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2.1. Estrutura de Capital

2.1.5 Teorias de Mercado

Os modelos de estrutura de capital que usam argumentos das teorias das organizações industriais aparecem na literatura científica desde a década de 80. Para Harris e Raviv (1991), estes modelos podem ser classificados em duas categorias: aquela onde a estrutura de capital está relacionada à estratégia competitiva da firma e aquela onde a mesma deriva da interação da firma com consumidores e fornecedores.

As teorias relacionadas ao mercado caracterizam-se por trazer contribuições para as teorias anteriormente descritas, e não por criarem alternativas metodológicas para abordar o tema do levantamento de recursos. Deve ser destacado que as contribuições podem ser mais pertinentes a uma dada teoria. As teorias de mercado podem enriquecer os modelos constituídos a partir da teoria de pecking order de forma mais notável. A compreensão da dinâmica do mercado em termos concorrenciais ou na sua interação com outros agentes permite vislumbrar as razões para que uma empresa tenha a sua hierarquia de preferência entre as fontes de recursos. A mudança na forma de captar recursos representa uma sinalização da empresa para os agentes relacionados à mesma, especialmente para os que fazem parte da sua linha de produção (fornecedores, clientes, sindicatos), e inclusive para os concorrentes existentes e potenciais.

Uma abordagem que complementa a teoria de trade-off leva em consideração as interações dos mercados de fator e de produto, com destaque para o trabalho de Titman e Wessels (1988). Esta abordagem é considerada como uma alternativa de teoria de estrutura de capital, tal como indicado por Harris e Raviv (1991) e Frank e Goyal (2009), sendo tratada

neste referencial teórico junto com as teorias que consideram as condições econômicas onde as empresa operam.

Inicialmente será discutida a abordagem que explora a relação entre a estrutura de capital de uma empresa e a sua estratégia quando o seu produto está competindo no mercado, e em seguida a abordagem tratada é a que relaciona a estrutura de capital da empresa com as negociações que ocorrem entre a empresa e os outros ―agentes‖ em função das características do produto ou do insumo.

A) Teorias Relacionadas à Estratégia Competitiva de Mercado

Se por um lado a literatura de economia industrial normalmente assume que, ao escolher a sua estratégia competitiva, o objetivo da firma é maximizar o lucro total, sem considerar de forma mais explícita as questões relacionadas a como a firma financia seus projetos de investimento, por outro lado, a literatura financeira costuma ressaltar a maximização da riqueza dos acionistas como objetivo da firma, geralmente ignorando a estratégia de mercado relativa ao seu produto.

Existe por outro lado uma literatura adicional que relaciona a estrutura de capital e a estratégia competitiva da firma, cujos trabalhos adotam a visão que os executivos podem orientar suas ações para agregar valor aos acionistas pela escolha do nível de alavancagem da empresa, considerando características concorrenciais existentes no mercado. Os trabalhos de Brander e Lewis (1986), Maksimovic (1988) e Glazer (1989) defendem a idéia que a alavancagem muda a remuneração das ações e o seu risco, criando assim barreiras à concorrência que impactam nas estratégias competitivas da firma. A respeito da alavancagem afetar o equilíbrio entre as empresas no mercado, tem-se a seguinte citação que destaca a relação entre estratégia de mercado e estrutura de capital:

The new literature linking capital structure and product market strategy adopts the finance view that managers generally have incentives to maximize equity value as opposed to profits or total value. In these papers, leverage changes the payoffs to equity and thus affects the equilibrium product market strategies. (Harris e Raviv, 1991, p.316)

Brander e Lewis (1986) partiram da argumentação de Jensen e Meckling (1976) de que aumentos nos níveis de dívida induzem os acionistas a perseguirem estratégias mais arriscadas. No modelo por eles criado, empresas de oligopólios adotam políticas de produção mais agressivas do que as empresas que operam como monopólios ou das que atuam em

mercados competitivos. Este comprometimento com estratégias mais agressivas acaba por sua vez, levando as empresas a escolherem níveis mais elevados de dívida11.

Partindo da modelagem dos lucros em função da demanda, dos custos e do número de empresas, Maksimovic (1988) derivou um modelo estático comparativo capaz de apresentar a capacidade de endividamento em função das características da indústria e da firma. A capacidade de endividamento seria o montante máximo que as empresas de determinada indústria poderiam suportar sem possibilidade de destruir os acordos tácitos. Sobreira, Rente e Figueiredo (2005) destacam que Maksimovic (1988) identificou a relação existente entre o lado financeiro e as práticas de conluio existente em mercados oligopolistas, o que permitiu à teoria associar a estrutura de capital às estratégias concorrenciais de impedir a entrada de concorrentes.

Os modelos teóricos que relacionam a estratégia competitiva com a estrutura de mercado fundamentam-se no argumento que empresas em oligopólios tendem a ter uma dívida maior que as empresas em monopólios ou em mercados competitivos (Brander e Lewis, 1986), e que a dívida tende a ser de longo prazo (Glazer,1989). Quando acordos tácitos são viáveis, a dívida fica limitada e a capacidade de alavancagem aumenta em função da elasticidade da demanda (Maksimovic, 1988). Com a possibilidade de elevação da dívida, a empresa poderá reagir rapidamente caso algum novo concorrente queira ingressar em seu mercado. Além de facilitar a reação a entrantes, Sobreira, Rente e Figueiredo (2005, p.11) alegam que as reservas de capital ou a capacidade de aumentar a alavancagem podem criar práticas predatórias de fixação de preços.

B) Influência da Dívida nas Interações com Consumidores e Fornecedores

A abordagem da determinação da estrutura de capital baseada na relação da empresa com consumidores e fornecedores parte das interações entre o nível de dívida e o mercado do produto ou o dos insumos. Os estudos relacionados a esta abordagem são voltados para as necessidades dos clientes para um produto ou serviço em particular, as necessidades dos funcionários se vincularem a alguma empresa com especificidades de capital humano, a qualidade do produto e o poder de barganha dos trabalhadores ou de outros fornecedores. (Harrris e Raviv, 1991).

11 Brander e Lewis (1986) afirmam que, de acordo com o equilíbrio de Cournot, a escolha pelo aumento da alavancagem acaba sendo obrigatória para as empresas sobreviventes em mercados oligopolistas.

Titman (1984) constatou que a liquidação de uma empresa pode acarretar em custos para os consumidores ou fornecedores. Estes custos se refletem na incapacidade dos consumidores obterem os produtos e serviços desejados ou na impossibilidade dos fornecedores realizarem as vendas como esperado. A possibilidade de ocorrência destes custos acaba impactando na empresa, e por sua vez nos acionistas, pela redução dos preços dos produtos da empresa. Para o autor, a estrutura de capital pode ser usada para influenciar os acionistas a terem uma perspectiva adequada quanto à liquidação da empresa.

De modo geral, para os produtos duráveis ou únicos, os custos impostos aos consumidores, quando estes produtos deixam de existir é maior do que para os produtos não duráveis ou aqueles que podem ser ofertados por mais de um produtor. Titman e Wessels (1988) constataram que a dívida é negativamente correlacionada com a ―unicidade‖ da linha de negócios de uma empresa, o que é consistente com a idéia de que as firmas que podem potencialmente impor altos custos (para os consumidores, trabalhadores e fornecedores) na eventualidade de uma liquidação têm um nível baixo de dívida Os autores apresentam conclusões semelhantes para empresas cujos produtos sejam únicos ou especializados, conforme pode ser visto em Titman Wessels (1988,p.2) com a afirmação: “[o]ur results

suggest that firms with unique or specialized products have relatively low debt ratios”.

Titman e Wessels (1988) justificam esta afirmação:

(...) Customers, workers, and suppliers of firms that produce unique or specialized products probably suffer relative high costs in the event that they liquidate. Their workers and suppliers probably have job-specific skills and capital, and their customers may find it difficult to find alternative servicing for their relatively unique products. For these reasons, uniqueness is expected to be negatively related to debt ratios. (Titman e Wessels, p.5, 1988).

Os modelos envolvendo características dos produtos ou dos insumos ressaltaram o papel da estrutura de capital na disponibilidade futura de produtos, partes, serviços, controle de qualidade e a dinâmica da barganha entre executivos e fornecedores de insumos. Sarig (1988) argumenta que os detentores de títulos de dívida assumem uma grande parcela dos custos do fracasso da barganha, mas somente recebem uma pequena parcela dos ganhos de barganha bem sucedida. Assim, os credores protegem parcialmente os acionistas contra o fracasso nas negociações com os fornecedores. A implicação deste argumento é que a empresa deve aumentar sua dívida, quanto maior for o poder de barganha ou mais ampliada a alternativa de mudar seus fornecedores no mercado. Por extensão, em relação à mão de obra,

pode-se afirmar que firmas com sindicatos bem organizados ou empresas onde os empregados tenham habilidades que sejam fáceis de serem transferidas terão um nível de endividamento maior. Visto sob esta ótica, a força de trabalho é entendida como um tipo de insumo, valendo- se da mesma lógica de barganha com os fornecedores.

De acordo com Titman (1984) e Titman e Wessels (1988), para as empresas cujos produtos são únicos ou com serviços adicionais no pós-venda ou tenham reputação de produzirem produtos de alta qualidade, são esperadas dívidas menores, mantidos outros fatores constantes. A razão disto ocorrer é porque os possíveis custos pela liquidação destas empresas são elevados, uma vez que nestes casos os impactos da descontinuidade são mais danosos aos consumidores, a questão da imagem de empresa sólida é fundamental para não comprometer o faturamento.

De forma análoga, algumas características da forma como a empresa se relaciona com trabalhadores podem definir a estrutura de capital mais adequada. Sarig (1988) afirma que empresas sindicalizadas ou com funcionários com habilidades de fácil transferência tenderão a ter maiores dívidas, pois estes fatores facilitam a negociação em caso de mudança da mão de obra. A ideia inerente a este argumento é que seria mais fácil demitir e contratar quando for menos custosa a substituição de funcionários e quando há a possibilidade de dialogar com um grupo maior de trabalhadores ao existirem sindicatos organizados.