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Discurso de posse do presidente Fernando Collor de Melo (1990)

CAPÍTULO 6 – DESENVOLVENDO O PLANO

6.2 DESCRIÇÃO DA INTERPESSOALIDADE NOS DISCURSOS DE POSSE

6.2.2 Discurso de posse do presidente Fernando Collor de Melo (1990)

O discurso de posse do presidente Collor apresenta 6.064 e marca o retorno absoluto ao regime democrático no Brasil. Enquanto Sarney havia sido eleito por voto indireto à exercer o que ficou conhecido como "período de transição" à democracia, Collor foi escolhido pelo voto popular a presidir o país. Esse fator atribui à significação de D#7 o "tom" de inauguração de uma "nova ordem" política.

Quanto às análises, os procedimentos adotados foram os mesmos descritos no Capítulo 1 - Metodologia e detalhados na análise anterior a esta (D#8). Inicialmente, realizamos a investigação do Sistema de Avaliatividade, que pode ser evidenciada no Quadro 17.

No subsistema de Atitude, as categorias mais expressivas foram apreciação (com 141 ocorrências) e julgamento (com 58). Tais dados evidenciam que, em D#7, o presidente prioriza mais as avaliações sobre o governo, o mercado, os acontecimentos, a economia, os problemas do país.

Dentre as avaliações de apreciação, destacam-se as de valoração (131 do total), que atribuem valores centrados na opinião do falante/autor. No exemplo 103, é possível observar a palavra "permanentes" valorando os "anseios de justiça" a partir do ponto de vista do presidente.

103 Os anseios de justiça são permanentes e, de certa forma, retratam

a própria história. D#7

Quanto às avaliações de julgamento, que incidem sobre o comportamento humano, na figura da sociedade ou do próprio presidente, as categorias capacidade (28 ocorrências) e tenacidade (26 ocorrências) apresentam-se equilibradamente. Os exemplos 104 e 105 demonstram, respectivamente, significados de capacidade e de tenacidade.

104

Meu respeito, e minha consideração, a todos os setores organizados

da sociedade que souberam lutar e trabalhar pela vitória da democracia.

D#7

105

As perspectivas de aproximação são claras e tenho certeza de que, ao esforço brasileiro [...] corresponderá necessariamente uma atitude positiva da comunidade financeira internacional.

Quadro 17 – Sistema de Avaliação em D#7

AVALIAÇÃO

Atitude Engajamento Gradação

Afeto Julgamento Apreciação Monoglossia Contração Expansão Força Foco

Paz (13) Segurança Respeito (9) Capacidade Econômic*[o,os,a,a s] (28) Valoração é (58) Não (61) Negação Contra (8) distanciamento Mais (29) intensidade Liberdade (9) Segurança [solicitando] Apoio (7) Capacidade Históric* (8) Valoração Mas (26) Contraexpectativa Também (13) intensidade [tenho] certeza (4) + certeza (2) Segurança Esforço (7) Tenacidade Novas (8) Valoração Sem (20) Negação Toda* (13) intensidade Confiança (4) Segurança Vontade (6) Tenacidade Público (6) Valoração nem (6) Negação Melhor (10) intensidade Luta (5) Tenacidade Permanente (6) Valoração Tenho (4) Pronunciamento Não só (7) intensidade Potencial (5) Capacidade Problema (6) Reação Ainda (7) intensidade Combate (4) Tenacidade Coletivo (5) Valoração Grandes (7) Intensidade Compromisso (4) Tenacidade Socia* (20) Valoração Maior (7) Intensidade Desafio (4) Capacidade Dimensão (4) Composição Todos (7) quantidade Direito (4) Propriedade Política (4) Valoração Sempre (6) intensidade Presidente (3) Capacidade Nacional (9) Valoração Só (5) intensidade Internaciona* (17) Valoração Cada (5) quantidade Externa (9) Valoração Muito (5) intensidade Ecológico (6) Valoração Tudo (5) intensidade Financeira (5) Valoração Coletivo (5) intensidade Fonte: Autora.

Quanto ao Engajamento, prevalece a contração dialógica, que apresenta um total de 117 ocorrências. A categoria mais expressiva é a negação (87 ocorrências), que dá ao texto um tom relativamente fechado, que pode ser entendido como a necessidade de marcar, através do discurso, a ruptura com o passado. Essa interpretação pode ser corroborada também pelos dados de construções monoglóssicas em D#7 (o uso do processo relacional "é" totalizando 58 ocorrências) que não abrem espaço para outras vozes. Os exemplos 106 e 107 representam a negação e a monoglossia, respectivamente, em D#7.

106 Mas não aceitarei contratos de adesão que determinem

unilateralmente caminhos e soluções. D#7

107

A palavra de ordem do meu Governo, no plano internacional, é só uma: o Brasil não aceita ficar a reboque do processo de transformação mundial.

D#7

No que concerne aos significados de gradação, dentre a parcela de itens lexicais observados em D#7, obtivemos apenas ocorrências de força. É possível observar, no quadro 23, que a categoria mais evidente foi a de intensidade, com 126 ocorrências de um total de 141. No exemplo 108 podemos observar o item "mais" funcionando como intensificador de uma avaliação de apreciação.

108 Essa é a realidade dos países mais desenvolvidos do planeta. D#7

É preciso considerar a expressividade do uso de gradação força intensificação relacionada às avaliações predominantemente de valor apreciativo, ao número de construções monoglóssicas e à significativa quantidade de negações, em D#7. Justapostos, esses dados deixam evidente a imagem de um presidente que avalia o cenário a partir de seu ponto de vista, que tem certeza sobre suas asserções e que não está disposto a "negociar" com sua audiência.

O levantamento do sistema de Negociação, em D#7, corrobora nosso entendimento de que o Presidente Collor não está disposto ao "diálogo" (apesar de essa ser uma das palavras mais recorrentes no texto - aparece 13 vezes). Todos os processos evidenciados dentro do ponto de corte da lista de palavras - os 10% mais

recorrentes no texto - foram catalogados quanto ao modo (declarativo, interrogativo e imperativo) e quanto à função de fala que exerciam36.

No total, foram analisadas 124 ocorrências de processos, sendo todos pertencentes ao modo declarativo. Quanto à função de fala, praticamente todas a ocorrências são congruentes e expressam declarações, como no exemplo 109. Apenas uma ocorrência de modo declarativo exerce a função de comando, tal como mostra o exemplo 110.

109 [a concessão de benefícios, a definição de privilégios] são

incompatíveis com a receita do Estado. D#7

110 [Não viver da política, mas viver para a política] É esse, também, o

apelo que faço à nossa classe política [...]. D#7

No que diz respeito ao sistema de Envolvimento, a categoria que se destaca dentre as demais é o léxico técnico, com 259 ocorrências, como pode ser observado no Quadro 18.

A categoria de léxico técnico engloba desde a itens de fácil compreensão para o público geral (como as palavras "povo", "nação") até itens com significação menos acessível (como "estabilização", "mercado"), desde que sejam pertencentes ao contexto político. O exemplo 111 mostra os itens lexicais "democracia", "cidadania", "inflação" e "modernização".

111

[o grandes temas de meu programa] São eles: democracia e cidadania; a inflação como inimigo maior; a reforma do Estado e a modernização econômica; a preocupação ecológica; o desafio da dívida social; e, finalmente,, a posição do Brasil no mundo contemporâneo.

D#7

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Optamos por não apresentar aqui, e nas próximas análises, o quadro com as ocorrências de Negociação, tendo em vista que a extensão dos dados consumiria inúmeras páginas seguintes. No entanto, esses dados quantitativos podem ser consultados no Anexo B.

Quadro 18 – Sistema de Envolvimento em D#7

(continua) ENVOLVIMENTO

Nomes próprios Léxico técnico vocativos Linguagem formal Linguagem informal Expletivos

Brasil (51) Governo (25) Senhor* (21) Excelentíssimo* (9)

Estado (25) + Estado (5) Desenvolvimento (20) República (6) Nações (8) + Nação (6) História (5) Povo (8) + povos (5) Congresso (5) Política (12)

Congresso Nacional (4) Inflação (12)

América (4) Democracia (12)

Europa (4) Justiça (12)

Câmara dos Deputados (2) Mundo (12) País (12) Economia (10) Modernização (9) Países (9) Mercado (7) Plano (7) Crescimento (6) Direito (6) Presidência (6) Presidente (6) Projeto (6) Abertura (5) Propostas (5) Sociedade (5) Base (4) Campanha (4) Cenário (4)

Quadro 18 – Sistema de Envolvimento em D#7

(conclusão) ENVOLVIMENTO

Nomes próprios Léxico técnico Vocativos Linguagem formal Linguagem informal Expletivos

Congressistas (4) Educação (4) Elites (4)

Estabilização (4) Fonte: Autora.

Outra categoria também recorrente em D#7 são os nomes próprios (111 ocorrências), com destaque para o item "Brasil" (como demonstra o exemplo 112), que ocorre 51 vezes. Ao lado desse, os demais itens dizem respeito às instituições democráticas (como "Estado", "República", "Congresso") e a outros continentes ("América" e "Europa").

112 Uma das tônicas do Brasil moderno há de ser a participação ativa

nas grandes decisões internacionais. D#7

A categoria de vocativos está materializada pelo item "Senhor" e suas variações "senhores", "senhoras" (com 21 ocorrências). Esses vocativos são direcionados para "Congressistas", "Deputados", "Senadores", "membros do Congresso", entre outros, e, ao mesmo tempo em que inserem o interlocutor no texto, graduam para mais a incisividade do discurso. O exemplo 113 evidencia nossa argumentação.

113

Senhores Congressistas,

Filho e neto de políticos, trago no sangue o sentimento da vida pública como dever e como missão.

D#7

Os vocativos realizam léxico-gramaticalmente as saudações iniciais em D#7 e deixam explícito a quem o discurso é dirigido. Conforme o exemplo 114, a plateia na cerimônia de posse, onde esse discurso fora proferido, era composta, como é de costume, por diversas autoridades públicas.

114

Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República;

Excelentíssimos Senhores Chefes de Estado e de Governo estrangeiros;

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados; Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimos Senhores Chefes das Missões Especiais estrangeiras;

Excelentíssimos Senhores integrantes da Mesa; Excelentíssimos Senhores Senadores;

Excelentíssimos Senhores Deputados, Altas Autoridades,da República,

Senhoras e Senhores,

Além das autoridades, os demais presentes e, consideramos, os possíveis leitores extra-contextuais do discurso, estão representados pelo vocativo "Senhoras e Senhores". Essa qualidade heterogênea dos interlocutores em D#7 o faz diferenciar de D#8 no que se refere à variável relações do contexto de situação.

Com base nos dados apresentados, a imagem construída, pelo discurso, do presidente Collor o coloca em uma posição de superioridade frente aos interlocutores. O presidente faz declarações, asserções, avaliações sobre a política, o país, a economia, a História, a partir de seu ponto de vista. Isso fica evidente pela recorrência de pronomes em primeira pessoa do singular - que colocam o locutor em uma posição de superioridade sobre os interlocutores - por meio das construções monoglóssicas e da contração dialógica.

Além disso, Collor faz também uso expressivo de itens lexicais de domínio técnico, o que restringe a participação discursiva da audiência aos membros familiarizados com o campo político. Esses fatores pendem o eixo do status para o pólo desigual, uma vez que constroem uma imagem de audiência passiva.

Se considerarmos que o presidente Collor dá preferência ao léxico técnico e que grande parte dos vocativos são direcionados aos membros do governo, podemos argumentar que ele fala a seus colegas políticos, mas deixa evidente suas posições hierárquicas. Relacionada a essa interpretação está a expressiva ocorrência de pronomes37 em primeira pessoa ("meu", "meus", "minha", "minhas" totalizando 49 ocorrências) que colocam o locutor em posição hierarquicamente acima dos ouvintes. Dessa forma, mesmo a distância social entre presidente e [parcela da] audiência sendo relativamente pequena, a maneira como o discurso é construído os coloca mais distantes no eixo da solidariedade. Podemos visualizar a configuração da variável contextual relações na Figura 15.

37

O quadro com o mapeamento dos pronomes mais recorrentes em cada discurso de posse encontra-se no Anexo.

Figura 15 – Dimensões da variável relações em D#7

Fonte: Autora.

Conforme demonstra a Figura 15, o discurso do Presidente Collor situa-se no quadrante inferior direito, deixando evidente a desigualdade de status e a distância solidária entre os participantes.

A construção discursiva em D#7 sustenta o imaginário da Modernidade. Ao considerarmos o contexto histórico da posse, compreendemos que a eleição de Collor representava a renovação democrática. Nesse sentido, o presidente constrói para a si a imagem do novo, da mudança, daquele que "tem no sangue" o fazer político e que assim o fará, com "apoio", "respeito", "esforço", "vontade".

Esse é também o argumento de força das crenças compartilhadas - a audiência [os brasileiros] anseiam pelo novo - e é isso que o presidente lhes oferece. Além desse, são também compartilhados os valores de: 1) autoridade de si - o discurso é centrado na pessoa do presidente, por ter sido eleito e por descender de uma família de políticos, ele tem condições para governar -; 2) da desqualificação - das ações políticas do passado -; e da vontade de agir - recorrência de julgamentos de capacidade e tenacidade.