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Discurso de posse do presidente Itamar Franco (1992)

CAPÍTULO 6 – DESENVOLVENDO O PLANO

6.2 DESCRIÇÃO DA INTERPESSOALIDADE NOS DISCURSOS DE POSSE

6.2.3 Discurso de posse do presidente Itamar Franco (1992)

O ano de 1992 foi assolado, na área política, por escândalos de corrupção envolvendo o Governo Federal. Conforme relatamos no capítulo 2, em função da renúncia de Collor, Itamar Franco precisou assumir o cargo de presidente da República.

À época, a crise econômica e o cerceamento da corrupção eram as maiores preocupações do novo governo. Esse fator fica evidente nos resultados das análises que realizamos, como é possível observar pelas escolhas lexicais e semânticas que realizam os significados avaliativos (Quadro 19).

A análise do sistema de Avaliação mostra que a categoria atitudinal mais pronunciada é a de apreciação valoração, com um total de 28 ocorrências. O item "polític(a,o,as)", que aparece oito vezes, funciona como avaliador dos nomes "urnas", "sociedade" (duas vezes), "poder", "integração", "consequências", "elites" e "crises", tal como evidenciamos no exemplo 115.

115 Pode orgulhar-se a Nação capaz de dominar as suas mais graves

crises políticas na ordem da Lei. D#6

Os dados da categoria de julgamento por tenacidade são também destacáveis, pois denunciam a preocupação do presidente em mostrar-se determinado a resolver os problemas que emergiram. Assim, o nome "trabalho" e o processo "trabalharei" (exemplo 116), somados, ocorrem seis vezes. Associado a esses, temos o item "compromisso(s)", que, das quatro vezes em que ocorre, refere- se ao governo - ou a "nós" - em três (exemplo 117).

116 Nos dois anos em que estarei incumbido de chefiar o Poder

Executivo, trabalharei dentro destes postulados constitucionais. D#6

117 Ao mesmo tempo em que avançamos na integração do Cone Sul,

Quadro 19 – Sistema de Avaliatividade em D#6

AVALIAÇÃO

Atitude Engajamento Gradação

Afeto Julgamento Apreciação Monoglossia Contração Expansão Força Foco

Esperança (4) segurança Compromiss* (4) tenacidade Polític* (8) valoração É (26) Não (27) Negação Me (5) reconhecimento Mais (13) intensidade Quase (5) precisão Paz (4) segurança [o] trabalho (5) Tenacidade Brasileir* (5) valoração Há (4) Mas (11) contraexpectativa Pode (5) entretenimento Todos (7)+todas (2) quantidade Particular (3) precisão Trabalharei (1) Tenacidade/capac. Econômicas (4) valoração Sem (10) Negação Mesmo (4) reconhecimento Também (6) Intensidade Cumprimento (4) tenacidade Mundial (4) Valoração Estamos (6) pronunciamento Grande (5) intensidade Nacional (4) valoração Só (5) Social (4) valoração Apenas (4) intensidade Dois (4) quantidade Todo (4) + toda (2) intensidade Fonte: Autora.

Quanto ao sistema de engajamento, destaca-se a recorrência da contração dialógica por negação. O Adjunto de negação "não" é o mais expressivo, ocorrendo 27 vezes. Soma-se a esse dado o item "sem" (10 ocorrências), indicando também uma postura de rejeição ao passado, restringindo a contestação do interlocutor, como podemos observar no exemplo 118.

118 Não queiramos ocultar, com as ilusões enganosas, o medo que nos

domina. D#6

As asserções monoglóssicas também configuram uma estrutura expressiva em D#6. Por meio de processos como "é" (26 ocorrências) e "há" (4), o presidente fecha seu discurso, não dando chance para contestação por parte do interlocutor. Podemos visualizar, no exemplo 119, o processo relacional "é" avaliando assertivamente o item "povo".

119

Sábio é o povo que, na conquista e preservação de sua própria liberdade, expressa veemência no clamor das ruas e na serenidade de seus atos.

D#6

Quanto ao sistema de gradação, a categoria que se sobressai é a de força intensidade, com 39 ocorrências no total. A maioria desses itens realizam-se por meio de isolamento (pelos Adjuntos "mais", "também", "apenas", "todo" e "toda"), como no exemplo 120.

120 Inclino-me, também, e com o mais profundo respeito, diante do

Poder Judiciário. D#6

Os recursos de Avaliação em D#6 indicam o esforço do presidente em demonstrar-se determinado a trabalhar, com compromisso, para vencer os obstáculos políticos a sua frente. Essa postura pode ser evidenciada pelos significados de julgamento de tenacidade, pelas apreciações de valoração sobre as "crises", a "sociedade" e pelos recursos de força intensificação.

O posicionamento dialógico do presidente restringe o espaço de contestação por parte do interlocutor. As construções monoglóssicas, associadas à contração dialógica, acrescentam ao texto um teor de "objetividade" ao negar o que está errado e ser assertivo sobre o que é certo.

Nesse sentido, a configuração do Sistema de Negação em D#6 constrói-se, predominantemente, por estruturas do modo declarativo que realizam funções de fala declarativas. Foram computadas, no total, 63 ocorrências de modo declarativo realizadas pelos processos "é" (27 vezes); "estamos" (7); "há" (7); "será" (6); "são" (5), entre outros.

Dessas ocorrências, apenas cinco têm função de comando, como no exemplo 121. As demais realizam função de declaração (exemplo 122).

121 Mas é também preciso reconhecer que eles [focos de banditismo]

não surgem do acaso [...]. D#6

122 O que lhe cabe [ao Brasil], agora, é crescer na prosperidade

comum. D#6

A configuração do Sistema de Envolvimento em D#6 pode ser observada no Quadro 20.

Dentre os elementos do Sistema de Envolvimento analisados, destacam-se o léxico técnico (85 ocorrências) e os nomes próprios (46). Os exemplos 123 e 124 mostram, respectivamente, a palavra mais recorrente em cada categoria.

123 Os povos só progrediram participando do mercado mundial que

houve em cada tempo. D#6

124

Ao mesmo tempo, está certo de que a recuperação da confiança da sociedade no Governo possibilitará as condições indispensáveis à retomada do desenvolvimento.

D#6

Como já argumentamos anteriormente, a recorrência de itens lexicais específicos da área política indica o direcionamento do discurso. Em outras palavras, em D#6, a audiência putativa corresponde a outros políticos. Esse fato pode ser sustentado pela significação dos elementos "povo(s)", "nação", "polític(a, as, o)", "sociedade" e "desenvolvimento", que também correspondem aos interesses do governo Itamar Franco, conforme mostrou a análise do Sistema de Avaliação.

Quadro 20 – Sistema de Envolvimento em D#6

ENVOLVIMENTO

Nomes próprios Léxico técnico Vocativos Linguagem formal Linguagem informal Expletivos

Governo (16) Povo(s) (12) Senhor* (9) Moços/moças (8)

Brasil (9) Nação (7) Moços/moças (8)

Estado* (9) Polític* (6) Constituição (3) Sociedade (6) Poder Executivo (2) Desenvolvimento (6) Congresso (2) Integração (6) Governo Federal (2) Processo (6) Estado Nacional (1) Ajuste (4) Poder Judiciário (1) Atividades (4) Congresso Nacional (1) Medidas (4)

Quanto aos nomes próprios (46 ocorrências no total), podemos constatar que, à exceção de "Brasil", os demais itens dizem respeito a instituições, órgãos e poderes públicos do país. Confrontados aos itens lexicais específicos da política, fica evidente a imagem do interlocutor construído em D#6: participantes do contexto político e que estão familiarizados com os desafios e problemas a serem enfrentados pelo novo governo.

Por outro lado, os vocativos - "senhor(as, es)", "moç(as, os)" - atribuem relativo grau de informalidade ao discurso e funcionam tanto como recurso interpelativo argumentativo quanto como uma tentativa de aproximação do locutor com sua audiência. No exemplo 125, é possível visualizarmos essa dinâmica em uma construção vocativa que se repete ao longo do discurso por quatro vezes.

125

Senhoras e Senhores, Moços e Moças,

Não resolveremos a questão social no Brasil enquanto não formos capazes, todos nós, de olhar nos olhos de todos os brasileiros [...].

D#6

Ao analisarmos as dimensões da variável relações, constamos que o eixo do status aponta para uma relação desigual entre presidente e audiência. Seu discurso é objetivo e assertivo: há muitas construções declarativas e recursos de negação que contraem o discurso; os elementos como "sociedade", "povo" e "crises" são avaliados por meio de apreciação valoração. Destacam-se também os valores sociais de comprometimento e trabalho e a intensificação das avaliações por meio de força isolamento.

No que concerne ao eixo da solidariedade, apesar de o discurso apresentar um tom assertivo, recursos como o léxico característico do contexto político e a referência às instituições do Poder Público, do Governo, bem como a recorrência de pronomes em primeira pessoa do plural ("nós") encurtam a distância entre os interlocutores. Soma-se a essa interpretação a recorrência de vocativos de menor formalidade, por meio dos quais o presidente se dirige à audiência.

Com base no exposto, podemos visualizar as dimensões da variável contextual relações na Figura 16.

Figura 16 – Dimensões da variável relações em D#6

Fonte: Autora.

Conforme demonstra a Figura 16, o discurso do Presidente Itamar Franco situa-se no quadrante inferior esquerdo, deixando evidente a desigualdade de status e a proximidade solidária entre os participantes.

Articulado como está, D#6 constrói o a imagem da virtude e da seriedade. O presidente dirige-se à audiência com objetividade, realizando asserções, comandos, reforçando seu compromisso e sua determinação para o trabalho.

Seu discurso baseia-se na crença compartilhada de que os problemas são emergentes e de que o trabalho e o comprometimento são a solução. Nesse sentido, o presidente demonstra vontade de agir, atribuindo a si a imagem do "chefe" que agrega esforços e que espera o engajamento de sua "equipe".