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PARTE II. ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS PARA PERPETUAÇÃO DO MODELO

CAPÍTULO 5: OS DESLOCAMENTOS DE SENTIDOS SOBRE CRISE NO SETOR

5.3. Dimensão da crise e a possibilidade de ela ser revertida: “dando à música a

5.3.3. Reinterpretando a crise no setor fonográfico

Se o principal objetivo para aprovar a PEC era a retomada dos lucros no setor, havia sinais de que as estratégias empenhadas pelas empresas envolvidas haviam surtido algum efeito? Era possível pensar em retomada dos lucros, a partir do mesmo modelo de negócios na indústria fonográfica?

Nesta subseção, os objetivos são: discutir a evolução da crise no setor fonográfico e pensar se podem existir outras interpretações para a retomada dos lucros no modelo de negócios em questão.

As tabelas e gráficos apresentados a seguir foram construídos com base nos dados dos relatórios anuais, produzidos pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), também presentes no capítulo 4 deste texto. A associação recolhe diretamente das empresas do setor os dados sobre venda, compilando-os e os publicando para seus associados e para o público em geral. É importante destacar que os números indicados correspondem ao preço de venda no atacado, ou seja, os preços que os lojistas pagam para as gravadoras e distribuidoras. Quando os relatórios mencionam “Mercado Brasileiro de Música” estão se referindo àquela parte do mercado que essas empresas controlam: a prospecção de artistas, a gravação, a mixagem, a divulgação, a prensagem dos suportes e o envio aos varejistas.

Foram acessados os relatórios dos anos de 2003 a 2015. No caso daqueles do período de 2003 a 2006, a ABPD retoma as informações até 1999, de modo a fazer comparações e apresentar os prejuízos ocasionados pela pirataria. Para que fosse possível a análise dos dados, eles foram organizados de duas formas: primeiro as informações de todos os relatórios foram tabuladas, da forma como são apresentadas; e, em seguida, os

valores foram ajustados com base na inflação do período, tendo como referência o mês de julho de 2015. Vale destacar que outra forma de ajustar os dados seria a conversão para o dólar, mas os valores ficariam distorcidos, já que no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, tivemos duas crises cambiais, o que poderia igualar os dados de 1999 aos de 2004 – momento em que o câmbio se normalizou. Esse novo recorte analítico se diferencia dos dados apresentados até aqui porque, desta vez, a intenção é comparar os rendimentos entre os agentes, e não mais analisar a evolução do volume de vendas.

Tabela 3: Variação de rendimentos da indústria fonográfica entre 1999 e 2014

Rendimentos nominais Rendimentos ajustados

Ano Em milhões de reais Variação - ano de referência 1999 Em milhões de reais Variação - ano de referência 1999

1999 814 2394,0 2000 890 9,34% 2479,2 3,56% 2001 677 -16,83% 1745,3 -27,10% 2002 726 -10,81% 1716,5 -28,30% 2003 601 -26,17% 1187,7 -50,39% 2004 706 -13,27% 1321,5 -44,80% 2005 615,2 -24,42% 1083,5 -54,74% 2006 454,2 -44,20% 778,2 -67,49% 2007 337 -58,60% 555,4 -76,80% 2008 359,9 -55,79% 552,9 -76,91% 2009 358,4 -55,97% 524,7 -78,08% 2010 347 -57,37% 484,9 -79,74% 2011 373,2 -54,15% 488,4 -79,60% 2012 392,8 -51,74% 490,0 -79,53% 2013 374,1 -54,04% 436,2 -81,78% 2014 454,5 -44,16% 499,7 -79,13%

Elaboração própria. Fonte: ABPD, de 1999 a 2014.

Ao analisarmos a Tabela 3, é possível verificar que o período entre 1999 e 2000 foi o de maior faturamento da indústria fonográfica brasileira (1997 teve o maior volume de cópias vendidas). Esses anos também são considerados como a referência para as demonstrações sobre o quanto o mercado fonográfico encolheu. De 2001 em diante, percebe-se uma queda acentuada e progressiva nas receitas, sendo anunciada pelo setor

como uma crise a ser revertida. Na verdade, a situação se configura mais como uma reconfiguração do modelo de negócios, do que uma crise, a se contar com a diferença entre os dados nominais e os ajustados, que serão discutidos a seguir.

Nos relatórios da ABPD, os dados não são discutidos como uma série histórica; o que se vê, na verdade, são comparações ano a ano, apresentando as variações positivas ou negativas em relação ao ano anterior à publicação do texto. Dessa forma, os números não foram atualizados e não se tem a dimensão do quanto o setor perdeu em valores atuais. Por exemplo: seguindo os dados nominais, o pior ano para indústria foi 2007, quando o mercado estava reduzido a pouco mais de quarenta por cento do que era em 1999. Da forma como os dados estão apresentados, tem-se a impressão que 2007 foi o pior ano e, em seguida, o mercado se estabiliza no patamar mais baixo, para em 2011, voltar a crescer.

Gráfico 7: Rendimentos da indústria fonográfica de 1999 a 2014, em milhares de reais (nominal)

Elaboração própria. Fonte: Dados da ABPD, de 1999 a 2014

Porém, quando analisamos os dados ajustados, percebe-se que, na verdade, a cada ano a crise no setor se aprofunda. A queda mais acelerada teria acontecido entre 2001 e 2003, quando o mercado chegou à metade do que era em 1999. Nota-se, também, que há retomada de crescimento: o ritmo da queda diminuiu, mas o mercado não apresenta tendência de recuperação, chegando ao seu pior nível em 2013, ano em que encolheu 81,78%, em relação ao seu melhor ano.

Gráfico 8: Rendimentos da indústria fonográfica de 1999 a 2014, em milhares de

reais

Elaboração própria. Fonte: dados da ABPD, de 1999 a 2014

No Gráfico 8, é possível visualizar melhor o que foi apresentado até aqui. É conhecida a tendência de queda no faturamento das empresas do setor, entretanto, ao observarmos os dados ajustados, percebemos que a queda foi muito mais acelerada do que se pensava, evidenciando uma disparidade muito maior entre o ano de melhor faturamento e os dados recentes. Este trabalho considera que a velocidade e a intensidade da queda de faturamento são informações tão relevantes quanto o dado bruto em que se verifica a presença de uma crise.

Seria possível pensar em crise ou, até mesmo, em retomada após uma crise, se o mercado em questão não demonstrasse sinal de recuperação? Seria apenas uma crise, passível de ser revertida, ou estamos diante de uma reestruturação do mercado analisado? Essa questão é importante porque pode ajudar a realocar esforços de pesquisa, inclusive, para pensar alternativas ao modelo e não em estratégias para sustentá-lo. A PEC foi um esforço de reanimar um modelo de negócio com vistas a superar uma crise, e isso precisa ser discutido. Diante do contexto que se apresentava, mesmo com os dados nominais, foi a melhor estratégia empenhar esforços e recursos dos impostos para sustentar esse modelo de negócios?

A discussão só poderia ser respondida positivamente se pensada nos parâmetros em que tramitou no Congresso Nacional, como a defesa de um orgulho nacional. Assim, mesmo que o mercado existisse por apenas mais um dia, o esforço teria sido válido. Ao apresentar o modelo de negócios como a origem e a razão da música, seus defensores conseguem validar todos os esforços para recuperação dos níveis de receita de uma década atrás. Não há como ser contra a revitalização de uma atividade cultural tão significativa para seu povo. Ao articular o discurso dessa forma, foi possível ignorar até mesmo os dados que já condenavam aquele modelo de negócios ao fracasso.

Gráfico 9: Rendimentos da indústria fonográfica de 1999 a 2014, em milhares de reais (em valores nominais e ajustados pela inflação do período)

Elaboração própria. Fonte: dados da ABPD, de 1999 a 2014

Na próxima seção, serão apresentados os dados sobre os músicos, a fim de verificar se a tendência de queda nos rendimentos também os afetou e em que medida.

5.4. “Nossos artistas são os mais diretamente prejudicados”