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Fim dos anos 90 e a ameaça ao modelo de negócios: o fim do controle sobre a

PARTE I. AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO PARA A

CAPÍTULO 3: AS CRISES POLÍTICO-ECONÔMICAS E A CONSOLIDAÇÃO DA

3.5. Fim dos anos 90 e a ameaça ao modelo de negócios: o fim do controle sobre a

Se pudéssemos imaginar o pensamento dos diversos executivos do mercado fonográfico, o mais provável seria encontrar otimismo, após verificarem forte crescimento, registrado por cinco anos seguidos. Talvez tivessem a expectativa que esse cenário perdurasse por mais tempo, enquanto a economia fosse capaz de superar crises internas e externas. Isso, de fato aconteceu, mas o final dos anos 1990 anunciou ao mercado fonográfico uma reviravolta pouco previsível em escala, impacto e duração. Dessa vez, a crise não viria em decorrência de flutuações econômicas ou de descrédito da condução política do país, mas da impossibilidade de continuar controlando a tecnologia básica, que permitia a comercialização de cópias de música.

O histórico tecnológico da indústria fonográfica, até meados da década de 1990, revela que a difusão de música era controlável, pois as empresas podiam determinar o número de cópias produzidas e onde elas seriam vendidas. O K7, que permitia a confecção de cópias de maneira relativamente fácil, não perturbava a indústria fonográfica, devido aos suportes de melhor qualidade por ela oferecidos. Então, embora existisse concorrência com vendedores-copiadores de K7, a qualidade oferecida na cópia não era equivalente ao suporte comprado por meios oficiais, o que justificaria o menor preço do produto falsificado. Essa foi, por muito tempo, a principal estratégia para tentar reverter a crescente opção pelos produtos piratas.

O processo de cópia do LP era muito custoso e inviável para os produtores de baixa escala que quisessem vendê-las no comércio informal. O K7, apesar da facilidade no processo de cópia, era considerado um produto de menor qualidade e mais servia como divulgador dos artistas, provocando nos consumidores o anseio pela aquisição de um suporte melhor. O início da mudança nos parâmetros desse controle se deu a partir do lançamento da tecnologia conhecida como Compact Disc, ou CD, que se tornou bastante popular em meados dos anos 1990, representando a maior parte das vendas do setor no período. No gráfico abaixo, é possível perceber a evolução de vendas desse suporte em relação aos demais. A preferência dos consumidores muda rapidamente, reconfigurando o mercado em poucos anos:

Gráfico 4: Total de cópias vendidas entre 1993 e 1997 (em milhões)

Elaboração própria. Fonte: Dados da ABPD

Como é possível observar no Gráfico 4, em 1993, o formato CD já tinha assumido a liderança das vendas no setor e, desse ano em diante, a preferência dos consumidores assim se manteve, ao ponto de, três anos depois, os demais formatos deixarem de ser comercializados, redirecionando todo o mercado ao CD.

Nesse período, a indústria fonográfica ainda detinha pleno controle do número de cópias em circulação e colhia os benefícios de ter apostado na tecnologia digital. Os consumidores apreciavam o som desse suporte, que mantinha qualidade próxima ou superior à do LP, e não apresentava os inconvenientes daquele formato. Os aparelhos de reprodução de CD eram vendidos a preços elevados, no início da produção, mas, rapidamente, tornaram-se acessíveis ao trabalhador médio das grandes cidades, o que ajudou a popularizar ainda mais o novo formato (FRANCO, 1998).

Diferentemente das tecnologias anteriores, o CD tinha possibilidades de uso fora dos contornos da indústria fonográfica, sendo muito usado principalmente na indústria do

software. Por conta disto, a produção dos suportes já não podia ser controlada, visto que

não era a única demandante da tecnologia. Após a popularização do CD, algumas empresas perceberam a viabilidade em atuar apenas na fabricação desse suporte sem, necessariamente, especializar-se na produção de conteúdo – foi o caso da Philips, em 1998, que vende suas empresas de atuação no setor fonográfico e passa a se relacionar com o mercado apenas como produtora/vendedora de suportes e reprodutores.

Tal distinção no controle da tecnologia não se mostrou trivial: por não controlar a demanda pelo suporte, a indústria também não poderia controlar o avanço da tecnologia. Em pouco tempo, as empresas passaram a oferecer reprodutores convencionais de som e, como adicional tecnológico aos aficionados, disponibilizavam, também, mecanismos gravadores de CDs. As empresas produtoras de CD não se viam em um mercado específico, pois tinham como clientes as indústrias fonográficas e de software, bem como o mercado crescente de pessoas que desejavam utilizar o suporte como ferramenta de armazenamento de dados. Com isso, o recurso de cópias de CDs, presente nos computadores domésticos, rapidamente, ganhou a preferência popular. Os usuários desse recurso o demandavam para, principalmente, criar substitutos dos arquivos que mantinham em suas máquinas e para organizar suas próprias bibliotecas de arquivos digitais. Não era um mercado desprezível, visto que a própria Associação Brasileira dos Produtores de Discos atestava, como prova cabal da nova realidade, que a produção de suportes virgens – nome dado ao suporte sem registro algum de dados – era quatro vezes superior à demanda de CDs da indústria fonográfica (ABPD, 2003). Embora já houvesse soado o alarme da necessidade de controle do fluxo de produção de tal suporte, era impossível prever onde os CDs virgens seriam usados, portanto, não era sensato proibir ou restringir a circulação desses produtos.

O CD passou, então, a ser encontrado fora das lojas especializadas, em esquinas, por todas as grandes cidades. Por um quarto, ou até um quinto do preço, as pessoas podiam comprar as obras de seus artistas favoritos, sem que percebessem qualquer perda de qualidade no momento da audição. Os consumidores não se viam prejudicando os artistas, mas aproveitando a oportunidade de ouvi-los por preços mais acessíveis. Como consequência, no final dos anos 1990, a indústria fonográfica enfrenta a desaceleração no crescimento do mercado, culminando em declínio, entre os anos de 1997 e 2001, quando o volume de vendas é reduzido em 33%.

Além de perder o controle sobre a condução da tecnologia CD, em 2001, a indústria sofreria outro revés, com a popularização do MP3. A conjunção de diversas tecnologias autônomas impulsionou a popularidade desse formato de audição musical. Fora de qualquer controle da indústria fonográfica, a viabilidade do MP3 se confirmou ao mesmo tempo em que a internet ganhava escala comercial, alcançando os domicílios de classe média ao redor do mundo. A internet comercial, mesmo com preço elevado e usando protocolos e infraestrutura bastante precários, se comparados com os atuais, rapidamente convenceu sobre seu potencial de aproximar pessoas e de facilitar o compartilhamento de ideias, opiniões, notícias e, também, arquivos de áudio.

Para entrar nesse novo mundo de conexão, eram necessários poucos equipamentos e uma linha telefônica. Apesar de não serem produtos baratos, era possível à classe média comprá-los, alternando, talvez, entre a aquisição de uma nova televisão ou novo aparelho de reprodução de som. De posse desses equipamentos mínimos, bastava acessar a internet e os caminhos para encontrar a música preferida eram indicados facilmente, a custo praticamente zero.

Aos participantes da rede mundial, era desejável o acesso aos novos conteúdos, cabendo aos empreendedores digitais a tarefa de facilitar essa conexão. Com esse intuito, ainda no ano 2000, surgem softwares capazes de promover o compartilhamento de música, sendo o Napster, o mais famoso entre os aplicativos disponíveis. Por sua facilidade de uso, tal aplicativo alcança milhões de usuários e volume de trocas muito além de qualquer precedente, no que diz respeito à pirataria – em janeiro de 2001, oito milhões de pessoas se conectavam à rede e trocavam mais de 2,9 bilhões de arquivos naquele ano (O CAMINHO... 2001).

Trocar músicas, todavia, ainda era demorado – um arquivo de média qualidade poderia demorar até três horas para ser transmitido –, mas não estava em questão a velocidade da troca, pois o importante era participar de um grande acervo de músicas de todas as partes do mundo, desde as mais populares, às que representavam nichos e gostos bastante específicos. O que as pessoas faziam fisicamente – emprestar e trocar álbuns de música –, passaram a fazer de forma digital. Ainda era troca e empréstimo, mas ao volume muito maior do que a indústria fonográfica poderia controlar ou ignorar. Mais do que isso, assim como no caso do CD, o arquivo digital não perdia a qualidade e, com isso, o álbum

digital, em MP3, tinha praticamente as mesmas características sonoras do original, comprado na loja e impresso no suporte físico. Os compartilhadores se consideram incentivadores da música, ao passo que as empresas do setor fonográfico, viam-nos como concorrentes e criminosos.

O prejuízo foi rapidamente percebido, porque, em grande medida, o mesmo público que detinha as condições financeiras de comprar álbuns era o que comprava computadores e os conectava à Internet. Com isso, não era possível controlar nem a tecnologia do novo formato, tampouco a forma de acessá-lo. O MP3, portanto, promoveu o fim da era de controle tecnológico e, desde então, a distribuição de música passou a ser feita desenfreadamente e sem qualquer domínio. As opções de combate, por conta disso, foram as mais variadas – desde a opção pela criminalização, até as campanhas de conscientização em diversos veículos de mídia, estratégias que serão discutidas nas próximas páginas.