• Nenhum resultado encontrado

2.2 Dual Class

2.2.1 Definição de Dual-Class

O conceito de Dual-Class diz respeito à possibilidade de haver emissão de ações com direitos diferenciados dentro de uma mesma empresa, conforme ensinamentos de Castro, Cladera e Aguilera (2012, p.3):

In short, a dual-class share is an ownership device where the focal firm issues two or more class of publicly trade shares. Usually, in one class of stock the one share-one vote prevails (i.e., ordinary or common shares), while in the others, there is a preferred position on economic rights, for example, priority over common stock in the payment of dividends, alongside no voting rights (i.e., preferred shares).

Considera-se a expressão dual-class para tratar da emissão de ações com direitos distintos sob o resultado de uma mesma empresa que está sendo negociada em determinado mercado. Assim, os casos de recibo de ações como ADR ou BDR não se constituem um caso de dual-class, pois se trata do mesmo título que está sendo negociado em outro mercado. A mesma lógica se aplica a bônus e recibos de subscrição, já que estes são derivados de uma determinada ação e não outra forma de participação societária.

O conceito de dual-class, aqui assumido, é pertinente para permitir o reconhecimento como diferentes fontes de capital próprio. Admite-se que as ações de classes distintas são usualmente enquadradas, pela literatura, de uma mesma forma na estrutura de capital de uma empresa, sendo identificadas como recursos dos sócios que compõem o capital próprio. A estrutura de capital refere-se à forma como as empresas utilizam capital próprio e capital de terceiros para financiar os seus ativos. Em linhas gerais, os capitais próprios são os recursos fornecidos pelos sócios ou acionistas, enquanto os capitais de terceiros envolvem os recursos obtidos por meio de dívidas.

As emissões de ações dual-class, aqui tratadas, são referentes a títulos do capital próprio que tem participação no lucro independente de sua denominação, diferentemente dos EUA, onde as chamadas preferred stocks são títulos com remuneração fixa e merecem ser enquadrados como títulos de dívida, conforme destacado por Damodaran (2004). A utilização do conceito de dual-class para os EUA e Canadá se referem à contraposição de SVS (superior voting shares) com as RVS (restricted voting shares), onde ambas são denominadas common (ordinárias) e se distinguem pelo poder de voto, conforme Smith e Amoako-adu (1995). James Kristie (2012) destaca o caso da Google como empresa de dual-class, onde foram emitidas dois tipos de ações votantes, mas uma com poder de voto 10 vezes maior que a outra.

Embora as características de diferenciação entre classes de ações ordinárias e preferenciais variem de país para país, o tema tem sido relevante para diferentes estudos realizados ao redor do mundo, com destaque para os trabalhos: (i) da Europa, de Dittmann e Ulbricht (2008), Ferrarini e Guido (2006); (ii) da Rússia, de Muravyer (2009) e; (iii) do México, de Valero et al. (2008). Tais trabalhos demonstram que em diferentes países têm sido desenvolvidos estudos que objetivam investigar a diferença de preço e de direitos entre classes de ações em uma mesma empresa, em conformidade com suas características legais e mercadológicas.

O mais usual na conceituação, fora dos EUA é que as ações possuam a denominação de ordinárias para as votantes e preferenciais para as sem ou com restrição no seu direito de voto. A utilização da terminologia dual-class engloba os casos de empresas com duas, três ou mais classes e subclasses de ações. Desta forma, o termo dual-class pode ser utilizado para empresas nacionais como Suzano, Eletrobrás e Cesp que possuem para negociação ações preferenciais do tipo A e B, além das ações ordinárias.

Ainda que para a devida conceituação da emissão de ações dual-class seja necessária uma investigação especifica da legislação e do ambiente de negociação de cada país, alguns conceitos podem ser generalizados a respeito dos efeitos da possibilidade de negociação em classes diferenciadas, especificamente no que diz respeito ao poder. A ocorrência da emissão dual-class acarreta em que acionistas participantes da mesma empresa tenham direitos distintos sob a empresa.

Considerando a diferenciação de direitos, a conseqüência direta da possibilidade do capital próprio ser formado por duas ou mais classes de ações é a separação entre o direito ao voto e o direito ao fluxo de caixa da empresa, conforme pode ser encontrado entre outros em Faccio e Lang (2002), Ferrarini (2006), Caprio, Croci e Del Giudice (2011) e Chemmanur e Jiao (2012).

We report the use of multiple classes of shares, pyramid al structures, holdings through multiple control chains and cross-holdings, which are devices that give the controlling shareholders control rights in excess of their cash-flow rights. (Faccio e Lang, p.366, 2002).

Este direito de voto diferenciado reflete na estrutura de poder, principalmente pela perspectiva de obter o controle das empresas. O International Accounting Standards (IAS) define controle como o poder de governar as políticas financeiras e operacionais de uma

entidade assim como a obtenção de benefícios desta atividade13. De acordo com os padrões internacionais (IAS 27.13), controle presume que o controlador adquire mais da metade dos direitos de voto da entidade. Por esta definição o controle estaria relacionado com o direito de voto; portanto, pode-se definir direito de controle como direito ao voto quando este excede o limite de 50%.

Para autores como Silveira e Bellato (2005) e Gorga (2009), o controle pode ser inclusive considerado quando se realiza através de acordo de acionistas. Estes autores destacam que, desde a criação dos níveis diferenciados da Bovespa, a concentração da propriedade de ações em várias empresas brasileiras diminui, mas não se pode reconhecer que houve uma dispersão do controle acionário neste mercado.

A diminuição da concentração de propriedade pode não representar uma correspondente redução da concentração do controle acionário, porque em muitas companhias o controle passou a ser exercido de forma coordenada por grupos de acionistas comprometidos com instrumentos contratuais que asseguram o exercício do poder de controle. Para Gorga (2009, p.104) ―Os acordos de acionistas são instrumentos que substituem a propriedade de ações ao possibilitarem a concentração do controle por meio da coordenação de votos de acionistas vinculados a relações contratuais.‖

Caprio, Croci e Del Giudice (2011) argumentam que a prevalência de efeitos negativos de grandes acionistas sobre o desempenho está positivamente relacionada com a presença de dispositivos que reforçam o controle, como pirâmides e estruturas dual-class, que são empregadas em muitas empresas européias para criar uma divergência entre a proporção dos direitos de voto e os direitos de fluxo de caixa realizado, a qual foi chamada de cunha (wedge). Para Faccio e Lang (2002), quando a cunha é alta, o maior acionista tem mais incentivos para pactuar com os gestores em compartilhar os benefícios privados decorrentes de aquisições, em detrimento dos acionistas minoritários. Por esta razão, espera-se que a cunha (wedge) entre voto e o direito sobre os fluxos de caixa sejam detidos pelo maior acionistas esteja positivamente relacionada com a possibilidade de aquisições.

Black, Carvalho e Sampaio (2013, p.9) destacam que no Brasil, a existência de estruturas dual-class é um mecanismo que cria uma cunha entre direito ao fluxo de caixa e o

13 Cf. IAS: ―the power to govern the financial and operating policies of an entity so as to obtain benefits from its activities.‖

direito a voto. Onde em muitas empresas, com insiders detendo as ações votantes (ordinárias) e outsiders com a posse basicamente de ações preferenciais, é criada uma cunha (wedge) entre voto e direito econômico em favor dos acionistas controladores.