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CAPÍTULO 2 – PREPARANDO O DISCURSO

2.1 CONTEXTO

Segundo Halliday e Matthiessen (2004), o contexto corresponde ao nível mais externo dos estratos do sistema linguístico. Os estratos, tais como a semântica, a léxico-gramática e a fonologia e grafologia, diferenciados conforme sua ordem de abstração, são interdependentes e subordinados ao contexto, conforme a Figura 1.

O contexto abrange desde a cultura que permeia determinado texto, até a situação que o institui. As particularidades do contexto são definidas pelas realizações linguísticas dos estratos a ele subordinados. A semântica é o sistema de significados que se realiza pela léxico-gramática – sistema de fraseado que articula estruturas gramaticais e itens lexicais. A léxico-gramática, por seu turno, realiza-se pela fonologia – sistema de sonoridade – e grafologia – sistema de grafia.

Figura 1 – Linguagem como sistema de estratos

Fonte7: (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 25).

Halliday (1989, p. 5) entende que texto e contexto são aspectos do mesmo processo, sendo o primeiro precedido pelo segundo. Partindo dessa premissa, o autor considera necessário para o entendimento de um texto confrontá-lo não somente às características imediatas do evento comunicativo, mas também à história cultural que envolve os participantes e os tipos de práticas a que estão engajados a fim de determinar sua significância para a cultura (HALLIDAY, 1989, p. 6). Com base nessa necessidade, são distinguidos dois tipos de contexto: o de cultura e o de situação.

O contexto de cultura está relacionado ao ambiente sociocultural mais amplo, atravessado por ideologias, convenções sociais e instituições. Compreende desde as práticas sociais mais abrangentes, relacionadas às culturas de diferentes países e etnias, até as práticas institucionalizadas em grupos sociais, tais como a igreja, a família, a política (FUZER; CABRAL, 2014). Nesse sentido, estando pautado nas práticas sociais, o contexto de cultura evidencia os diferentes propósitos sociais da linguagem.

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Adaptado de Halliday e Matthiessen (2004, p. 25) para distinção dos contextos de situação e de cultura. contexto de cultura contexto de situação semântica léxico-gramática fonologia e grafologia

O contexto de situação é o lugar de formação do texto, o ambiente imediato no qual ele está funcionando. Halliday e Hasan (1989) descreve o contexto de situação por meio das variáveis campo, relações e modo. O campo refere a atividade que está acontecendo, o tipo de ação social desempenhada pelo evento comunicativo. As relações envolvem os participantes, os papéis que esses desempenham, o grau de domínio de um sobre o outro, a relação hierárquica ou não, a distância social ou o grau de formalidade entre eles. O modo remete ao papel da linguagem, à função por ela exercida, ao tipo de veículo utilizado, ao canal (gráfico ou fônico) e ao meio (oral ou escrito, verbal ou não verbal).

2.1.1 Contexto de Situação

A análise de discursos precisa levar em consideração a descrição linguística de padrões (palavras e estruturas) de similaridades e de diferenças que geram diferentes efeitos nos textos (EGGINS; MARTIN, 1997, p. 231). Nesse entendimento, os autores partindo da conceituação de Halliday (1989) do contexto de situação, argumentam que é possível identificar três diferentes áreas em um texto.

A primeira delas está preocupada com o papel exercido pela linguagem. Diz respeito aos graus de formalidade da linguagem usada e corresponde à dimensão contextual de modo. Essa região comporta a significação, em textos, da presença – ou da ausência – de referências pessoais, vocabulário nominalizado, verbos de ação/verbos conceituais, frases nominais com significados densamente ―empacotados‖ (EGGINS; MARTIN, 1997, p. 233).

A segunda região de diferenças linguísticas, referida pelos autores como relações, está diz respeito aos papéis desempenhados pelos produtores textuais. Essa área diz respeito às escolhas avaliativas e atitudinais em um texto no qual a linguagem ilustra o papel do discurso para o qual o papel social dá acesso (EGGINS; MARTIN, 1997, p. 233).

A terceira dimensão linguística compreende os significados supostos pelos produtores textuais como acessíveis a sua audiência. Essa região, denominada como campo do discurso, evidencia o contraste entre vocabulário técnico e cotidiano e pode estar relacionada aos graus de familiaridade que os produtores textuais

supõem que sua audiência tenha com o tópico de um texto (EGGINS; MARTIN, 1997, p. 233).

Considerando o problema de pesquisa deste trabalho, cujo foco recai sobre os significados interpessoais do discurso evidenciados no corpus, a variável relação é um tópico de inegável relevância para nossa pesquisa, fazendo-se necessária uma descrição mais detalhada de suas funcionalidades.

No modelo de sistematização das variáveis contextuais situacionais, desenhado por Martin (1992) e seguido por Martin e Rose (2008), a variável relações diz respeito à natureza das relações sociais entre os interlocutores e apresenta duas dimensões: status e solidariedade. Ambas, segundo Martin e Rose (2008, p. 12), são complementaridades e estão presentes em todas nossas interações.

O status8, que representa esquematicamente a dimensão vertical das relações, pode ser igual ou desigual; quando desigual, preocupa-se com quem domina e quem se submete (MARTIN; ROSE, 2008, p. 12). Essa dimensão é gerida segundo o princípio da ―reciprocidade‖ de escolhas (POYNTON, 1990), afetando quem pode/não pode expressar sentimentos, que tipos de sentimentos são expressos, quão fortemente eles se expressam e quão diretamente eles são obtidos (MARTIN; WHITE, 2005, p. 30).

Assim sujeitos sociais de igual status constroem igualdade tendo acesso e ocupando o mesmo tipo de escolhas, enquanto sujeitos de status desigual fazem escolhas de diferentes tipos. Termos de endereçamento são um exemplo óbvio dessa área – endereçamo-nos um ao outro da mesma forma (chamando-nos pelo primeiro nome), ou tratamo-nos de forma oblíqua (você me chama ‗professor‘, eu te chamo pelo primeiro nome) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 13)9.

A solidariedade, que constitui a dimensão horizontal das relações, está preocupada com a distância social, que pode ser próxima ou distante dependendo da intensidade ou do tipo de contato que as pessoas têm umas com as outras, e também da carga emocional das relações entre elas (MARTIN; ROSE, 2008, p. 12). Essa dimensão compreende os princípios de realização de ―proliferação‖ e de

8 Martin e Rose (2008, p. 12) ressaltam que os termos status e poder (―power‖) são frequentemente usados indiscriminadamente. Entretanto, os autores optam por reservar o termo ‗poder‘ apenas para relações mais gerais, referindo-se a situações específicas na distribuição ampla de recursos na sociedade, a serem discutidas no decorrer da obra.

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―contração‖ (POYNTON, 1990). A proliferação refere-se à ideia de que quanto mais próximo se é de alguém, mais significados serão compartilhados.

Uma maneira de pensar sobre isso é imaginar o processo de conhecer alguém e o que você pode falar sobre quando você não os conhece (muito poucas coisas) e o que você pode falar sobre quando você os conhece muito bem (quase qualquer coisa) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 13).

A contração refere-se à quantidade de empenho que é necessário para trocar significados entre sujeitos e à ideia de que quanto melhor o falante / escritor conhece seu interlocutor, menos será necessário dizer / escrever para compartilhar significados.

Poynton exemplifica isso em parte por meio de nomeação, apontando que conhecer alguém muito bem envolve nomes curtos, enquanto que conhecê- los menos bem favorece nomes mais longos (por exemplo, Mike vs Professor Michael Alexander Kirkwood Halliday, FAHA) (MARTIN; ROSE, 2006, p. 13).

Para fins de exemplificação do funcionamento das duas dimensões da variável relações – status e solidariedade – apresentamos a Figura 2.

Figura 2 – Dimensões da variável relações

De acordo com a Figura 2, as relações de igualdade, cujas distâncias são mais estreitas, são características entre irmãos ou amigos próximos. Já as relações de igualdade distantes são mais prováveis entre conhecidos ou colegas de trabalho. As relações desiguais com contato próximo podem ser encontradas entre um trabalhador e seu gerente de linha, que trabalham juntos todos os dias, apesar de estarem relativamente distantes em hierarquia. Já uma relação desigual distante é mais provável entre um trabalhador júnior e um gerente sênior, que raramente se encontram.

Assim como a linguagem realiza contextos sociais, cada dimensão de um contexto social é realizada por uma dimensão funcional particular da linguagem (MARTIN; ROSE, 2008, p. 11).