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3 CONHECENDO “O CAMINHO”: HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO DO

3.6 CONSCIÊNCIA DE QUÊ E PARA QUEM?

A já referida busca por diferenciar-se de outros grupos e movimentos religiosos, como já apresentado no começo deste capítulo, traz à tona não apenas expressões comuns aos chamados “caminhantes”, mas a construção de conceitos. Este é o caso da noção de consciência que será aqui apresentada. Retomando a conversa com Adailton, além da constante separação entre o Caminho da Graça e aquilo que chama de instituições religiosas, ele vai constantemente se basear nessa tal consciência para embasar seus argumentos.

Gilson: O que é isso de gerar uma nova consciência?

Adailton – seria gerar consciência do retorno a simplicidade do Evangelho. Anterior aos dogmatismos e à instituição religiosa. Por que? Durante o período da pregação de Jesus, da pregação dos apóstolos até Constantino, o que havia era um movimento livre, não institucionalizado. Posteriormente a isso se institucionalizou, criando suas regras de pratica e de fé e comportamentais e administrativos e tudo mais; ou seja, a tentativa é da conscientização do viver o evangelho independentemente, e não à parte, mais independente. Ou seja, de dizer não tem problema que você seja membro de uma igreja evangélica. Deixe o espirito religioso. Por que? O que eu entendo é que uma pessoa pode ser religiosa sem religião, então ele vira um religioso da não religião. O que existe muito entre nós. O cara diz eu larguei a igreja, eu não sou religioso, e o cara vira religioso da não religião. Pois voltar a consciência do Evangelho é viver na simplicidade, do ensino de Jesus, do amor, da bondade, da compaixão, da misericórdia, do não juízo, da aceitação, do acolhimento, do apoio, de dizer eu não te condeno e ao mesmo tempo apontar o caminho e vá e nãos peques mais, de acordo com o princípio do evangelho e a pessoa entender que isso é pra ser vivido, ainda que ela pertença a um grupo religioso.

Figura 6 - Captura de tela de imagem compartilhada por Glaucia Santana – mentora da Estação Recife/Cordeiro – a partir da postagem feita por Ivo Fernandes – mentor da Estação Fortaleza.

Fonte: SANTANA, Gláucia. Grupo de Facebook Caminho da Graça Recife - Estação Recife/Cordeiro. Publicado em 27 set. 2017. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/caminhorecife/

Tal como nas referidas falas, a palavra “consciência” aparece na imagem acima como sendo sinônima do Caminho da Graça. Tal expressão ainda ocupa um dos vários canais de Youtube utilizados pelo movimento. Há por exemplo um canal chamado “Caminho Consciência”. Ali podem-se ser vistos vídeos que vão desde pregações de lideranças do Caminho da Graça – que atingiram visibilidade nacional – a quadros específicos sobre o trabalho humanitário então realizado. Junto a isso, ainda sobre o referido canal pode-se observar o a logomarca de um farol – como esses servem para guiar pescadores em alto-mar. A ideia de gerar consciência, se pensada aqui conjuntamente com imagem do farol, pode ser compreendida como uma maneira de apontar um caminho. Parte-se, neste caso, da premissa de que alguns conhecem a direção correta, adquiriram determinada consciência, e podem contribuir para que outras pessoas a encontrem. Defende-se com isso, como pode ser observado também no pequeno glossário de autoria de Caio Fábio, que o Caminho da Graça seria esse espaço contrário a religião, onde tal consciência pode ser encontrada.

Tal consciência parece estar ligada a uma compreensão específica do exercício da fé cristã que, não diferente de outras perspectivas, se pretende não apenas diferenciar-se das demais, mas é posta em um lugar hierarquicamente superior.

Caminho-Consciência é um projeto de desenvolvimento de mídias que pretende ajudar as pessoas a aperfeiçoar sua consciência de Deus, do mundo, de si mesmas. Visando alcançar uma espiritualidade em dias tão complicados como estes em que estamos vivendo. Caminho- Consciência tem uma mensagem de esperança em meio ao

desespero. Uma mensagem de amor em meio a frieza dos relacionamentos. [Fala de Carlos Bregantim] A minha questão é responder com o amor com que eu fui amado. [Fala de Marcelo Quintela] A gente tem de enxergar a luz em meio as nuvens de tribulação. Encontre socorro nas reflexões do Caminho-Consciência, e mergulhe sua alma na PAZ. Caminho-Consciência, gerando consciência espiritual e humanitária no maior número de pessoas49.

Figura 7 - Símbolo do Caminho-Consciência.

Fonte: Logo do Canal do Youtube CaminhoConsciência. 900x900px. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCG74AIfIqs3Inmx-COnkM2A

O texto acima foi transcrito de um vídeo disponibilizado virtualmente, na voz grave e firme de um homem, Flávio – responsável pela maior parte das chamadas de vídeo do CG. Nele aparecem alguns dos líderes do movimento, Marcelo Quintela e Carlos Bregantim, de maior visibilidade nacional e internacional. Ainda sobre o texto presente no vídeo em questão, é importante chamar atenção à noção de “gerar”. Ao estabelecermos aqui a relação entre a própria noção de gestação, e que esta é sempre fruto de alguém já gerado – adulto, ou não – será possível reforçar a noção de quem se autoproclama capaz de gerar se coloca num lugar de superioridade em detrimento daqueles – os religiosos – que não teriam tido acesso a essa nova consciência, chamada também de “metanóia”.

Ainda que não seja o foco deste capítulo, é importante ressaltar que nessa “geração de consciência” aparece no vídeo a noção de uma consciência humanitária, que, como buscarei mostrar, aparece diretamente ligada a noção de consciência espiritual ou do Evangelho. Ao conversar com um grupo de “caminhantes” residentes na Baixada Fluminense, os quais participavam também do SOS Religar, essa questão

49 O que é o CAMINHO-CONSCIÊNCIA? Carlos Bregantim, Marcelo Quintela e amigos. Vídeo publicado na plataforma Youtube, canal CaminhoConsciência. 1’13”. Publicado em 13 jul 2011. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MrLbuuHr0LA. Acesso em 02/10/2017.

da aquisição de uma nova consciência, enquanto experiência espiritual vai ganhar diferentes contornos. Tal conversa se deu no segundo dia do Encontro de Mentores do Caminho da Graça, que se deu no Hotel Guaratiba, na cidade de Santa Cruz, região metropolitana do Rio de Janeiro. Nossa conversa que findou por se configurar em um grupo de discussão, se deu ao redor de uma das mesas de jantar do refeitório. Alguns de nós comíamos, enquanto outros já haviam terminado.

Nosso papo se deu de forma muito descontraída, a despeito das provocações mútuas que permearam esse momento. Vale salientar que este momento servia de amostra do que se poderia ver em todo o hotel: a predominância do público masculino e branco. Ao redor da mesa estávamos em sete pessoas, dentre as quais apenas uma era uma mulher branca, os demais eram homens e, além de mim, só havia um negro. Como também será evidenciado mais a frente, o Caminho da Graça é um espaço predominantemente masculino, branco e de classe média e média-alta. Retomando a questão central desta subseção, a tomada ou “geração” de consciência, ao redor da mesa do jantar, conversando com este referido grupo este tema foi se apresentando de maneira bastante recorrente, e com diferentes compreensões, todas, em alguma medida, convergentes. Um dos referidos homens, Felipe Freitas, busca explicar a diferença entre eles, os “caminhantes” e os religiosos:

Mano, eu acho que a grande diferenciação de fato é a profundidade da alteração da consciência, de tal forma que, se tivéssemos só o relato da vida de Cristo, a forma como ele andou foi e as aplicações da vida dele na terra, já seria suficiente. Então eu acho que de fato, a diferenciação tá de fato no discernimento do significado de Cristo, de fato a gente enxerga a vida só por ele. Tudo mais é relativizado, o significado é a intepretação da vida, o significado de Jesus para o dia a ida. (Felipe Freitas, Santa Cruz, 06 jun. 2015)

Porque a religião de alguma maneira é inevitavelmente persuasiva, ela simplesmente colocar Deus numa caixinha, diminuir Deus, diminuir Jesus de uma tal maneira que ela se encaixa dentro dos aspectos humanos mais diversos. Você tem um Jesus místico pra galera que gosta muito misticismo; você tem um Jesus da prosperidade pra galera que tá precisando de alguma coisa, e a religião pega tudo isso e joga lá dentro. Agora quando você vai para o Evangelho, reler o Evangelho, vai sem o olhar da sua religião e você percebe... Eu, eu cresci na igreja evangélica, com 22, 23 anos de idade ganhei um diploma. Cara, na boa, na boa... quando eu reli o Evangelho sem o olhar da religião conheci um Jesus que até então não era real pra mim, eu conheci Jesus por meio da razão como diz Paulo, mas teve um dia que eu conheci Jesus pela conhecimento espiritual. Gilson, a parada foi essa aí, a minha consciência expandiu, eu não podia fica parado, seja questões religiosas, ideológicas... A coisa se expande, seu olhar se

expande, você não olha a vida da mesma maneira, você muda em quere ter uma vida mais profunda, como Jesus. (Felipe Nazaré, Santa Cruz, 06 jun. 2015)

Eu veria de uma forma diferente, simples, meu irmão, parece que você tem um impacto e não consegue mais olhar pra dentro, assim pra dentro eu digo pra dentro do sistema, consegue só olhar pra fora, falar com as pessoas e falar com as pessoas e sair pro mundo, cara. Isso é você se relacionar. Você se se identifica com aquilo e entende que você não pode mais estar preso, é como você ter aprendido. Cara, você sente uma necessidade imensa de tá passando, passando o quê? Passando amor, das mais variadas formas. Você chega com uma sexta, você chega com um abraço, você chega com uma oração, você chega com uma palavra de conforto, de consolo, às vezes você senta, ouve a pessoa, ela começa a falar e chora junto... É uma coisa que não está mais restrito aquele esquema pronto e formatado pela igreja, só teoria, teoria e teoria. Você passa à pratica de vida mesmo, uma pratica abundante, eu vejo nesse sentido, eu não vejo só pra mim, mas que expanda, vá para os outros. Eu não consigo me conter, desculpa. (Felipe Nazaré, Santa Cruz, 06 jun. 2015)

Eu vou falar um pouquinho. Acho que falar do evangelho verdadeiro hoje é presunção, mas, não dizendo que é o Evangelho verdadeiro, mas dizendo que é o melhor caminho pra hoje. Eu acho que hoje a gente pode pensar, antes não podia, isso é bem... Acho que também que o que difere é a gente praticar mais do que falava, a gente tenta [risos] e pra mim é isso hoje, resumindo. (Adriana Araújo, 06 jun. 2015, Santa Cruz-RJ)

Eu não posso citar milhões de pontos, mas eu posso citar dois. Um, eu não posso descartar nunca a questão da transcendência, da revelação, uma coisa... Então, isso vocês entendem, não vou entrar nessa questão. A outra, a questão da lógica, de um entendimento baseado nesse estalo que a gente tem, a gente consegue fazer uma avaliação do antes e do depois. Veja bem, por que o evangelho de antes é diferente do evangelho de hoje né, evangelho falso e verdadeiro. Enquanto não tinha o evangelho verdadeiro, o antigo era o verdadeiro, mas dentro do momento, de tal forma se permiti em ouvir uma nova coisa, uma nova mensagem, e esse permitir que você deu, você consegue fazer uma comparação, se dá uma oportunidade que alguma coisa tá diferente, que alguma coisa está errada, com aquilo que fomos construindo com a gente, com aquilo que fomos submetidos. Essa é minha leitura, é o que acontece muita na igreja hoje, o camarada não é estimulado a ler o livro a qual ele defende, morre por ele, coloca em baixo do braço, ele aprende com um tutor, aprende com a cultura religiosa. Aí tem o momento que você se depara com o desafio, e eu fui desafiado a isso. (Filipe Freitas, 06 jun. 2015, Santa Cruz-RJ)

De acordo com as falas acima, a consciência tão aclamada seria fruto da combinação de diversos fatores juntos: a possibilidade de uma reflexão livre dos dogmatismos da religião – em sua compreensão do termo; a experiência transcendente com o Evangelho. A referida consciência aparece também como

sinônimo de liberdade, a qual não pode estar coadunada com a religiosidade. Esta, como pode se observar em algumas das falas acima aparece como limitadora da experiência espiritual, e, consequentemente, cria barreiras para o acesso a tão ovacionada Consciência, Tais barreiras seriam fruto, segundo Caio Fábio, da própria queda – corrupção – da humanidade, narrada no livro bíblico de Genesis.

Então vi como é difícil para a mente humana o exercício da Consciência. Dá vertigem. As pessoas não sabem onde se segurar. Escorregam... Mesmo andando em chão plano creem que vão cair... Precisam do corrimão da Lei, da Moral, do Politicamente Correto ou mesmo dos Valores e Princípios. É claro que não é possível haver vida num mundo caído sem que tais “imposições da queda” possam deixar de se fazer presentes; afinal, consciência é coisa rara na terra. A questão é a Lei mata. Sempre. Assim, sem Lei, nos matamos; e, com a Lei, morremos! Eu tenho apenas Um acima de mim. Lei nenhuma me dá os parâmetros de meu existir. Em Cristo a fé gera Consciência, não Lei. Acima da Consciência está Deus. Dele provém toda consciência. As demais coisas, mesmo os Valores, têm que estar a serviço da Vida, não da morte. Portanto, a serviço da Consciência, não sobre ela. A menos que Deus não existisse. Então, seria Tirania pela Tirania, no absurdo existir por existir. A Consciência tem que aprender a não usar "valores" quando o curso da ação deflagrada vai gerar morte. Aí está a Liberdade! A Lei está matando o mundo. É a guerra dos Direitos. É a suprema arrogância: "Quem é dono do mundo? " É a mais ardilosa camuflagem: o sangue. É a mais diabólica mensagem: “Liberdade”. É a mais enganosa liberdade: "Chegou a nossa vez de mandar em vocês!" Odeio a "inteligência" humana! Ó Deus, dá-nos Consciência, e derrama sobre nós a Graça de fazer o que é bom, não o que seja considerado digno de morte como justiça própria. (Caio Fabio D’Araújo Filho, 200450)

No ano em que as palavras acima foram proferidas pelo carismático líder Caio Fábio, o Caminho da Graça ainda não estava organizado enquanto um movimento que se espalhou pelo Brasil, e fora, de maneira tão rápida. No entanto, é em seu sítio virtual onde tal texto, e outros tantos, se encontram. O “caiofabio.net” é considerada a maior fonte de conhecimento do Caminho da Graça, e, de certa maneira, sua fonte norteadora. Como se pode observar na citação acima, Caio Fábio faz referência à sua noção de Consciência e, de forma enfática, aponta como a humanidade, exaltando sua inteligência, ignora tal Consciência. Consciência que aparece aí em oposição à Lei que, por sua vez, é compreendida como a própria religião, aprisionadora e limitadora.

50 FÁBIO, Caio. A lei está matando a humanidade: a morte da consciência! Caio Fábio. . Textos. Reflexões. 2004. Disponível em: https://www.caiofabio.net/conteudo_detalhe.php?codigo=02104. Acesso em 03 out. 2017.

Mais adiante, será abordado o lugar centralizado do referido líder, assim como as diferentes visões que se tem dele, e os efeitos dos princípios – políticos-ideológicos e teológicos – por ele defendidos e sua centralidade entre seus seguidores. Dito isto, gostaria de fazer a viagem no tempo, voltando ao Encontro Nacional de Mentores do Caminho da Graça, 11 anos depois da escrita do texto supracitado. Diante de uma plateia de “caminhantes”, em sua maioria mentores do CG de diversas partes do país, e um deles residente na Florida, EUA, Adailton foi convidado por Ana D’Araújo a trazer algumas palavras acerca do atual momento do Caminho da Graça. Nesse momento, percebe-se mais uma vez o lugar dessa noção de “consciência”. Sua fala se deu logo após um momento litúrgico, no foi feita uma oração e cantados alguns hinos conhecidos da maioria ali presente. Como o próprio Adailton viria a expressar, estava ali diante de representantes de 26 Estações, das 58 existentes até aquele momento.

Com Caio a coisa se desdobrou em muitas questões, foi pra Brasília e lá começou uma série de coisas. Então, por exemplo, existe esses nomes, Café com Graça, o site do Caio Fábio, aí começou a primeira reunião em Brasília das estações, onde começou silencioso o processo, com projeto protótipo para a comunidade. Uma série de nomes vai parecer em nosso meio. Isso faz parte do imaginário do movimento, mas não que alguém tenha sentado e planejado, vamos planejar assim... Vamos fazer assim, hoje vai acontecer isso... Em 2001 vai acontecer isso. (...) Como o próprio Caio falou, parece que em dois e dois anos há um processo de regeneração, novas camadas de pensamentos. E no meu ponto de vista, do que a gente tá trabalhando aqui, é que nesses 10 anos o movimento tem se modificado, algumas vezes pra bem, outras vezes não tão bem assim; mas um processo natural de ajuntamento humano, é um movimento muito novo, são 10 anos ainda, mas nesse processo de crescimento um dos pontos positivos é um crescimento do espírito da essência do evangelho, gerando muita inquietação de mentes. Entendimentos aconteceram. Então, para alguns críticos, o Caminho da graça não deu certo enquanto movimento, não era nosso propósito dar certo ou não, nós estávamos caminhando, e no caminho ia avaliando os seus próprios erros. Mas o fato é que nesses 10 anos, uma marca, acho que pra mim e pra alguns, foi o aceitamento do Evangelho em nossos corações e isso proporcionou liberdade pra ser, pra caminhar e pra estar em companhia de outros irmãos. Para maioria de nós isso significou algum tipo de julgamento a algum contexto institucional, tensões familiares. Aquilo foi novo pra gente, ajustar esse conceito de liberdade na sua pratica, na nossa... Era tudo novidade pra gente, pra maioria de nós. Mas ao longo desses 10 anos houve um acertamento e nos tornamos grupos, Grupos do Evangelho com as mais diversas características, as mais diversas, acho que esse é trunfo do movimento, porque não um movimento focado em dogmas, mas é movimento focado na consciência, na liberdade, no amor. Da liberdade pra expressar aquilo que ele é conforme a sua realidade do momento, e por isso a gente consegue penetrar o que diversas

organizações não conseguiria, dado a natureza nossa. (Adailton, 06/06/2015)

Palavras escritas há 14 anos parecem reverberar fortemente no presente. Não apenas palavras soltas, são palavras proferidas por um líder carismático – no sentido dado por Weber – e, dessa forma, elas ganham centralidade e mesmo sacralidade. A liderança carismática – assumidamente religiosa, ou não – exerce uma influência e uma força sob seus seguidores que a coloca num lugar de sacro, um lugar fé (quase?) cega. Observou-se até agora como os integrantes do Caminho da Graça buscam diferenciar-se de outros grupos e movimentos religiosos, negando até mesmo essa alcunha. Religiosos, tal como o inferno de Sartre, são os outros, aqueles que não fazem parte do Caminho da Graça. Ainda que haja um modelo de liturgia semelhante ao encontrado em igrejas protestantes, eles não se autointitulam evangélicos. Tal rejeição aparece como um reflexo de seu líder mor, Caio Fabio. Dessa forma, proponho-me a analisar o lugar desta personalidade tida como polêmica e controvérsia não apenas no Caminho da Graça, mas em questões que o precedem, assim como na formação – e extinção – das Agências Humanitárias, os já apresentados “braços sociais” do CG.

Ainda acerca dos usos do termo “consciência”, é importante observarmos que a ideia de um grupo dotado de um tipo específico de consciência não é nova, podendo ser notada nos mais diferentes grupos, teorias e contextos. Exemplo disso, é a noção de “tomada de consciência” presente na teoria marxiana, a qual se contrapõe a uma “falsa consciência”, fruto da ideologia dominante, mantenedora de formas de dominação e de desigualdades. Para Karl Marx seria por meio da ideologia que a perspectiva de uma classe, a dominante, seria adotada por outras, ganhando estatuto de verdade não questionada. Seguindo tal proposta, apenas com a referida “tomada de consciência” pela classe subalternizada, o proletariado, é que o próprio sistema capitalista poderia ser colocado em cheque, tendo em vista que para que este permaneça, a ideologia dominante deve ser mantida intocada, e com isso as falsas consciências, e com ela crenças que a sustentam.

Tal ideologia seria mantida a partir, por exemplo, da defesa intensa que se faz na meritocracia que, segundo Adam Smith (1776/2009), parte do pressuposto de que apenas as pessoas e grupos que se esforçam atingem o sucesso, mas que todos estariam em uma situação de igualdade. A crítica que o pensamento de Marx traz as