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CAPÍTULO 3 – INTERAGINDO COM A AUDIÊNCIA

3.1 SEMÂNTICA DO DISCURSO

3.3.1 Funções de fala e MODO

Como diretriz analítica para distinguir os 13 atos de fala, dispostos na Figura 12, Martin e Rose (2008, p. 227) baseiam-se na perspectiva gramatical do sistema de MODO (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), que realiza, no nível léxico-gramatical, as funções de fala do nível semântico discursivo.

Um útil conjunto de marcadores de movimentos [do diálogo] inclui ‗por favor‘, ‗amavelmente‘, ‗obrigado‘, ‗ok‟, ‗bem‘, ‗não se preocupe‘, ‗seja bem vindo‘, ‗sem problema‘, que normalmente indicam movimentos relativos a bens e serviços. [...] Quando esses marcadores não estão presentes, nós podemos checar para ver se eles poderiam ter estado (adicionando, por exemplo, ‗por favor‘ a [...] um comando [...]) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 227). Diferentes estruturas gramaticais podem ser usadas para realizar a mesma função de fala – apesar da relação entre as funções de fala e os Modos oracionais, representada no Quadro 4 –, um comando pode ser realizado tanto pelo imperativo quanto pelo declarativo e interrogativo. Essa variação consiste em um importante tópico na análise do discurso (MARTIN; ROSE, 2008, p. 227). O Quadro 11, a seguir, apresenta exemplos de realizações gramaticais alternativas de comandos.

Quadro 11 – Realizações gramaticais alternativas de comandos

Exemplos Funções de fala Modo gramatical

Eu os convoco para mudar o Brasil. [D#6] comando Declarativo

Vamos mudar o Brasil? comando Interrogativo

Mude o Brasil. comando Imperativo

Retomando as categorias de Modo – Sujeito e Finito – propostas por Halliday (e apresentadas na seção 2.3.1 deste estudo) Martin e Rose (2008) demonstram como a presença ou ausência desses dois elementos do Modo determinam o modo oracional em uma função de fala. ―Sujeito e Finito são tudo de que podemos precisar para negociar funções de fala em respostas‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 228). O destinatário Sujeito ‗você‘ em uma questão (Você está saindo?), pode se tornar o falante Sujeito ‗eu‘ na resposta (Claro que eu estou.).

As diversas formas de realização de um ato de fala, como o comando (vide Quadro 11), evidenciam que, às vezes, em virtude do contexto, uma forma gramatical alternativa se faz mais efetiva que a forma convencional. Esse tipo de realização é denominado ―ato de fala indireto‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 229) e combina o significado semântico do discurso de ato com o significado gramatical de um modo alternativo. Fazer um comando por meio de uma declaração (dando informação) ou uma interrogação (solicitando informação).

Há, nesses casos, uma tensão entre a semântica do discurso e a gramática. O comando põe o destinatário como encarregado do serviço a ser prestado, ―como um servo do falante‖. O modo interrogativo, ao contrário, posiciona o destinatário como alguém que sabe a resposta, ―a autoridade na situação‖. O comando na forma interrogativa marca a desigualdade de status (falante-destinatário). O comando na forma declarativa, não é apenas um pedido, representa uma oferta de informação (o Sujeito é o próprio falante) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 229).

As perguntas também podem ser realizadas por formas outras que não a interrogativa tendo-se em vista os efeitos semântico-discursivos pretendidos. A forma natural de realização de perguntas é por meio das questões QU- (quem, como, onde, quando, por que), especificando, logo no início, o tipo de informação requerida. Uma forma menos direta é a interrogativa polar, que dá a opção de recusa. Uma forma mais autoritária, entretanto, será pedir informação usando o imperativo (comandando o destinatário a dar a informação) ou o declarativo (fazendo com que o destinatário complete a declaração pelo falante) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 230). O tipo de troca é o mesmo (solicitação de informação), mas cada tipo de interação está construindo ―diferentes relações sociais entre os falantes, abrindo mais possibilidades de negociação de status‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 230).

As formas de realização dos atos de fala pelos modos oracionais, tal como dispostos no Quadro 4, no Capítulo 2, consistem em realizações congruentes. As formas indiretas, por cujas realizações se dão pelos modos oracionais não

congruentes, são metafóricas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). As metáforas gramaticais, nesse caso, interpessoais, ―abrem um grande potencial para graduar elegantemente significados como obrigação em comandos‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 230). As realizações congruentes e metafóricas das funções de fala são representadas no Quadro 12.

Quadro 12 – Realizações metafóricas e congruentes das funções de fala

Realização congruente Amostra de possibilidade metafórica

Declaração

Essa vida anormal é uma violação cruel dos direitos humanos.

O que mais pode ser essa vida anormal além de uma cruel violação dos direitos humanos?

Pergunta Quem é esse? E esse é...?

Comando Faça isso amanhã! Você tem que/precisa /poderia fazer isso amanhã.

Oferta Vamos sentar? –

Fonte: (MARTIN; ROSE, 2008, p. 231).

Dentre as quatro funções de fala básicas, a oferta é a única que não apresenta uma forma gramatical incongruente. Sua realização mais distintiva refere- se às formas interrogativas com o Finito ―deve, devemos‖ (shall em inglês).

As declarações, as questões, as ofertas e os comandos, como observamos, atribuem ao interlocutor da conversação uma posição de respondente do ato. As respostas aos atos de fala, que dão sequência aos movimentos interativos, quando ocorrem de forma complacente – esperada – aceitam os termos da negociação estabelecidos pela estrutura Sujeito-Finito do movimento inicial. A estrutura de uma resposta pode envolver uma oração inteira ou apenas o Sujeito e o Finito, omitindo o restante da oração, ou, ainda, somente um sinal de polaridade (sim, não, ok), deixando o conteúdo do movimento precedente totalmente presumido.

Os movimentos subsequentes ao movimento que inicia a conversação, na estrutura de troca, podem ocorrer um número indefinido de vezes. A troca de bens e serviços pode envolver desde um até cinco movimentos, dependendo de quem inicia a troca, se a pessoa que solicita bens e serviços ou a pessoa que oferece bens e

serviços (MARTIN; ROSE, 2008, p. 237). A troca de informação, entretanto, consiste em um movimento obrigatório. Quando negociamos informação, o movimento inicial é o que autoritariamente estabelece os elementos em questão (MARTIN; ROSE, 2008, p. 237).

Com base em Barry (1981, apud MARTIN; ROSE, 2008), os autores (2008, p. 238) denominam a negociação de bens e serviços como ―troca de ação‖, sendo a pessoa responsável por prover o bem ou desempenhar o serviço entendida como ―ator primário‖. A negociação de informações é referida pelos autores como ―troca de conhecimento‖, na qual a pessoa que tem autoridade para declarar a informação é referida como ―conhecedor‖. Os interactantes são referidos, respectivamente, como ―ator secundário‖, quem recebe o bem ou tem o serviço realizado por ele, e ―conhecedor secundário‖, quem recebe a informação proferida pelo ―conhecedor primário‖.

A sistematização das escolhas relativas às funções de fala e aos movimentos sequenciais consolidada por Martin e Rose (2008) no que concerne, no nível semântico-discursivo, ao Sistema de Negociação pode ser visualizada na Figura 13, a seguir.

Figura 13 – Rede das funções de fala consolidadas

Nesta tese de doutoramento, as estruturas dos movimentos subsequentes de interação, que dão continuidade à conversação, como as respostas, os movimentos sequenciais, as buscas por informações ou os desafios (MARTIN; ROSE, 2008), não serão abordadas ao analisarmos o sistema de Negociação no corpus. Essa delimitação se justifica em razão da própria caracterização do corpus selecionado: expressão de uma voz autoral, sem possibilidade imediata de resposta.

Os discursos de posse, como pretendemos demonstrar nas análises, representam um movimento de troca – inicial. São a declaração de informações (discurso que performatiza a posse) fornecidas pela pessoa que tem autoridade para tal (presidentes da República). O interlocutor – ou, nos termos de Martin e White (2005), o leitor putativo – mesmo estando compreendido na troca, não participa ativamente da negociação.