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Discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007)

CAPÍTULO 6 – DESENVOLVENDO O PLANO

6.2 DESCRIÇÃO DA INTERPESSOALIDADE NOS DISCURSOS DE POSSE

6.2.7 Discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007)

O segundo mandato do presidente Lula inicia-se com um discurso menor do que o anterior em extensão de palavras (2.244 no total). O momento político já não

era o mesmo que no primeiro governo. A economia não estava reagindo conforme o esperado e os escândalos de corrupção abalavam a imagem do partido.

Pela análise do discurso D#3 pudemos constatar que a linguagem fora construída de forma a diminuir a distância e estreitar as relações de status entre presidente e audiência. Em D#2, como pretendemos demonstrar, a interação entre as partes está ainda mais diminuta.

O mapeamento do Sistema de Avaliatividade (Quadro 27) revela que o significado avaliativo atitudinal mais recorrente é o julgamento. As avaliações de julgamento compreendem 23 ocorrências, sendo oito de capacidade, sete de tenacidade e quatro de propriedade e normalidade. Como visto, há um equilíbrio entre as duas primeiras categorias. Esse fator evidencia a preocupação com os comportamentos associados à prática política - trabalhar, ser presidente, ter direito a, ser companheiro, ser "um" homem. Os exemplo 155 e 156 mostram ocorrências de julgamento tenacidade e capacidade, respectivamente.

155

Se tem uma coisa que nós precisamos garantir é o direito de homens livres e honestos, homens trabalhadores, saírem de casa de manhã e voltarem para casa à tarde com o sustento da sua família.

D#2

156

Mas não se enganem, mesmo sendo Presidente de todos eu continuarei fazendo o que faz uma mãe, eu cuidarei primeiro daqueles mais necessitados

D#2

A categoria de apreciação, menos expressiva se comparada aos discursos analisados anteriormente, apresenta 19 ocorrências do tipo valoração. Os significados de apreciação recaem sobre o "povo brasileiro", o "Estado brasileiro", a "Sociedade brasileira"; a "escola de qualidade", a "educação de qualidade", " o "salto de qualidade". No exemplo 157 vemos ocorrência de apreciação valoração.

157 [...] só vocês podem ajudar este País a dar o salto de qualidade

Quadro 27 – Sistema de Avaliatividade em D#2

AVALIAÇÃO

Atitude Engajamento Gradação

Afeto Julgamento Apreciação Monoglossia Contração Expansão Força Foco

Grato (5) felicidade Trabalhadores (7) tenacidade Brasileir* (16) valoração É (15) Não (23) negação Mais (21) intensidade [sou,sendo,ser] Presidente (4) capacidade [de] qualidade (3) valoração Mas (8) contraexpectativa Cada (11) quantidade

[este, "o", um] homem (4) normalidade Sou (7) pronunciamento Muito (11) intensidade Direito (4) propriedade Estou (3) Pronunciamento Todos (5)+ todas(2) quantidade Companheir* (4) capacidade Já (6) intensidade Profunda* (6) intensidade Também (6) intensidade Mesmo (5) intensidade Muitas (4) quantidade Fonte: Autora.

Quanto aos posicionamentos dialógicos, há prevalência de contração dialógica (41 no total), sendo a negação a categoria mais recorrente (23 ocorrências). As construções monoglóssicas (15 ao todo) expressam-se por meio do processo "é", conforme mostram os exemplo 158 e 159.

158 É com muita emoção que eu subo a este Parlatório [...]. D#2

159 Eu estou convencido de que o que aconteceu no Rio de Janeiro na semana passada é resultado de um processo de degradação da estrutura da sociedade brasileira [...]

D#2

Quanto à gradação das avaliações, encontramos apenas mecanismos de força (77 no total). A categoria mais recorrente é a intensificação-isolamento (49 ocorrências). Já a categoria de quantificação apresenta 22 ocorrências. Nos exemplos 160 e 161, podemos visualizar, respectivamente, estratégias de intensificação e quantificação.

160

E este Palácio precisa aprender a receber aqueles que, muitas vezes, não conseguem nem passar perto do Palácio, quanto mais entrar nele.

D#2

161

E este Palácio precisa aprender a receber aqueles que, muitas vezes, não conseguem nem passar perto do Palácio, quanto mais entrar nele.

D#2

Com base nos dados obtidos pela análise do sistema de avaliação, é possível compreender que, em D#2, Lula prioriza valores comportamentais como trabalho, companheirismo, e o fato de ele (ter sido e continuar a) "ser" o presidente do país. Os valores de apreciação recaem sobre o povo, o Estado, a sociedade, a escola, a educação, evidenciando que os interesses do governo. As avaliações são intensificadas por advérbios como "mais" e "muito", mas também por repetições, como no exemplo 162. 162 Quero agradecer [...] Quero dizer [...] Quero agradecer [...] Quero olhar [...] Quero dizer [...] D#2

A recorrência de contração dialógica e de construções monoglóssicas revela um posicionamento dialógico fechado, que restringe a participação efetiva da audiência. Mesmo assim, apesar do caráter assertivo do texto, o discurso apresenta uma nuance mais acolhedora, que será explicitada com as análises a seguir.

O Sistema de Negociação apresenta apenas ocorrências de modo declarativo, são 121 ao todo. Desse total, 11 realizam a função de fala comando. O restante (110) compreendem realizações congruentes, ou seja, funcionam como declarações. Nos exemplos 163 e 164 evidenciamos o Modo declarativo funcionando como comando e declaração respectivamente.

163 [...] é preciso que a família brasileira seja a base [...]. D#2

164 [...] já conhecemos onde é que as coisas, muitas vezes, emperram. D#2

Podemos compreender que o que o presidente está trocando com a audiência são declarações e comandos. Nesse sentido, a postura esperada da audiência corresponde a aceitação - do que é declarado, afirmado ou negado - e a ação - conforme comandos proferidos.

Quanto à análise do Sistema de Envolvimento, destacado no Quadro 28, evidenciamos a presença de léxico técnico, que é característico da condição política do discurso de posse. Além dessa categoria, são também presentes os nomes próprios, os vocativos, a linguagem informal e os expletivos.

Assim como nos demais discursos de posse analisados, a categoria de léxico técnico é a categoria mais densa também em D#2. Conforme argumentamos anteriormente, essa característica deve-se ao direcionamento do discurso e à situação formal que estrutura o contexto de situação ao qual o texto pertence. Contudo, é relevante observarmos a recorrência de itens pertencentes à linguagem informal, diferentemente do discurso do primeiro mandato. Enquanto há 109 elementos lexicais do contexto político, há 47 palavras que estão relacionadas às interações informais: "gente", "vocês", "casa", "família", "coisa" e o verbo "tem", com sentido de haver.

Quadro 28 – Sistema de Envolvimento em D#2

ENVOLVIMENTO

Nomes próprios Léxico técnico vocativos Linguagem formal Linguagem informal Expletivos

José de Alencar (7) País (25) Companheir* (4) Gente (15) [obrigado, meu] Deus

[o] Palácio (6) Povo (14) Brasileir* (2) Vocês(15)

Brasil (5) Crescimento (12) Casa (7)

Deus (4) Brasileir* (15) Família (5)

Congresso Nacional (4) Democracia (7) Coisa (3)

Governo (6) Tem [há] (2) Presidente (7) Política (6) Naciona* (3) Presidente da República (4) Presidência da República Sociedade (5) Estado (4) Fonte: Autora.

No exemplo 165 vemos duas características - linguagem técnica e informal - funcionando juntas no texto.

165

[...]eu e o companheiro José Alencar, se for necessário, daremos a nossa vida para que a gente possa cumprir cada palavra e cada compromisso que assumimos com vocês, para que a gente possa fortalecer a democracia do nosso País

D#2

Cabe destacar ainda que, dentre os nomes próprios mais recorrentes, como "José Alencar", "Palácio [do Planalto]", "Brasil", está o nome "Deus" (quatro vezes). Essa ocorrência aparece também na forma de expletivo "Obrigado, meu Deus", cuja funcionalidade está atrelada à coloquialidade.

Quanto aos vocativos, o presidente dirige-se à audiência por meio das palavras "companheiros" e "brasileiros", conforme exemplo 166. Essas escolhas, somadas à linguagem informal, delineiam uma audiência putativa composta pelos cidadãos brasileiros, mais especificamente, pelos eleitores do presidente.

166 Por isso, meus companheiros e companheiras, eu vou parar por

aqui [...] D#2

Apesar de fazer uso de palavras pertencentes ao contexto político, o presidente não está "falando" com os membros governistas que o auxiliarão a gerir o país. Ele está falando com o "povo", com seus "companheiros". Construída dessa forma, a linguagem em D#2 revela que o grau de status entre presidente e audiência situa-se no quadrante da igualdade de posição. Argumentam em favor dessa interpretação a proporcionalidade de ocorrências dos pronomes indicativos das pessoas do discurso (primeira pessoa do singular (24 ocorrências); primeira pessoa do plural (26), segunda pessoa (23))

Lula elabora a linguagem, colocando-se como um brasileiro que teve o orgulho e a graça de ocupar o mais alto cargo político do país, como demonstra o exemplo 167. Ele marca seu poder com asserções e comandos, mas o faz ressaltando sua origem humilde e o que aprendera com os percalços por que passou.

167

Meus queridos brasileiros e brasileiras,

É com muita emoção que eu subo a este Parlatório para conversar um pouco com vocês. Hoje é para mim um dia de profunda emoção. Primeiro, porque ser Presidente da República do meu País, eu recebo isso como uma bênção de Deus, porque eu digo sempre que chegar onde eu cheguei, saindo de onde eu saí, eu só posso dizer que existe um ser superior que decide os destinos de cada um de nós e, por isso, eu estou aqui.

D#2

A distância social entre os participantes é pequena, o presidente dirige-se à audiência como "companheiros" e constrói para si a imagem de uma mãe que cuida de todos os filhos, mas primeiramente daqueles que mais necessitam. Além disso, o compartilhamento de palavras de cunho informal denuncia que o eixo da solidariedade pende para a proximidade das relações.

Assim, em D#2, diferentemente do que observamos nas análises anteriores, a variável relações apresenta relativa igualdade de status e proximidade entre presidente e audiência. A Figura 20 esboça essa dinâmica.

Figura 20 – Dimensões da variável relações em D#2

Fonte: Autora.

Conforme demonstra a Figura 20, o discurso do Presidente Lula situa-se no quadrante superior esquerdo, deixando evidente a igualdade de status e a proximidade solidária entre os participantes.

A imagem construída em D#2 corresponde ao que Charaudeau (2013, p. 163) denomina "solidariedade". Como pudemos compreender pela análise, Lula demonstra-se como parte da audiência, partilha[ou] as mesmas dificuldades que o povo, mas é presidente e, por isso, pode "cuidar" de seus "companheiros".

Os valores compartilhados estão centrados na crença de que o brasileiro é um povo trabalhador e que "juntos" (presidente e cidadãos) construirão a mudança. Soma-se a esse o valor da "vontade de agir", pautado na determinação do povo pelo trabalho. Outro valor presente é o "humor", o tom descontraído do discurso culmina no comentário irônico que encerra o pronunciamento (conforme discutimos no Capítulo 4).