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PARTE I. AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO PARA A

CAPÍTULO 2: O DISCURSO FUNDADOR DO MODELO DE NEGÓCIOS DA

2.3. Interdependência entre gravadoras e difusoras: o comércio de execução de

2.3.2. A televisão no Brasil: o uso estratégico da concentração midiática na

2.3.2.4. Concretização da Som Livre e a interdependência das empresas da

Para concretizar o uso do espaço das novelas como difusor de músicas, a Som Livre foi criada pelo Grupo Globo para produzir e comercializar suas trilhas sonoras. Essa era mais uma etapa bem-sucedida da estratégia de atuação horizontal da empresa, isto é, parte do planejamento que visava constituir ramificações em diversos setores da indústria cultural brasileira. Como método de trabalho, dava-se prioridade à negociação que resultasse em melhor experiência estética para a telenovela e melhor difusão e vendas para os artistas e as gravadoras associadas. Fundada em 1968, e lançando seu primeiro produto em 1971, a Som Livre se tornaria líder de mercado em menos de dez anos, “por conta, justamente, do seu pertencimento às Organizações Globo e, especialmente, a um modo muito particular de atuação” (TOLEDO, 2010, p. 18). Por “modo particular de atuação” entende-se que a gravadora foi criada sem investimentos em estúdios, fábricas e prospecção de artistas, visto que, desde o início, posicionou-se como uma empresa especializada na produção e comercialização de trilhas sonoras, fazendo uso de fonogramas de artistas que já trabalhavam para outras empresas do setor.

O processo de criação da Som Livre foi conduzido por João Araújo, que o explicou ao jornalista Sanches, em abril de 2009:

“As primeiras [trilhas sonoras] foram feitas na Phillips e eu entrei porque a Globo e a Phillips brigaram, não entraram a um acordo para a renovação. A Globo não podia parar. Não podia ficar dependendo de gravadoras para ter suas trilhas sonoras. [...] Não pensou em nada mais, nada menos que nas trilhas

sonoras. [...] Eu tinha formado na minha cabeça esse modelo de gravadora que é a Som Livre, que era rentabilizar o tempo ocioso que toda TV tem e normalmente é aproveitada pelos departamentos comerciais das TVs para dar como bonificação ou usar em projetos que não vendiam nada. Esse negócio de rentabilizar era poder fazer algum tipo de empresa que fosse ligada ao entretenimento, e a música era muito chegada à Globo, estava muito presente, principalmente nas trilhas de novela” (SANCHES, 2009 apud TOLEDO, 2010, p. 77).

Inicialmente, a Som Livre não conseguiu apoio das demais gravadoras brasileiras, que viam na nova empresa uma grande concorrente em potencial e não imaginavam ainda uma parceria porque não perceptível o potencial das telenovelas e das trilhas sonoras como difusoras de música. Ademais, a Som Livre exigia exclusividade para algumas músicas gravadas, destinadas às suas trilhas, o que correspondia, ao menos, a 30% dos álbuns. Isso dificultava ainda mais as negociações já que, no início da década de 1970, não havia vantagem para as empresas cederem seus artistas, porque não conseguiriam o mesmo lucro, se comparado ao obtido pelos álbuns comuns.

As telenovelas da TV Globo, em pouco tempo, no entanto, ganharam destaque, passando a constituir uns dos melhores meios de difusão de música no país. As gravadoras perceberam que as músicas ali presentes eram veiculadas todos os dias, dentro de uma peça artística bem produzida e como parte de uma história que emprestaria significado a elas, chegando a 80% das residências que mantinham o aparelho de televisão ligado. E, além da exposição dentro da telenovela, a TV Globo reservava espaços publicitários nos intervalos de sua grade de programação, para promover os discos. O Grupo Globo se configurou, então, como produtor e difusor de música, e essa atuação, em diversas frentes, gerou impactos maiores do que geraria isoladamente, despertando o interesse de novas parcerias. Sendo assim, a Som Livre passou a ser a parceira ideal para a promoção de artistas que almejavam fazer parte do grande espaço dedicado a promover as trilhas sonoras, que também os promoveria, mesmo se fossem contratados por outras gravadoras (TOLEDO, 2010, p. 78).

Dessa forma, a trilha sonora se configurava como o ponto inicial de uma rede, que se formava para promover artistas e discos. Ao mesmo tempo em que é um produto específico, também se tornou um veículo promocional das músicas e dos artistas no mercado fonográfico, determinando em grande medida a participação destes em outros veículos, uma vez que estar na telenovela, promovia sua presença nas rádios e em outros

programas de televisão e, todos esses meios, em conjunto, promoviam as vendas de discos (TOLEDO, 2010, p. 121). Por conta disso, a partir da segunda metade da década de 1970, as gravadoras passam a entender que estar presente nas trilhas sonoras era lucrativo, por isso começam a negociar, nos termos exigidos pela Som Livre e pela TV Globo. Não era viável, portanto, ignorar todo o esquema de divulgação criado pelo Grupo Globo, já que participar das trilhas sonoras se configurava como a melhor alternativa para estarem presentes em milhões de residências que acompanhavam as telenovelas.

Quando as parcerias foram consolidadas, a maior parte do trabalho era decidir quais músicas entrariam na trilha, quais artistas de grande público e prestígio seriam inseridos, quais novos artistas seriam lançados. Segundo Toledo, além das informações sobre os personagens, que facilitavam a escolha das músicas para os sonoplastas, “havia um grupo de discussão para a escolha das canções, envolvendo autores, diretores, etc., sendo que apenas o tema de abertura, por conta da sua especificidade e do espaço que representa, era decisão de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho [diretor geral da TV Globo à época]” (TOLEDO, 2010, p. 109).

A estratégia da Som Livre rapidamente mostrou resultado. Em 1975, a empresa já correspondia a 56% do mercado de discos mais vendidos; em 1976, assumiu a liderança do mercado nacional como um todo, e alguns de seus discos venderam mais de um milhão de cópias (TOLEDO, 2010, p. 107). Como aponta Toledo, foi em um “período de fusões, de concentração da produção no âmbito de poucas empresas, do domínio das multinacionais do disco no mercado fonográfico brasileiro, (...) que as trilhas sonoras surgem como um canal particular de difusão e como mercadoria cultural específica” (TOLEDO, 2010, p. 87). Ao apostar nesse produto particular, a Som Livre assume a liderança do mercado de discos, mesmo que seus artistas contratados não tivessem individualmente grande repercussão. Isso se dava porque a estratégia adotada para a divulgação das trilhas sonoras não atingia o mesmo efeito para os artistas contratados, o que faz supor que a preferência dos consumidores era por adquirir mais do que a música de um artista: desejam reproduzir o ambiente e o clima da telenovela em seus domicílios.

O conjunto de fatores (grande audiência, programas melhor finalizados esteticamente, preferência dos anunciantes – que cobriam os altos custos de produção) que inseriu a TV Globo e a Som Livre entre as maiores difusoras e vendedoras de discos no

país era tão específico, que não foi superado por nenhuma das empresas concorrentes que tentaram seguir a mesma estratégia: “Tupi lançou a gravadora GTA (Gravações Tupi e Associados); Bandeirantes lançou a Bandeirantes Discos, enquanto que a Record criou a Seta; todas seguindo o mesmo modelo de anúncios televisivos e divulgação maciça na programação tal qual adotado pela Globo”. Contudo, “nos dados de vendagens dos discos, não há referência a nenhuma dessas gravadoras, o que nos leva afirmar que a importância da trilha sonora no mercado fonográfico estava diretamente relacionada à Som Livre e o alcance da telenovela na grade da TV Globo e da indústria televisiva de uma maneira geral” (TOLEDO, 2010, p. 90).

2.3.2.5 A trilha sonora como estruturante de um modelo de apropriação e de difusão da