, o melhor momento da vida. Mas basta olhar ao redor, para ver crianças na rua, sofrendo violências de todos os tipos. Será possível pensar que esses meninos e meninas não sejam crianças por não possuírem todos os atributos da infância? Para Frota (1995) a ideia da infância como um tempo de felicidade não pode ser garantida para todos. Segundo ele existe uma multiplicidade de infâncias na contemporaneidade, assim como existem diferentes concepções sobre a infância a partir de diferentes pontos de vista teóricos e olhares em nada neutros.

Etimologicamente a palavra infância vem do latim “infantia” e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade estende-se até os sete anos, idade da razão. Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, criança são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade. Já de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), é considerada criança a pessoa até os doze anos incompletos. No entanto, a idade cronológica não é suficiente para caracterizar a infância.

Infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel (FROTA, 2007, p.147).

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partir dos três ou quatro anos já participavam das mesmas atividades dos adultos. Em seus estudos Ariès aponta que, pelo fato da sociedade tradicional da Idade Média não ver a criança como um ser diferente do adulto, só havia registro de crianças em referências biográficas, onde apareciam segundo o olhar de quem contava a história. Por vezes eram citadas também em registros dispersos nos testamentos, diários e documentos funerários.

Heywood (2005), contrapondo-se às ideias de Ariès, mostra que havia uma infância presente na Idade Média e que a Igreja já se preocupava com a educação de crianças desde então. Ele afirma que é possível encontrar indícios de um investimento social e psicológico nas crianças já no século XII. Segundo ele, Ariès foi ingênuo no trato com suas fontes históricas e exagerado ao afirmar a inexistência de infância na civilização medieval, pois nos séculos XIV e XV já existia uma consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos. Este autor diz ainda que a moderna ideia da infância só se cristaliza definitivamente no período histórico compreendido entre os Séculos XVII e XVIII, assumindo um caráter distintivo e constituindo-se como um grupo humano que não se caracteriza nem pela incompletude, nem pela imperfeição, tampouco pela miniaturização do adulto, mas por uma fase própria do desenvolvimento humano.

Esta “evolução” nas concepções sobre a infância veio no bojo da emergência do capitalismo e das consequentes transformações pelas quais passaram a família. Novas necessidades sociais são criadas a partir de então nas quais a criança passará a ocupar um lugar de destaque na dinâmica familiar, saindo dos cuidados das amas para o controle dos pais e, posteriormente, da escola, passando pelo acompanhamento dos diversos especialistas e das diferentes ciências (PETRY; RESMINI; FRANCO; MEIMES, 2010).

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Como se vê, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a noção de “pessoa humana”, por muito tempo o conceito de infância não foi problematizado na construção científica. Sendo a criança um ser em processo de transição para se tornar uma pessoa de fato e de direito, a complexidade da realidade social das crianças foi anulada por demasiado tempo (SARMENTO; PINTO, 1997).

No Brasil, a história da infância se confunde com a história da exploração e do abandono, visto que desde seus primórdios há diferenciação entre as crianças, segundo sua classe social. E a entrada na Modernidade4 não trouxe muita diferença para os pequenos brasileiros. O sonho de infância feliz não parece ter sido vivido pelos “menores”.

O termo “menor” foi inicialmente utilizado para designar uma faixa etária associada, pelo Código de Menores de 1927, às crianças pobres, passando a ter, posteriormente, uma conotação valorativa negativa. Menores eram aquelas crianças em situação de pobreza, a qual se associava uma provável marginalidade, pertencentes às famílias com uma estrutura diferente da convencional5. Os "menores" foram entregue aos cuidados do Estado, que tratou de institucionalizá-los, submetendo-os a tratamentos cruéis e preconceituosos.

Por entender o “menor" como uma ameaça à sociedade, o primeiro Código de Menores, acabou por considerar tais crianças menos humanas, menos crianças do que as outras. Felizmente, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi abolido e todas as crianças foram reconhecidas como sujeitos de direitos, com necessidades específicas, decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e que, por conta disso, deveriam receber uma política de atenção integral a seus direitos construídos social e historicamente (RIZZINI, 2000).

4 Por Modernidade

entende-se o “período histórico que começou na Europa Ocidental no séc. XVII com uma série de transformações sócio estruturais e intelectuais profundas e atingiu a maturidade primeiramente como projeto cultural, com o avanço do iluminismo e depois como forma de vida socialmente consumada com o desenvolvimento da sociedade industrial capitalista (e depois comunista)" (BAUMAN, 1999, p. 299-300).

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Ocorre que a distinção entre infância e idade adulta, produzida pela modernidade ocidental, não corresponde a uma só ideia da infância. Não há uma natureza universal da infância, tampouco a evolução das concepções da infância ocidental equivalem ao que ocorre noutras partes do mundo. As concepções de infância variam de acordo com a cultura, o espaço geográfico, a classe social, o grupo étnico, a religião predominante ou até mesmo de acordo com o nível de instrução.

Por isso, o estudo das concepções da infância deve levar em conta os fatores de heterogeneidade que as geram, sem esquecer que sempre haverá em um dado contexto espaço-temporal, uma concepção que se torna dominante. E para não se deixar ofuscar pela luz que procede das concepções sobre a infância que não são expressas por palavras, mas que se apresentam de outras formas torna-se indispensável o estudo dessas concepções sob a forma de imagens sociais.

Sarmento (2007) comenta algumas dessas imagens, lembrando que elas não correspondem a etapas históricas, mas coexistem e sobrepõem-se. São elas: a imagem da criança má, baseada na ideia do ‘pecado original’ e associada à conceituação do corpo como uma realidade a ser controlada; a imagem da criança inocente, fundada no mito romântico da infância como a idade da pureza e da bondade; a imagem da criança imanente, na qual a criança é uma tabula rasa a ser moldada pela sociedade; a imagem da criança naturalmente desenvolvida, que sofre um processo de maturação e se desenvolve em estágios e, ainda, a imagem da criança inconsciente, que tem em Freud e na Psicanálise a sua referência. O autor prossegue na sua reflexão afirmando que essas imagens da infância não são compartimentos estanques, mas dispositivos interpretativos que se revelam no plano da justificação da ação dos adultos com as crianças.

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(modelo convencional) e com a ideia do amor materno incondicional. Neste sentindo, a ideia de família, maternidade e paternidade que conhecemos hoje é uma construção histórico-social.

Se na sociedade feudal, a criança começava a trabalhar como adulto aos sete anos aproximadamente, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura6. Surgem assim as primeiras propostas de educação e moralização infantil.

Na Idade Moderna a visão que se tinha da criança foi modificada devido às mudanças sociais e intelectuais trazidas pela Revolução Industrial, o Iluminismo7 e a constituição de estados laicos. É provável que as rápidas e profundas mudanças nas circunstâncias sociais, culturais e econômicas tenham evidenciado os problemas relacionados às infâncias e às condições de vida das crianças, fazendo com que estas temáticas merecessem uma análise qualificada no campo científico e consequentemente, contribuído para a mudança nas concepções sobre a infância (COSTA, 2008).

A ciência moderna ainda não havia triunfado e a educação nascia com uma função prática, ora de disciplinar, ora de proporcionar conhecimentos técnicos que, posteriormente, configuram uma escola para a elite e outra para o povo.

No Século XVII John Locke defendia a educação na sua acepção disciplinar, onde o aprendizado se concretizava por meio do melhor método aplicado, resultando no desenvolvimento da capacidade mental de uma pessoa e na formação de seu caráter (CAMBI, 1999).

No século XVIII Rousseau publica a obra “O Emílio” (1762) onde a função da educação se caracterizava por uma concepção de mundo baseada na igualdade, no respeito ao indivíduo, não impondo a este nenhum padrão institucional de aprendizado que o moldasse ao ambiente social vigente. A

6 Lógico que esta postura se dava para com as crianças da classe burguesa. As crianças filhas

dos(as) trabalhadores(as) começavam a trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família.

7

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educação deveria ser desenvolvida no cotidiano dos afazeres laborais, sem restrições ou métodos preestabelecidos. Segundo ele a educação não deveria instruir e sim permitir que as tendências naturais chegassem aos seus resultados. A teoria naturalista da educação de Rousseau culminou na chamada “educação nova”8, o que desencadeou posteriormente na concepção psicológica, sociológica e científica da educação (CAMBI, 1999).

Depois de Rousseau a educação produziu uma teorização pedagógica cada vez mais atenta para o valor da infância. São sucessores de Rousseau e propagadores de suas teorias sobre a educação: Pestalozzi, Froebel e Herbart (CAMBI, 1999).

O pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), influenciado pela concepção naturalista de Rousseau, solidificou a ideia da educação como instrumento de regeneração social. Destacou, também, a importância da educação em massa, colocando em evidência o indivíduo a ser educado, enquanto membro da sociedade. A sua pedagogia considerava o papel do professor como fundamental e produziu a convivência com uma pluralidade de métodos.

O filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) focalizou suas ideias no método de ensinar, e não na pessoa do aprendiz. Ao contrário de Rousseau, valorizava os elementos externos da aprendizagem, que transcendiam o educando no processo educativo. Na sua teoria, o professor e o processo de instrução são realçados.

O educador alemão Friedrich Froebel (1782-1852), com a publicação de sua obra “Educação do homem” em 1826, contrapõe-se ao pensamento de Herbart. Froebel preocupou-se especificamente com desenvolvimento e possibilidades educativas adotadas na infância, apontando a escola como a instituição onde a criança descobrirá a sua própria individualidade, realizando sua personalidade e desenvolvendo o seu poder de iniciativa e execução.

Pestalozzi, Froebel e Herbart foram os três mais importantes pedagogos do século XIX, visto que ofereceram os fundamentos para que a

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criança se tornasse o sujeito educativo por excelência, “reclamando o ‘jardim de infância’ ao lado da escola, porque é justamente na idade pré-escolar que se desenvolve o germe da personalidade humana” (CAMBI, 1999, p. 387).

No curso do século XIX tanto as ciências humanas quanto as instituições educativas burguesas colocaram a criança cada vez mais no centro da pedagogia. A criança foi então assumida na sua especificidade psicológica e na sua função social. A infância foi vista como uma idade radicalmente diferente em relação à adulta e este conhecimento tornou-se tão dominante que o século XX foi considerado “o século da criança”.

Dessa forma, a educação das crianças em estabelecimentos específicos de Educação Infantil vem crescendo no mundo inteiro e de forma bastante acelerada, seja em decorrência da necessidade da família contar com uma instituição que se encarregue do cuidado e da educação de seus filhos pequenos, principalmente quando os pais trabalham fora de casa9, seja pelos argumentos advindos das ciências que investigaram o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

Em termos históricos, as concepções educacionais podem ser classificadas em tradicionais e renovadoras. A primeira tendência foi dominante até o final do século XIX. A característica própria do século XX é exatamente o deslocamento para a segunda tendência que veio a se tornar predominante.

As correntes tradicionais desembocavam sempre em uma teoria do ensino. Pautando-se pela centralidade da instrução (formação intelectual) pensavam a escola como uma agência centrada no professor, cuja tarefa é transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade segundo uma gradação lógica, cabendo aos alunos assimilar os conteúdos que lhes eram transmitidos.

Por sua vez, as correntes renovadoras, desde seus precursores como Rousseau e, de alguma forma, também Pestalozzi e Froebel, desembocam sempre na questão de como aprender, isto é, em teorias da aprendizagem, em

9 Sem dúvida, em finais do século XIX e início do século XX com as lutas feministas por

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sentido geral. Pautando-se na centralidade do educando, concebem a escola como um espaço aberto à iniciativa dos alunos que, interagindo entre si e com o professor, realizam a própria aprendizagem, construindo seus conhecimentos.

Essa tendência ganha força no início do século XX torna-se hegemônica sob a forma do movimento da Escola Nova até o início da segunda metade daquele século e, diante das contestações críticas que enfrenta, assegura seu predomínio assumindo novas versões, entre as quais a pedagogia produtivista10, a concepção libertária11, as pedagogias críticas12 (SAVIANI, 2011).

A concepção de educação aqui defendida vê a criança como um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas, capaz de interagir e aprender através de trocas sociais com outras crianças e adultos (BRASIL, 1998).

Assim, considera-se que a Educação Infantil terá um papel cada vez maior na formação integral da criança, no desenvolvimento de sua capacidade de aprendizagem e na elevação do nível de inteligência, mesmo porque inteligência não é herdada geneticamente nem transmitida pelo ensino, mas construída pela criança, a partir do nascimento, na interação social mediante a ação sobre os objetos, as circunstâncias e os fatos (VIGOTSKY, 1998).

2.1 A Concepção de Criança e a Educação Infantil no Brasil

Estudos e pesquisas apontam que a infância é uma importante fase para o desenvolvimento integral da criança (VIGOTSKY, 1998; PIAGET, 1978; LURIA; YODOVICH, 1985). Com base nessa constatação, a Educação Infantil adquiriu importância crescente no cenário das políticas sociais brasileiras.

10 Orientação pedagógica inspirada na teoria do capital humano, cujo pressuposto central é que

a educação é um investimento que permitirá ao indivíduo aumentar seus rendimentos (ALMEIDA; PEREIRA, 2011).

11 Desempenhou um papel importante na pedagogia do movimento operário. Segue a

tendência filosófico-política da educação como transformação da sociedade (SILVA, 2011).

12 Operaram como contraponto às ideias sistematizadas na teoria do capital humano, buscando

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Muitos estudos vêm mostrando a importância desse período para o lançamento dos alicerces de um desenvolvimento integral, sadio e harmonioso da criança, do jovem e do adulto. A produção acadêmica sobre o tema tem aumentado, bem como também a consciência da necessidade de uma política de Educação Infantil, integrada e articulada nas três esperas de governo: União, estados e municípios (FONSECA, 1999, p.198).

As primeiras iniciativas voltadas à criança em instituições brasileiras tiveram um caráter higienista e o trabalho – realizado por médicos e damas beneficentes – se dirigia contra o alto índice de mortalidade infantil.

Até meados do século XIX praticamente não existia no Brasil um atendimento às crianças pequenas em instituições como creches e pré-escolas e as poucas instituições existentes tinham como objetivo precípuo suprir as necessidades de alimentação, higiene e segurança física das crianças pertencentes às famílias de baixa renda.

Mas apesar do que muitas pesquisas tentam demonstrar, a concepção médico-higienista não era hegemônica. A influência religiosa, assim como a jurídico-policial13 também marcariam as concepções presentes nas instituições pré-escolares nesse período histórico (SOUZA, 2007).

Os primeiros jardins de infância brasileiros, voltados para a elite, foram criados no Rio de Janeiro e em São Paulo, inspirados nas ideias do educador alemão Froebel. No setor privado, encontram-se as primeiras experiências com jardim de infância no Colégio Menezes Vieira no Rio de Janeiro, desde 1875, e na Escola Americana em São Paulo, desde 1877.

Em 1877, os presbiterianos fundaram um jardim de infância na cidade de São Paulo. De acordo com o seu diretor, o reverendo Chamberlain, o jardim das crianças, será baseado no sistema Froebel e tem por fim o desenvolvimento intelectual desde a

13 Esta concepção estava ligada à ideia de infância moralmente abandonada e tinha como

objetivo evitar a criminalidade que estaria relacionada à pobreza, percebida como uma ameaça à tranquilidade das elites.

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mais tenra idade, por métodos intuitivos e naturais, tendo sempre em vista as necessidades físicas das crianças, atraindo-as ao conhecimento e desenvolvimento das faculdades observadoras, sem fadigas, sem desgostos, sem estudos forçados, sem constrangimentos dos corpos, aprendendo dos próprios brinquedos e alcançando assim os benéficos efeitos da disciplina e do uso dos sentidos (RAMALHO, 1976, p. 84-85).

Embora houvesse referências à implantação de jardins-de-infância para atender à pobreza, estas não encontravam o menor eco em iniciativas concretas. Em São Paulo, o jardim-de-infância da Escola Normal Caetano de Campos, ligado ao setor público, foi inaugurado apenas em 1896, mais de vinte anos depois das fundações das primeiras experiências da iniciativa privada neste sentido. No Rio de Janeiro, as primeiras propostas de instituições pré-escolares para as crianças de menor poder aquisitivo aparecem somente em 1899, com a inauguração da creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado. “Esta foi a primeira creche brasileira para filhos de operários de que se tem registro. Neste ano, também ocorreu a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro” (SOUZA, 2007, p.15).

Porém, o desconhecimento dos objetivos da pré-escola e, consequentemente, de sua função educativa, levou diversos segmentos da sociedade brasileira a associar todas as instituições infantis à casas assistenciais de cunho religioso. Para o senso comum o jardim de infância não passava de uma instituição de caridade para crianças desvalidas (KISHIMOTO, 1988).

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próximas ao trabalho das operárias, de forma a facilitar o atendimento ao lactante (VASCONCELOS, 2005).

Ressalte-se que tais medidas visavam permitir o trabalho das mulheres em uma conjuntura na qual o governo brasileiro passa a investir na industrialização do país (modelo urbano-industrial) e consequentemente passa a se preocupar com a legislação trabalhista e social. Assim, é entre os anos 20 e 30 do século XX que surgem as primeiras medidas de proteção social (CAP’s – Caixas de Aposentadoria e Pensão, regulamentação do trabalho feminino, etc).

Ressalte-se ainda que tais mudanças também derivam de um processo crescente de organização dos trabalhadores influenciados pelas ideias anarco-comunistas trazidas pelos imigrantes europeus que chegaram ao Brasil a partir de incentivo do governo brasileiro por ocasião da libertação dos escravos, na tentativa de ter mão-de-obra mais qualificada e de “branquear” o povo brasileiro. Assim, o processo de organização dos trabalhadores também forçou o governo a adotar medidas de cunho social e trabalhista (DA MATTA, 1989).

Nesta época a Educação Infantil era vista como uma solução para os problemas sociais relacionados à criança, por isso destinava-se às crianças das classes populares e se constituía em um meio de promover a organização familiar e de dar condições para que as mães pudessem trabalhar. Assim, a Educação Infantil era vista como um direito da mãe trabalhadora e não da criança.

As discussões sobre assistência social e creche como uma necessidade e direito da mãe trabalhadora, avançaram no início do século XX, denunciando, nas práticas de atendimento à criança pré-escolar, que a sociedade brasileira não estava preparada para ver a infância como um lugar de necessidades e direitos. Neste período, calcada na concepção naturalista-moralista14, a criança é representada pela ideia de que precisa ser recuperada ou reconstruída para a sociedade, por meio de processos pedagógicos.

14A criança é vista como um ser bom, puro, perfeito, do qual o ‘bom selvagem’ de Rousseau é

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Neste mesmo período histórico outra concepção se revela em muitas práticas e propostas educativas. Esta concepção preconiza a salvação da criança dos efeitos da urbanização e da indústria e se caracteriza por recolher a criança em um infantilismo apenas lúdico e passivo.

No período de 1930 a 1970, o país começa a se munir de instituições dedicadas à educação e ao cuidado de crianças pequenas. Em 1947, verifica-se em São Paulo uma tentativa de expansão da rede pública de ensino primário, que culminou em 1950 com a criação do Serviço de Educação Primária, voltado à assistência psicológica e pedagógica, e a atividades de expressão corporal e recreação, além de prestar assistência à vida familiar para a escolarização de crianças, pois os índices de repetência já eram altíssimos. Ocorreu a expressiva formação de classes infantis junto a estes estabelecimentos escolares primários com o objetivo de preparar as crianças para a entrada na educação formal. No entanto, essas classes infantis ainda não dispunham de equipamentos, instalações e corpo docente apropriado. A educação pré-primária, como era chamada, despontava como um idealismo de poucos e encontrava pequeno apoio social e político (COSTA, 2003).

Contudo, os jardins de infância só foram incluídos no Sistema de Ensino a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/1961). Essa mudança se insere na conjuntura de crescente organização dos movimentos populares nos anos 1960, que exigiam reformas de base em todas as áreas e que traz modificações importantes no campo educacional15. Tais mudanças fazem com que a procura por jardins de infância aumentasse no país.

Em 1964, a partir de um golpe, se instaura no Brasil, a Ditadura Militar (1964-1985). Durante o Regime Militar, o assistencialismo e o tradicionalismo são criticados e à educação são impostas algumas recomendações, propostas para os países do Terceiro Mundo16 por órgãos internacionais como: UNICEF

15 Entre as experiências inovadoras na área educacional nos anos 60 do século XX no RN,

teremos a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, na cidade de Natal/RN e “As 40 horas de Angicos/RN”, baseada no método Paulo Freire (Ver a este respeito GERMANO, 1989).

16 Tais propostas se esgotam, sobretudo porque a ordem capitalista temia o surgimento de

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(Fundo das Nações Unidas para a Infância), FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) e OMS (Organização Mundial de Saúde). Estes órgãos tinham como objetivo anunciado resolver o subdesenvolvimento dos países pobres, no qual o Brasil estava incluído, atribuindo tal subdesenvolvimento à falta de assistência, saúde, educação e nutrição. (FONSECA, 1999).

Com o Regime Militar, o Brasil ingressa em um sistema de internacionalização do mercado interno e os governos se voltam cada vez mais para a educação escolar das classes populares, visto que era preciso qualificar a força de trabalho para aumentar a produção. Na visão dos militares era preciso “purificar” as classes populares e suas novas gerações da educação “subversiva”, dando-lhes uma educação cívica, patriótica e purificada das ideologias estranhas ao “amável e cordial” povo brasileiro (GERMANO, 1989).

A visão de criança pobre, carente e incapaz foi legitimada pela sociedade capitalista através das políticas governamentais, tecendo práticas pedagógicas calcadas na exclusão e na marginalização dos filhos da classe trabalhadora enquanto aos filhos da elite e da classe média reservou-se uma educação de cunho humanista e pragmático visando torna-los os dirigentes desta sociedade exploradora. Sabe-se que este modelo educacional burguês tem como principal objetivo a formação de trabalhadores para a reprodução do sistema do capital. Desta forma, as políticas educativas que deveriam orientar uma educação que possibilitasse o desenvolvimento máximo das capacidades da criança pobre, acabam por considerá-las apenas como futura mão-de-obra e não como sujeito em formação.

Este grande investimento na educação escolar dos filhos da classe trabalhadora teve que ser repensado diante dos altos índices de repetência e evasão das crianças da classe pobre. Diante disso, visando suprir as supostas carências culturais17 existentes na educação familiar da classe trabalhadora, as políticas educacionais passaram então a investir na educação pré-escolar,

17 Acreditava-se que o meio social no qual viviam as crianças, filhas da classe trabalhadora,

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destinada a crianças de quatro a seis anos, ocasionando o aumento da demanda para o atendimento às crianças pequenas.

Contudo, essas pré-escolas não possuíam um caráter formal e o trabalho pedagógico era desenvolvido por voluntários, sem qualificação profissional. Nesse contexto, as creches públicas ficaram vinculadas, por um longo período, a um caráter assistencialista, provocando um descrédito em relação a esta política educacional. Enquanto isso, as creches particulares desenvolviam atividades educativas, voltadas para aspectos cognitivos, emocionais e sociais (FARIA, 1997).

No final da década de 1970 e parte dos anos de 1980, na esteira do processo de redemocratização do país, os movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição ao então regime militar surgiram por diversas regiões, contribuindo para a conquista de direitos sociais novos, inscritos na Constituição de 1988, entre os quais o direito da mãe trabalhadora de deixar seus filhos sob a guarda de uma instituição que lhes garantisse cuidados e educação adequados.

Assim, na Constituição Brasileira de 1988 houve o reconhecimento da educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado, a ser cumprido pelos sistemas de ensino (BRASIL, 1988).

Desta forma, o atendimento à criança de zero a cinco anos e onze meses tem experimentado, no decorrer dos últimos vinte anos, profundas mudanças no Estado brasileiro, havendo um avanço significativo no entendimento sobre a criança e seu processo de desenvolvimento, cabendo à Educação Infantil atendê-la com ações complementares à família.

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente incorporou as conquistas determinadas pela Constituição de 1988 e em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) veio impulsionar os diferentes setores educacionais a repensarem um novo modelo de Educação Infantil (BRASIL, 1990; 1996).

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até cinco anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996, art. 29).

Como dever de Estado, a Educação Infantil deverá ser ofertada em creches (de zero a três anos) e pré-escolas (de quatro a cinco anos) em jornada de horário integral ou parcial (conforme o art.54 do ECA e o art.30 da LDBEN). Para atender a esta determinação, novas concepções acerca do desenvolvimento infantil são adotadas e, consequentemente, as propostas pedagógicas existentes são modificadas.

Assim, em 1998 o Ministério da Educação (MEC), no contexto da definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)18, elabora o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI), que se constitui em um conjunto de orientações e referências pedagógicas para a ação docente. De acordo com este Referencial a prática da Educação Infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam uma imagem positiva de si, descobrindo e conhecendo progressivamente seu próprio corpo, além de estabelecerem vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças. (BRASIL, 1998).

No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), que, articuladas com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, reúnem princípios, fundamentos e procedimentos para orientar as políticas públicas na área e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares (BRASIL, 1999). Tanto os RCNEI quanto as DCNEI têm subsidiado a elaboração de novas propostas pedagógicas nas instituições de Educação Infantil.

Com a perspectiva de estabelecer diretrizes educacionais para a educação brasileira, foi instituído o Plano Nacional de Educação (PNE) através da Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001.

(35)

Segundo consta neste Plano

[...] o atendimento de qualquer criança num estabelecimento de Educação Infantil é uma das mais sábias estratégias de desenvolvimento humano, de formação da inteligência e da personalidade, com reflexos positivos sobre todo o processo de aprendizagem posterior (BRASIL, 2001, p. 42)

O PNE ressalta a educação como fator de direito, de desenvolvimento pessoal, social e de inclusão social, no que compete à Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica.

Este instrumento delegou competência aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para elaborarem seus respectivos Planos Decenais de Educação.

Diante disto, o MEC em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e as secretarias estaduais de educação realizou, em 2004, uma série de seminários regionais para discutir a formulação das novas políticas públicas para a Educação Infantil. Nesse contexto, foi aprovado o Plano Municipal de Educação de Natal-RN, para o período de 2005 a 2014 (Lei nº 5.650/05).

Em 2006, o Ministério da Educação apresenta a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito de crianças de até seis anos à educação, traçando diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a área, deixando claro o seu papel educacional.

Recentemente, mais precisamente em meados de 2009 aconteceu a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, tendo em vista as mudanças ocorridas nos últimos dez anos. Ainda em 2009 foi instituída a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, através do Decreto nº 6.755 de 29 de Janeiro de 2009.

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Ressalte-se que tais medidas também são resultado de lutas da sociedade civil através de movimentos sociais ligados a educadores e profissionais que trabalham com crianças e adolescentes.

Ainda nesta perspectiva, durante todo o ano de 2009, aconteceram debates nas escolas, nos municípios e nos estados em preparação à Conferência Nacional de Educação (CONAE), que aconteceu de 23 a 27 de abril de 2010 em Brasília, cujo tema central foi a construção de um Sistema Nacional de Educação.

A CONAE teve o desafio de definir diretrizes para o novo Plano Nacional de Educação que vai vigorar de 2011 a 2020, de modo que o novo PNE seja objetivo nas metas e nas formas de implementação para que possa ser operativo.

(37)

Tabela 1: Número de matrículas da Educação Infantil Brasil 2002-2010

Ano Total Creche Pré-escola

2002 6.130.358 1.152.511 4.977.847

2003 6.393.234 1.237.558 5.155.676

2004 6.903.762 1.348.237 5.555.525

2005 7.205.013 1.414.343 5.790.670

2006 7.016.095 1.427.942 5.588.153

2007 6.509.868 1.579.581 4.930.287

2008 6.719.261 1.751.736 4.967.525

2009 6.762.631 1.896.363 4.866.268

2010 6.756.609 2.064.653 4.692.045

Δ% 2002-2010 10,2 79,1 -5,7

Fonte: MEC/Inep/DEED

Em 2010, o MEC enviou o Plano Nacional de Educação ao Congresso Nacional. Nele estão as 20 metas e estratégias para melhorar a educação brasileira nos próximos dez anos. Em 2011 será lançado o novo Plano Nacional de Educação, obrigando estados e municípios a reverem seus respectivos Planos Decenais de Educação.

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2.1.1 Especificidades e funções da Educação Infantil

A Constituição Federal (CF) em seu artigo 205 reconhece o acesso à Educação como um dos direitos sociais. O texto constitucional afirma que esta é direito de todos e dever do Estado e da família (BRASIL, 1988). Esse mesmo direito é reafirmado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

A criança e o adolescente têm direito à educação,

visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,

preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (BRASIL, 1990, art.53).

No que concerne à Educação Infantil, a CF, em seu artigo 208-IV determina que "o dever do Estado com a educação às crianças de zero a seis anos será efetivado mediante garantia de atendimento em creche e pré-escola." Por sua vez, o ECA no artigo 54-IV, também ratifica que "é dever do Estado assegurar [...] atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL 1988; 1990).

A LDBEN, em seu artigo 4º-IV, confirmou, mais uma vez, que o atendimento gratuito em creche e pré-escola a crianças de zero a seis anos de idade, é dever do Estado. Deixou claro, também, no artigo 11-V, que o atendimento a essa faixa etária está sob a incumbência dos municípios, determinando que todas as instituições de Educação Infantil estejam inseridas no sistema de ensino. Esta Lei ainda esclarece em seu artigo 30-I e II que a Educação Infantil, como parte integrante da primeira etapa da educação básica, foi dividida em creche (zero a três anos) e pré-escola (quatro a seis anos) (BRASIL, 1996).

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idade, isto só aconteceu de fato pela Lei nº 10.172/2001, que instituiu o ensino fundamental de nove anos de duração com a inclusão das crianças de seis anos de idade. Apesar da importância dessa decisão política, o que aconteceu foi simplesmente a transferência da criança de seis anos para o ensino fundamental. Na prática, a Educação Infantil passou a ser um direito das crianças de zero a cinco anos, mas sem a obrigatoriedade de oferta. Somente em 2008, a Lei nº 11.700/2008 torna a educação básica obrigatória a partir dos quatro anos de idade (BRASIL, 2007).

A partir deste ordenamento legal19 e também das contribuições trazidas pelas “descobertas” a respeito da criança, estudiosos e pesquisadores debruçaram-se sobre esse tema, buscando tanto compreender esse contexto de mudança em todos os seus aspectos como também contribuir para a construção de uma política nacional de Educação Infantil realizada por profissionais com capacitação específica e acessível a todas as crianças.

Contudo, esta apresentação sucinta do ordenamento legal nos permite levantar algumas questões sobre as especificidades desta etapa de ensino, visto que, ao mesmo tempo em que a Educação Infantil é colocada como parte da educação básica, é dividida em creche e pré-escola. Afinal, a Educação Infantil é uma instituição escolar ou não?

De forma geral, o contexto das instituições de Educação Infantil, é diferenciado do contexto dos demais níveis do sistema regular de ensino. Ao mesmo tempo em que se constituem como instituições de caráter primordialmente educativo, no qual o projeto pedagógico é instrumento fundamental para a sua consolidação, distanciam-se da concepção de instituições escolares, no sentido tradicional do termo.

Segundo Costa (2003) o que diferencia o contexto escolar do contexto da Educação Infantil é a função social que lhes é atribuída no contexto social mais amplo. De acordo com ela cada um desses níveis de ensino guarda características próprias, relacionadas à sua história, organização,

19 A LDBEN reconheceu a importância da Educação Infantil ao defini-la como a primeira etapa

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finalidade, que merecem abordagens específicas, portanto, não se trata de uma diferenciação hierárquica ou qualitativa.

Na Educação Infantil a criança deve ser tomada como ponto de partida, como sujeito integral, compreendendo que

"para ela, conhecer o mundo envolve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brincar e o movimento [...] que para ela, a brincadeira é uma forma de linguagem, assim como a linguagem é uma forma de brincadeira" (KUHLMANN, 1999, p. 65).

Essa perspectiva pedagógica acentua que a educação realizada com crianças nessa faixa etária tem suas especificidades. Não se está tratando aqui de uma contraposição aos demais níveis de ensino, nem negando o significado da inclusão das creches e pré-escolas ao Sistema Regular de Ensino, mas de está tentando definir de forma clara a especificidade da Educação Infantil.

Evidencia-se uma contradição entre a legislação que coloca a Educação Infantil como parte integrante do sistema escolar, e a política educacional, que a define como instituição educativa, sem caráter escolar.

[...] enquanto a LDB afirma o caráter escolar da creche, os documentos produzidos em órgãos de planejamento e execução da política educacional enfatizam que é no binômio educar e cuidar que devem estar centradas as funções

complementares e indissociáveis dessa instituição

(NASCIMENTO, 1999, p. 102).

(41)

Nascimento (1999) chama a atenção para o fato de que uma estruturação escolar por si só não dá conta da operacionalização de modelos de atendimento à criança com o caráter multifacetado que pressuporia a integração de ações de Saúde, Educação, Assistência Social e Cultura.

A este respeito, vale lembrar que o 'Estatuto da Criança e do Adolescente' e a 'Lei Orgânica da Assistência Social' são aportes legais a serem considerados; eles pressupõem, por exemplo, o atrelamento das creches aos Conselhos Tutelares e ao Conselho Nacional de Assistência Social (NASCIMENTO, 1999, p. 102).

Neste sentido, observa-se que ao se estudar, falar ou propor medidas para Educação Infantil há que se conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Política Nacional da Criança e do Adolescente (PNCA) assim como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), nas suas diversas ações20.

A partir dessas considerações, observamos que a Educação Infantil, como espaço de vivência tão importante para o desenvolvimento e crescimento infantil, possui uma intencionalidade educativa, mas também uma prática educativa21. A creche e a pré-escola não têm mais como ser pensada fora de um ambiente em que sejam respeitados os direitos da criança. Mas além da questão pedagógica a Educação Infantil necessita ser compreendida na forma como tem se configurado, nesse momento, no contexto brasileiro.

Sendo uma prática tradicionalmente reconhecida como de guarda e proteção à criança pequena, não tem se mostrado uma tarefa fácil romper com essa visão e metodologia de trabalho e iniciar um processo de

20 Adiante teceremos considerações sobre estas políticas que perpassam a discussão da Educação Infantil.

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Tabela 1: Número de matrículas da Educação Infantil Brasil 2002-2010

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