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Conflitos Analisados pela Teoria da Agência

2.1. Estrutura de Capital

2.1.3 Teoria da Agência

2.1.3.2 Conflitos Analisados pela Teoria da Agência

A teoria do fluxo de caixa livre (free cash flow), também identificada como teoria da agência para a estrutura de capital, está pautada no conceito de custo de agência (Myers, 2002). Os custos de agência podem ser originados por conflitos entre credores e acionistas ou por conflitos entre gestores (executivos) e acionistas.

A) Conflito entre Executivos e Acionistas

Em uma empresa que seja administrada por seus sócios, os objetivos individuais de maximização da riqueza irão coincidir com os da empresa. À medida que a empresa cresce, os sócios passam a necessitar delegar diferentes funções, contratando especialistas. Quando a gestão da empresa é assumida por executivos, os interesses dos proprietários e dos gestores podem não coincidir. Nesta situação, podem surgir conflitos de interesse entre executivos e acionistas.

Mesmo com a possibilidade da ocorrência de conflitos, a contratação de executivos quando a empresa está em expansão se torna necessária, posto a mesma impactar positivamente no valor da empresa. Esta valorização ocorre porque a percepção de mercado é de que a empresa está sendo administrada mais profissionalmente com executivos contratados para desempenhar funções gerenciais – ao invés do fundador ou de seus parentes. Com profissionais selecionados em função de suas competências profissionais, a perspectiva é que a empresa seja melhor administrada.

Com vistas a mitigar o conflito entre os interesses de gestores com os dos sócios (acionistas) as empresas incorrem em custos associados a estas contratações, os chamados

custos de agência. Segundo Cherobim (2008) os custos de agência associados ao conflito entre executivos e acionistas são agrupados em três tipos: gastos com monitoramento, gastos com reestruturação e custos de oportunidade.

Os gastos com monitoramento são, normalmente, mecanismos de acompanhamento externo, que impelem os executivos a priorizar a riqueza dos acionistas. Um exemplo destes mecanismos são as auditorias contratadas para acompanhar as operações das empresas. O auditor externo tem a função de identificar se as atividades estão ocorrendo tal como os relatórios contábeis e gerenciais indicaram. Caso haja alguma desconfiança, os sócios serão então comunicados. Trata-se de um procedimento normalmente oneroso e voltado para um período específico, o que limita a sua eficácia.

Os gastos com reestruturação impactam na fiscalização e hierarquização dos processos decisórios. Assim, a estrutura organizacional da empresa deve ser tal que haja um controle para que não sejam tomadas decisões em desacordo com os interesses dos acionistas. A escolha de uma composição do conselho de administração que inclua membros externos ou envolvimento dos acionistas nas assembléias são exemplos de procedimentos que aumentam a participação dos sócios nas decisões. Todavia, estes instrumentos implicam em gastos e uma maior lentidão no processo decisório.

Os custos de oportunidade se referem às medidas que são tomadas para reduzir a autonomia dos executivos, que podem acarretar em perdas de boas oportunidades de negócios. Por exemplo, ao se reduzir o fluxo de caixa à disposição dos gestores, ainda que tal medida reduza a possibilidade de mau uso por parte dos mesmos, diminui a agilidade do administrador.

Cherobim (2008) ainda aponta que os custos de agência podem ser reduzidos pela utilização de alguns mecanismos (ou estratégias). Como exemplo destas estratégias, é citada a remuneração variável de gestores, onde eles recebem ações da empresa no futuro, como parte do pagamento por ter melhorado o desempenho da empresa. Outro exemplo é a atração de grandes investidores institucionais (fundos de pensão e fundos de investimento), o que aumenta a possibilidade de intervenção dos acionistas na administração, posto que ao

entrarem com somas mais vultosas que os demais acionistas, aos mesmos compensa dedicar dinheiro e tempo com o acompanhamento das operações cotidianas da empresa.8

A possibilidade de haver uma aquisição hostil é outro instrumento de redução dos custos de agência, uma vez que os executivos temerosos de perderem seus cargos evitarão a mudança do controle que decorre da aquisição, buscando estratégias de valorização do preço das ações no mercado de tal modo que encareça a compra da empresa, evitando assim a possibilidade de mudança de proprietário.

Esta teoria deve ser vista com especial atenção quando analisada para o contexto brasileiro, conforme Silveira e Bellato (2005):

O principal problema de agência abordado pela literatura, desde o trabalho seminal de Berle e Means (1932), é o problema entre acionistas e gestores decorrente de uma situação de estrutura de propriedade pulverizada. No Brasil, entretanto, estudos como os de Leal et al. (2002) e Silveira et al. (2004), mostram que, em decorrência da alta concentração da propriedade e da existência de um grupo de controle bem definido, o principal problema de agência nas companhias abertas ocorre entre acionistas controladores e acionistas minoritários.

B) Conflito entre Acionistas e Credores

Para Myers (2001), conflitos entre os investidores de capital próprio com os de capital de terceiros só existem quando há um risco de não pagamento da dívida. Quando não há risco da dívida ser honrada, os credores não estarão interessados nos rendimentos, valores e riscos da empresa. Quando há a possibilidade de default, é possível que acionistas se beneficiem em detrimento de credores.

Quando gestores agem em defesa do interesse dos acionistas, eles podem ser tentados a adotar medidas que podem elevar o risco de não cumprimento das obrigações, e com isso transferirem valor dos credores para os acionistas. Para Myers (2001), existem diferentes formas dos gestores beneficiarem os acionistas, cabendo aos credores buscarem mecanismos nos contratos para diminuir as chances de estratégias de transferência de valor para os acionistas em detrimento da dívida.

8 Um exemplo de falta de acompanhamento pode ser visto nas empresas onde há uma grande diluição das ações, onde poucos acionistas conseguem dedicar tempo e recursos para irem às assembléias. Quando há algum acionista institucional, um analista ou representante do capital investido deverá estar presente. Além disto, este tipo de investidor consegue com mais facilidade deter uma quantidade de ações que possibilite a participação nos conselhos das empresas.

―There are many examples of these temptations at work. (…) Debt investors

are of course aware of these temptations and try to write debt contract accordingly. Debt covenants may restrict additional borrowing, limit dividend payouts or other distributions to stockholders, and provide that debt is immediately due and payable if other covenants are seriously violated.‖ (Myers, 2001, p.96)

Quando da emissão de dívida, os compradores destes títulos se baseiam na avaliação entre o risco no momento da compra e o esperado após a reestruturação das fontes de financiamento. Além da nova relação dívida/capital próprio, devem ser considerados os riscos dos investimentos a serem realizados. Segundo Cherobim (2008), os conflitos de interesse podem se originar nas decisões de investimento, de financiamento e de distribuição de dividendos.

Através das decisões de investimentos, os executivos estariam investindo em ativos mais arriscados ou adotando estratégias operacionais mais arriscadas. O sucesso deste tipo de operação seria absorvido pelos acionistas, o fracasso, todavia, ficaria para ser assumido pelos credores. Em outras palavras, o aumento do risco eleva o retorno para os acionistas, enquanto para o credor a adoção de investimentos mais arriscados aumenta a possibilidade da dívida não ser paga. Para os credores, não há contrapartida do aumento da remuneração decorrente dos investimentos mais arriscados, uma vez que o serviço da dívida é fixo.

Um mecanismo para reduzir este tipo de conflito pode ser a adoção de cláusulas que facultam a interferência dos credores em situações com perspectivas de default das obrigações da empresa, as quais indiquem mediadores em situações de conflito, previsão de assembléia de debenturistas e até participação direta na gestão ou nos conselhos em caso de inadimplência. Tais cláusulas demonstram o interesse da empresa em negociar e melhorar a sua transparência.

Outro instrumento pode ser a ocorrência de cláusulas que forçam a companhia a comprar seus títulos pelo valor de face, antes de sua data de vencimento. Se o título for emitido com uma opção de venda, o comprador terá uma alternativa de saída antes do prazo final. Esta alternativa servirá de parâmetro para o preço a ser cotado em mercado nas proximidades da data do exercício. Assim, se um título não tiver liquidez ou for desvalorizado, o detentor do mesmo poderá exercer a sua opção de venda ao preço pré- acordado ainda que anterior a data de vencimento do título.

No que diz respeito às decisões de financiamento, os executivos podem assumir dívidas mais arriscadas que as anteriores, o que implica a elevação da taxa de juros exigida. O detentor do título antigo não terá sua remuneração ampliada, uma vez que os pagamentos de juros e do principal são pré-acordados, embora o seu risco tenha ficado maior, o que leva a redução do preço do título em mercado. Quando a taxa de juros paga a novos credores é superior à paga pelos títulos antigos, tanto acionistas quanto os credores antigos estarão perdendo. Os credores antigos verão seus títulos serem desvalorizados. Já para os acionistas, como a parcela do retorno gerado pelo ativo que é incorporada pelo credor aumenta, haverá redução do fluxo pertencente ao capital próprio, em comparação com aquele observado caso a remuneração dos credores estivesse associada a uma menor taxa.

A dívida, mesmo mais cara, pode ainda estar sendo favorável ao acionista em termos de benefícios fiscais, enquanto para o credor representa perda de valor dos títulos cotados nos mercados (de debêntures). De acordo com Cherobim (2008), até o limite dos riscos de falência, os acionistas são favoráveis ao financiamento de bons projetos com capital de terceiros, uma vez que com o mesmo montante de capital próprio consegue-se gerar um lucro maior para o acionista, aumentando assim a rentabilidade das ações.

Com relação às decisões de distribuição de dividendos, na falta de bons projetos de investimentos os executivos podem aproveitar a sobra de caixa para pagar dividendos acima dos esperados, ou até mesmo recomprar ações. Esta redução de liquidez pode comprometer nos períodos seguintes a capacidade de pagamento dos juros. No limite, os executivos podem até pegar dinheiro emprestado adicional com o objetivo de pagar aos acionistas. Neste caso, o valor total da firma ficaria constante. Todavia, o valor da dívida existente declinaria e a da parcela pertencente ao capital próprio aumentaria (Myers, 2001, p.96).

Visto como uma teoria que analisa os conflitos entre acionistas e credores ou entre acionistas e gestores, a teoria da agência é capaz de ter um papel importante na compreensão do nível do endividamento, ainda que esta teoria não tenha o respaldo na literatura como as teorias de trade-off e a de pecking-order possuem. A teoria da agência e as teorias que serão abordadas na próxima seção trazem contribuições relevantes ao debate sobre endividamento, independente de serem identificadas ou não como teorias de estrutura de capital.