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Em 1598, a Ordem Beneditina chegou à Vila de Piratininga (atual cidade de São Paulo), fundada em 25 de janeiro de 1554. Segundo Dom Clemente da Silva-Nigra (1954, p.44), que era beneditino e pesquisador da história e arte religiosas, Frei Mauro Teixeira foi enviado pelo então Governador Geral, Dom Francisco de Souza, para que fosse ao sul, com o objetivo de fundar um Mosteiro. O Governador Geral, que estava na Bahia, tinha o interesse em procurar jazidas minerais na região sul. O Mosteiro de São Paulo foi fundado por Frei Mauro, que retornou à Bahia, logo após a fundação e, deixou como seu procurador, o bandeirante Manoel Preto. A Vila de Piratininga possuía religiosos beneditinos, carmelitas, franciscanos e jesuítas; sendo que, os monges beneditinos se instalaram à margem do rio Guaré, onde havia sido a taba do Cacique Tibiriçá.

Sérgio Buarque de Holanda (1997, p.24), reconhecido historiador e crítico brasileiro, explicou que, aquela cidade de São Paulo, de meados do século XVII, era marcada, ainda, pela querela de dois grupos familiares importantes: os Camargos e os Pires (ou Garcias). O espanhol Amador Bueno Ribeira, que foi proprietário de terras e administrador colonial, ao ser aclamado “rei de São Paulo”, por dois dos seus genros espanhóis: Dom Francisco Rendon e Dom João Mateus Rendon, reagiu à sua aclamação, jurando fidelidade ao rei português e, em seguida, se refugiando no Mosteiro de São Bento. A atitude de Amador Bueno, de pedir proteção aos monges beneditinos, se deveu ao fato de que, o Frei João da Graça, abade de São Bento, possuía uma reputação consolidada entre os habitantes: “sendo o seu o primeiro nome de clérigo a figurar lista dos que firmam a ata solene de „juramento e obediência eterna e vassalagem e sujeição ao (...) senhor rei Dom João, o quarto de Portugal” (HOLANDA, 1997, p. 25).

O bandeirante Fernão Dias Paes foi o benfeitor dos beneditinos, talvez o mais reconhecido - o que ligou seu nome à história dos beneditinos paulistanos e à igreja do mosteiro. Ele assumiu o compromisso de fazer a igreja beneditina, sob a condição de que ele e seus descendentes fossem sepultados na igreja: “em nome dos mais q‟aodiante vierem, se obrigão, como feito logo obrigarão a lhe darem a da. Capela mor daIgreja pa eles e todos seus herdros ascendentes, e descendentes pa q‟a possuão” (JOHNSON, p. 73). Além dos ascendentes e descendentes, o contrato previa que os irmãos, irmãs, cunhados; e, todos os descendentes legítimos por linha direta, tivessem direito ao contrato. O contrato firmado estabeleceu mais do que o favorecimento material; ele estabeleceu um laço de lealdade entre os beneditinos e seu benfeitor - que se fez presente e visível também na nova Basílica,

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construída no início do século XX. Dom Miguel Kruse, ao término da construção da Basílica, fez questão de exumar os restos mortais do casal e indicar o devido local para suas sepulturas. As sepulturas de Fernão Dias Paes e de sua esposa se instalaram em local privilegiado, na nave da nova Basílica. Foi também colocado um medalhão, com o retrato de Fernão Dias no exterior da igreja.

Segundo, o religioso beneditino Dom Martinho Johnson (1979, p. 76-77), o sepultamento dentro das igrejas era comum, como também no claustro ou na ante-sacristia. Esta prática remontava ao século IV, com o reconhecimento do Catolicismo como Religião Oficial. Este fato gerou o costume de se enterrarem os fiéis no recinto sagrado das igrejas. Em Portugal, o hábito persistiu até 1838, quando ocorreu uma ordem governamental, que iniciou a construção dos cemitérios paroquiais. Quanto à São Paulo, Johnson acrescentou que o primeiro cemitério público data de 1775, e que, em 1778, o governo de Portugal recomendou ao “Bispo de S.Paulo a construção de cemitérios separados, para evitar os males óbvios dos enterramentos no recinto das Igrejas” (JOHNSON, 1979, p.77).

O religioso beneditino e pesquisador Dom Pius Eschapasse (1963, p. 13-14), elucidou o modelo construtivo monástico, explicando que a igreja ladeada pelo mosteiro foi conhecida como sendo o modelo monástico ocidental, inspirado na construção do Mosteiro de São Galo, século VII. Este estilo construtivo tinha, na sua concepção de projeto, a ideia de simplicidade e de fortificação. A construção monástica oriental era dividida em três partes: o mosteiro, a igreja, e o jardim junto ao cemitério. No ocidente, a construção monástica era: a basílica no plano central e, ao lado, o conjunto dos monges.

A Igreja antiga do Mosteiro de São Bento de São Paulo (figura 30), era uma construção de esquina, onde, na sua lateral, àesquerda da igreja,se localizava o cenóbio com as instalações dos monges, assim como sugere o modelo monástico ocidental. A construção da igreja seguia o modelo construtivo religioso presente na cidade de São Paulo no período colonial, e também, semelhante ao modelo beneditino pernambucano (figuras 31), porém com técnicas construtivas diferenciadas, em São Paulo havia abundância de barro e em Olinda de pedras. O Mosteiro de Olinda abrigou a Restauração Beneditina, promovida pelos monges de Beuron. Sua arquitetura não foi alterada pelos europeus, que se preocuparam em imprimir sua personalidade no conjunto decorativo. A ornamentaçãoda fachada olindense apresentava um trabalho de cantaria mais elaborado que o modelo paulista. Em Olinda, houve a permanência do modelo colonial na Igreja de São Bento e no Mosteiro.

A igreja era uma construção importante nas primitivas cidades coloniais, pois envolvia religião, cultura, economia e política. A religião formava sistemas duplos de relação:

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religião/cultura, religião/economia, religião/política; “A igreja e a Coroa portuguesas assumem o mesmo grau de responsabilidade na construção histórica da Cidade, dada a dependência do poder religioso espiritual ante o poder temporal” (WERNET, 2004, p.191). A sociedade paulistana era uma sociedade rural e dispersa; os paulistanos moravam em suas fazendas distantes do centro da vila. Os habitantes locais se reuniam em situações de convocação administrativa para compor a Câmara, onde discutiam e decidiam os interesses dos moradores locais; ou ainda, se reuniam para as festas religiosas e missas, ou festas régias. As casas bandeiristas, nas distantes áreasrurais neste período, possuíam uma dependência, que era destinada à capela. Neste local, ocorriam as missas e orações assistidas pela família e agregados, sem que estes precisassem se deslocar, desnecessariamente, da área rural para a vila. A ida à vila era eventual, e se tornava o grande evento social para os habitantes rurais, pois era quando os diferentes grupos familiares se encontravam e se sociabilizavam.

Nesta relação religiosa/social eram frequentes as festas religiosas e reais. Nestas festas, as pessoas se reuniam para verem e serem vistas, num complexo sistema de autorrepresentação. Não raro, codificado de modo estrito, como nas entradas episcopais. Além disso, os mestres e oficiais eram convocados para apresentarem suas expertises e mostrarem o melhor do seu trabalho na montagem de cenários, ornamentação e alimentos; onde fossem necessárias a sua mão de obra e a sua arte. Tais festas representavam o grande evento da colônia, em que todos se faziam presentes, e onde se estabeleciam as relações de poderes. Nestes eventos, as autoridades se apresentavam no seu papel político, estabelecendo as relações hierárquicas e efetivando sua posição de poder.

O Mosteiro de São Bento de São Paulo formou, junto com as edificações dos religiosos franciscanos e carmelitas, o “triângulo” de fundações religiosas: estas edificações marcaram a organização espacial do centro paulistano e permaneceram como marcos na São Paulo contemporânea. O tecido urbano da cidade de São Paulo, no início do século XIX, ainda era primitivo, mantendo os leitos dos rios que circundavam o centro velho da cidade. No entanto, no final daquele século, e no início do XX, um novo desenho urbanístico foi desenvolvido, para atender ao grande crescimento demográfico que aconteceu com a chegada dos imigrantes, e o enriquecimento da cidade com o ciclo cafeeiro. A cidade sofreu mudanças sociais, políticas e culturais, com o fim do período colonial, em 1822, e com o início do Império; e depois com o fim do Império, em 1889, e início da República. Mesmo com essas mudanças sociais, políticas, culturais e financeiras, o traçado primitivo do “triângulo” das fundações religiosas permaneceu.

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Em 1 de julho de 1827, o Inter gravissimas curas, do Papa Leão XII, tornou a Congregação Beneditina do Brasil independente da de Portugal: os sete mosteiros (Bahia, Graça, Brotas, Paraíba, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo), e os quatro priorados de São Paulo (Parnaíba, Santos, Sorocaba e Jundiaí), formaram a Congregação Beneditina Brasileira. Em 1888, a Abolição da Escravatura e, em 1889, a Proclamação da República trouxeram questões que movimentaram a sociedade local, e que repercutiram diretamente nas ordens religiosas e nos beneditinos, como a Restauração Beneditina Brasileira, que foi realizada pela Congregação de Beuron, Alemanha.

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Figura 30- Igreja de São Bento (antiga)

Fonte: MOSTEIRO DE SÃO PAULO, fotografia da fachada da Igreja Antiga, fotografia P&B, ca. 1900.Acervo do Mosteiro de São Paulo, SP. Disponível em: <https://www.facebook.com/mosteirosp/photos>. Acesso em: 09 jun. 2016.

Figura 31 – Fachada do Mosteiro de São Bento em Olinda

Fonte: MOSTEIRO DE OLINDA, fotografia da fachada do Mosteiro, fotografia P&B, ca. 1927. Acervo do Mosteiro de Olinda, PE.

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