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CONFIGURAÇÃO CONTEXTUAL DOS DISCURSOS DE POSSE

CAPÍTULO 6 – DESENVOLVENDO O PLANO

6.1 CONFIGURAÇÃO CONTEXTUAL DOS DISCURSOS DE POSSE

PRESIDENCIAL

Considerando a construção do evento comunicativo a partir da correlação entre a linguagem e prática social, mas tratando especificamente da esfera política, Charaudeau (2013) define que

o poder comunicacional é o que torna possível a construção de um espaço político ao colocar em cena a questão da legitimidade, e que o poder administrativo, ao se fundar sobre essa legitimidade, ao tirar partido de uma vontade popular, implementa um dispositivo de realização concreta do poder ao se impor às próprias pessoas que o fundaram (CHARAUDEAU, 2013, p. 257).

Nesse sentido, podemos entender a linguagem como fator que autoriza – legitima – o estabelecimento das relações de poder entre os participantes do espaço político (cidadãos e políticos). Seguindo essa compreensão, o discurso político, na concepção de Charaudeau (2013), é ao mesmo tempo o lugar de engajamento do sujeito, de justificação de seu posicionamento e de influência do outro, cuja encenação varia segundo as circunstâncias de comunicação. Coadunamos com esse entendimento e compreendemos que o discurso político está articulado segundo as diretrizes situacionais do ato comunicativo que o instaura.

Como já argumentamos neste trabalho, os discursos de posse presidencial emergem de um contexto de situação particular, instituído por práticas sociais que formalizam a transição de um ciclo político para o seguinte. Nos termos da LSF (HALLIDAY, 1989; EGGINS; MARTIN, 1997), a seguir, os discursos de posse serão descritos, em linhas gerais, segundo as variáveis contextuais campo, relações e modo.

A configuração do campo compreende uma situação comunicativa no âmbito político nacional brasileiro. O discurso de posse é uma das formalidades que marca a passagem do governo antecessor para o subsequente. Segundo o protocolo oficial33, a cerimônia de posse do presidente da República, que ocorre no dia primeiro de janeiro, inicia-se com a passagem da faixa presidencial na rampa de entrada do Palácio do Planalto. Em seguida, segue-se o desfile presidencial, que contempla inúmeros pontos turísticos de Brasília. Após, no Congresso Nacional, Presidente e Vice-presidente são recebidos pelos Presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Nesse momento, os mandatários recebem honras militares, o Hino Nacional é executado, o termo de posse é lido. Na sequência, o Presidente do Congresso declara empossados Presidente e Vice. Nesse momento, o Presidente eleito realiza o "discurso à nação". De volta ao Palácio, a nova equipe do governo é empossada, a fotografia oficial é feita e, por fim, o coquetel de recepção às missões especiais e às altas autoridades da República é realizado. Esse evento social, entendido na sua totalidade, performatiza a mudança do governo presidencial vigente para o sucessor, enquanto o discurso à nação compreende a primeira manifestação textual oficial do presidente. Cabe destacar, como comprovamos nas análises, que, apesar da denominação, esses discursos, em sua maioria, não são dirigidos aos brasileiros.

As relações se estabelecem entre o presidente da República recém-empossado, cuja autoridade fora instituída por voto popular direto (com exceção ao D#8, cujo presidente fora escolhido por um Colégio Eleitoral), e a audiência, constituída por eleitores, Ministros, chefes de Estado internacionais, Parlamentares, membros do Congresso, do Senado, do Judiciário, entre outros. As posições interpessoais são hierarquicamente desiguais: quando o presidente, representante máximo dos interesses do Estado, dirige- se aos membros do seu governo, na figura dos Ministros, delegando atribuições e definindo diretrizes a serem seguidas em seu mandato, assume posição de comando; quando se dirige aos eleitores, para agradecer a conquista do cargo, para relatar-lhes suas esperanças, desejos, medos, o presidente posiciona-se com gratidão e busca afirmar-se como alguém competente e merecedor da responsabilidade assumida. Ao dirigir-se aos demais representantes políticos, cujos membros compreendem a

33

Disponível em:< http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/descubra-curiosidades-sobre-a-posse- presidencial> Acesso em: 20 dez. 2017.

oposição, o presidente busca conquistar apoio e cooperação para gerir os problemas do país.

Quanto ao modo, pode-se argumentar que o papel da linguagem é constitutivo nos discursos de posse, uma vez que esses se realizam essencialmente por meio dela. Ela é também performativa, pois instaura oficialmente a transição entre dois mandatos presidenciais. Em uma primeira instância, a de produção do discurso, o meio é verbal escrito e o canal é gráfico. Em uma segunda instância, a de pronunciamento, o meio é oral e o canal é fônico. Interessa-nos nesta pesquisa, dado o recorte do corpus, a realização verbal escrita dos discursos. Apesar de entendermos as implicações diversas que a análise de ambas instâncias – a de elaboração e a de pronunciamento – dessa materialidade linguística proveriam se consideradas em conjunto, detemo-nos aqui a observar apenas a linguagem escrita dos discursos.

Quanto à estrutura esquemática, os discursos de posse apresentam três partes fixas: as saudações iniciais, as finais e o anúncio de propostas. As saudações iniciais indicam a quem o presidente se dirige (exemplo 84): em geral, podem ser pessoas (figuras públicas e brasileiros), representantes de instituições e de países estrangeiros.

84

Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República;

Excelentíssimos Senhores Chefes de Estado e de Governo estrangeiros;

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados; Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimos Senhores Chefes das Missões Especiais estrangeiras; Excelentíssimos Senhores integrantes da Mesa;

Excelentíssimos Senhores Senadores,

Excelentíssimos Senhores Deputados, Altas Autoridades da República, Senhoras e Senhores,

D#7

As saudações finais evidenciam, na maioria das vezes, o conclame do presidente à nação, aos demais membros governistas, ao trabalho, às mudanças necessárias, como no exemplo 85, e os agradecimentos finais, a Deus e ao povo.

85

A todos os cidadãos e cidadãs deste nosso Brasil, aos quais peço, mais uma vez, muita fé, muita esperança, muita confiança, muito amor, muito trabalho.

Eu os convoco para mudar o Brasil. Muito obrigado.

D#5

O anúncio de propostas, o que o presidente fará em seu governo, dá-se, recorrentemente, por meio de proposições genéricas, como no exemplo 86.

86

Estimularemos empreendimentos conjuntos e fomentaremos um vivo intercâmbio intelectual e artístico entre os países sul- americanos.

D#4

Além desses três elementos que denotam cortesias, agradecimentos, propostas e conclamações, são também presentes nos discursos temas como: menção a problemas a serem enfrentados (exemplo 87); advertências (exemplo 88); manifestação de regozijo e de apoio (exemplo 89) e expressão de crenças e valores (exemplo 90).

87

Sucederam-se nos últimos tempos os casos em que milhares de pessoas, cujas economias somadas representam em última análise o louvável esforço da sociedade em investir no futuro, foram lesadas por agentes inescrupulosos que se aproveitaram de lacunas na lei e das deficiências da fiscalização. É inaceitável que esses recursos [...] sejam administrados de forma tão criminosa sem que os responsáveis recebam exemplar punição.

D#8

88

Se queremos transformá-lo [o Brasil], a fim de vivermos em uma Nação em que todos possam andar de cabeça erguida, teremos de

exercer quotidianamente duas virtudes: a paciência e a perseverança.

D#3

89

É com muita emoção que eu subo a este Parlatório para conversar um pouco com vocês. Hoje é para mim um dia de profunda emoção. [...] Mas estou aqui, também, por causa de vocês. Eu sou profunda e eternamente grato ao comportamento do povo brasileiro nesses quatro anos do meu mandato.

D#2

90

Senhores Congressistas,

Filho e neto de políticos, trago no sangue o sentimento da vida pública como dever e como missão. Não viver na política, mas viver para a política, como nobre forma de servir à comunidade: eis o lema com que me dediquei à vida pública, inspirado em meus maiores e sintonizado com os valores de minha geração.

Quanto à forma, os nove discursos que compõem nosso corpus apresentam uma média de 3.395 palavras e 68 parágrafos.