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3 CONHECENDO “O CAMINHO”: HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO DO

3.5 ESTAÇÕES DO CAMINHO DA GRAÇA

3.5.2 Estação São Paulo

Se o ano de 2010 foi marcado pela aproximação com os “caminhantes” de Natal, tal convívio também proporcionou ter contato com a Estação São Paulo, sobretudo a partir da relação com Carlos Bregantim, seu mentor, e uma das principais lideranças do Caminho da Graça no Brasil. Até o momento em que anunciei que moraria por um tempo indeterminado em São Paulo alguns integrantes da Estação Natal se mostraram animados com a “grande oportunidade” que eu teria: conhecer o Brega – como é chamado o mentor da Estação São Paulo. Houve certa surpresa por eu não fazer ideia de quem era a pessoa que ele estava falando, mas de todo jeito me foi passado o contato, e lembro-me que fiquei animado para encontra-lo, tão logo pudesse.

Brega, como também passei a chamá-lo, pode ser considerado uma das lideranças mais influentes no Caminho da Graça. Um homem sempre muito simpático e afável, de fala mansa, branco, com uma barba também em sua quase totalidade branca, com pouco mais de 62 anos. Antes conhecer a Estação São Paulo, alocada no Bairro da Vila Mariana, encontrei-me com ele pela primeira vez em sua casa, no bairro da Lapa. Tivemos a chance de conversar por mais ou menos umas duas horas

no sofá de sua casa, tomando um café – vício e prazer que temos em comum. Deste encontro viemos nos encontrar pela segunda vez em um domingo, já na Estação.

O espaço onde se reúnem até o presente momento é alugado semanalmente – tal como ocorre com a Estação Natal – e durante o resto da semana é usado para outros fins, como práticas de yoga. Antes de iniciada a liturgia há uma leve refeição formada por pratos e bebidas trazidas por pessoas que ali vão. Segundo ele explica não há qualquer cobrança para isso. As pessoas levam o que querem; quando querem e como querem. “Vai chegando a hora, preparo uma garrafa de café e me dirijo para a Vila Mariana. Não sei quem vai, muito menos quantos serão”. Em uma mensagem que trouxe durante o Encontro Nacional de Mentores, intitulada “A Santa Instabilidade Perene” ele afirmou o seguinte:

Feridos de guerra não podem ser deixados para trás. Quem cai na batalha não pode ser deixado para trás, nem quando morto. Até para que a gente dê o repatriamento necessário e sepulte com as honras devidas. Então quando o Wagner46 veio, depois da minha fala, eu ali,

sempre assim, achando que sou alguma coisa, eu pensei: “Nossa que besteira eu falei... Que os irmãos estão fazendo com sinceridade”. Mas nós viemos aqui pra isso! Nós viemos aqui pra isso! Pra nos lapidar; pra nos podarmos; pra nos corrigirmos. E é por isso que o movimento é o que é; e é por isso que ele chegou até aqui; e é por isso que eu sou daqueles que continua dizendo aquilo que foi dito entre nós desde o começo. Eu não tenho pra onde ir. O Caminho da Graça, enquanto comunidade, é o meu limite! Eu cheguei aonde eu tinha de chegar, e, por favor, se eu cair na batalha alguém vai lá. Não me deixe pra trás porque eu não respondi um e-mail; porque eu não abri a porta... Manda outro! O careca talvez não agradou, manda o cabeludo! Sabe aquela coisa? Não vamos deixar pra trás! Não vamos deixar gente sangrando pra trás! Nós viemos aqui pra isso, pra sermos levados a consciência de, e, quem sabe (e eu fecho aqui), resgatar em nós não a igreja primitiva, mas a igreja de Jesus. A gente não tem que se preocupar em resgatar a igreja primitiva. Tem de resgatar a igreja de Jesus, que Ele diz que é dEle! Que não de Caio! Que não é de Ariovaldo! Que não é de Ed René! Que não desses outros tantos que estão por aí dizendo “minha igreja, minha igreja”. A Igreja é dEle! É dEle! A Igreja é dEle! E essa Igreja dEle foi colocada no mundo pra viver uma santa instabilidade perene! Eu continuo indo pra reunião do Caminho da Graça Estação São Paulo sem saber quem vai! Eu não sei quem vai, Marco! Eu não sei quem vai porque eu não convido ninguém! Eu não sei quem vai tocar porque eu não convido ninguém pra tocar! Porque eu não tenho nenhum ministério organizado! Eu não tenho nenhum departamento organizado! Eu não tenho nenhum sistema organizado! Eu saio de casa e falo pra Lau: “Bem o que você acha?”, e ela: “Eu não sei!”. Ai eu começo a organizar as cadeiras lá... Ai tem dias que eu penso: “Acho que eu vou por menos cadeiras. Minha fé tá desse tamanho!” Porque não chega ninguém! Pô, dá 6:10, 6:15, e a reunião 46 Mentor da estação em Campinas-SP.

é as 6:30. Eu lá pensando: Ih, não vem ninguém hoje aqui! Eu vou, sim, e pode chegar um dia que não tenha ninguém. E sabe o que eu vou dizer? Que é o que eu tenho dito... Amém, amém! A Igreja de Jesus não foi posta no mundo pra se estatizar num lugar, num prédio, numa organização; num modelo, num estágio, num status, que ela se mumifique, se petrifique e permaneça para sempre naquele lugar. A Igreja de Jesus foi colocada no mundo não para ser a igreja primitiva, mas pra ser a igreja de hoje, com as dificuldades e os temas da contemporaneidade! (...) Eu não quero estar tão certo que eu não precise conversar com o Naor, com quem eu converso frequentemente. Não, eu não quero! Não quero estar tão certo que eu não precise dividir as minhas tensões com os meus amigos! Eu não quero estar tão pleno de mim e das minhas convicções, de modo que eu não precise mais ler o texto sagrado. Eu não quero estar seguro de mim, do que eu creio, que eu possa abrir mão do convívio com os meus irmãos dominicalmente. Não! Eu quero precisar disto, e pra precisar disto eu não posso estar estável demais. Então, não sonhemos com o Movimento Caminho da Graça estável demais. Ponto! Segundo: fixo, estático, tudo tem resposta! Liga pra Ana que ela tem resposta! Liga pra Ana porque nós nos reunimos, já decidimos o que é, e ela vai dar a resposta. Não! Eu quero dormir “indormindo” (muitos risos). Eu quero acordar de madrugada com a mão na cabeça dizendo: Deus do céu, o que eu faço com isso? Porque isso me faz orar; porque isso me faz querer ligar pra um amigo; porque isso me faz querer saber, entender... Isso me faz me tornar humilde!47

Além de revelar sua perspectiva quanto a crença na provisão divina, Brega assume no contexto onde se deu a pregação acima uma posição política dentro do Caminho da Graça. No dia anterior outra liderança nacional, Adailton, trouxe uma mensagem cuja interpretação central se dava em relação a uma organização mais formal do Caminho da Graça, assunto que dividiu opiniões entre mentoras e mentores ali presentes. Alguns, como o próprio Carlos Bregantim, compreendiam que haviam saído de suas denominações evangélicas exatamente por não acreditarem naquele modelo, inclusive, devido a burocratização da fé, aquilo que foi chamado no trecho transcrito, dentre outros termos, de” mumificação”. Por outro lado, havia aqueles que compreendiam que, após dez anos da fundação do Caminho da Graça, seria importante uma maior organização, sobretudo porque para estes isso garantiria que o movimento não se desviasse de seu propósito original.

Retomando a questão de como os caminhantes buscam se diferenciar dos evangélicos, há alguns indicativos acerca disso no trecho transcrito acima. Quando Bregantim fala sobre a ausência de ministérios, departamentos, etc., seu parâmetro

47 BREGANTIM, Carlos. A santa Instabilidade Perene. Vídeo publicado na plataforma Youtube, canal Caminho da Graça São Paulo. 31’12”. Publicado em 13 jun. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Si55NEcAAGU. Acesso em: 05 dez. 2017

é, mais uma vez, as igrejas evangélicas e sua divisão burocrática, tido como negativo pelo pregador, quando em excesso. Há também a noção de “consciência” que marca a separação entre os “caminhantes” e os “evangélicos”, tendo vista – como será melhor apresentado alguns tópicos a frente – os primeiros a partir da noção citada no glossário organizado por Caio Fábio compreendem ter passado por um processo de “metanóia” que os conduziu a uma compreensão mais esclarecida do Evangelho, e que isso, por vezes, foi um dos motivos para deixarem suas igrejas, como pode ser observado na apresentação que Brega faz de si próprio em sua página no facebook.

Figura 5 - Carlos Bregantim pregando (esq.) Reunião da Estação do Caminho da Graça-SP (dir)

FONTE: Frame 3’11’ do vídeo BREGANTIM, Carlos. A santa Instabilidade Perene. Vídeo publicado na plataforma Youtube, canal Caminho da Graça São Paulo. 31’12”. Publicado em 13 jun. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Si55NEcAAGU Acesso em: 05 dez. 2017 (esq.). Frame 22’40” do vídeo Reunião do Caminho da Graça SP. Vídeo publicado na plataforma Youtube, canal Caminho da Graça São Paulo. 42’35”. Publicado em 22 abr. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m_2medW-pi4 (dir.)

Meus pais se converteram em Rio Preto na Primeira Igreja Batista de lá. Isto em 1960. Eu tinha 5 anos. Minha família veio pra SP em fins de 1961 e logo passaram a congregar na Igreja Batista em Vila Zatt, Zona Oeste de SP. Ali cresci, me batizei, me casei, fui enviado ao seminário (Faculdade Teológica Batista de São Paulo). Curso que eu nunca conclui! em outubro de 1982 saí de lá pra assumir a liderança da Igreja Batista do Jardim Rincão, também na Zona Oeste de SP, onde passei por um concilio e fui ordenado pastor batista em 1983 no dia 03 de dezembro. Servi nesta Igreja, Batista do Rincão, por 8 anos, até outubro de 1989. Depois vim pastorear a Igreja Batista em Sumareinho, assumi este pastorado em 06 de janeiro de 1990 e ali fiquei por 15 anos, até março de 2004. (O meu amigo Ed René foi o pregador da minha posse e ele pregou em Jeremias 20.7) Trabalhei com Ed René na área pastoral da IBAB por quase 2 anos, de abril de 2004 a fevereiro de 2006. Guardo no coração as melhores memórias destas comunidades que me acolheram e à minha família. Em 2006 o Caio me convidou pra começar o Caminho da Graça Estação São Paulo e ai tive a chance de materializar o que sempre pensei sobre uma comunidade de fé. Comecei com um grupo de 38 pessoas que atenderam um convite que fiz no dia 21 de maio de 2006 as 10H00. Não conhecia ninguém, exceto, meu irmão Paulo, minha cunhada Rose, meu sobrinho Junior, minha esposa Lau e dois amigos queridos Cesar e Paula. Queria me reunir com pessoas ao redor da mesa, do pão, do vinho (café), da vida e do Evangelho, levando em conta os vínculos de amor e amizade. Assim tem sido de lá pra cá. Simples, informal, interativo, bem-humorado, livre, responsável, tentando traduzir o Evangelho para o chão da vida, afinal, é onde a vida acontece e onde o culto deve acontecer. Claro, este é um resumo da minha jornada, chamada eclesiástica. Pra que saibam, comecei trabalhar aos 13 anos de idade fazendo carretos em feiras públicas. Fui registrado em carteira em julho de 1970 na Casa Mendes, uma vidraçaria e loja de quadros em Sta Cecilia, centro de SP. Em 1972 fui ser office boy na Ibraphel uma empresa que fabricava papeis heliográficos. Em 1974 quando fiz 18 anos me desliguei da Ibraphel e tentei me afirmar como vendedor autônomo na área de gráfica e papelaria. Em julho de 1975 por indicação de um amigo querido, Edilton Vanderlei Rocha, ingressei na indústria farmacêutica no

Laboratório Isa na função de Propagandista Vendedor. Entre 1975 e 1978 trabalhei em dois outros laboratórios, Vemaco e Syntex. Em 02 de Janeiro de 1979 fui admitido no Laboratório Roche, Produtos Roche, onde fiquei até 1986 quando deixei a empresa pra me dedicar em tempo integral no chamado ministério pastoral, ainda na Igreja Batista do Jardim Rincão. De lá (1986) pra cá (2015), dedico-me em tempo integral servindo como pastor cuidador em várias frentes por onde tenho passado. Ressalto que, desde que conheci Caio ouvindo 2 fitas cassetes que continham o sermão SEGUIR A JESUS O MAIS FASCINANTE PROJETO DE VIDA, em 1983/84 e depois de ouvir Ivênio dos Santos no Encontro da SEPAL em 1986, nunca mais fui o mesmo como seguidor de Jesus de Nazaré. Hoje, sirvo como mentor no Movimento Caminho da Graça a partir do Caminho da Graça Estação São Paulo e outras tantas iniciativas nas quais estou envolvido. O Caminho da Graça é um movimento livre, em movimento o tempo todo e admite a itinerância como uma conquista da liberdade. O ir e vir, o ficar, o se comprometer é absolutamente a critério dos que escolhem caminhar em comunidade Este é meu trabalho, orar, ouvir, aconselhar, acompanhar, encorajar, encaminhar, ensinar, celebrar cerimônias de casamentos, palestras sobre relacionamentos, espiritualidades e temas que visam tornar pessoas em seres humanos melhores. Melhores pra si mesmos e para o mundo conforme o Evangelho de Jesus de Nazaré. Todos os DOMINGOS as 18H30 no encontro do Caminho SP.

Como já explicado anteriormente, uma das maneiras que os integrantes do Caminho da Graça buscam se diferenciar em relação aos evangélicos é no que diz respeito à não cobrança do dízimo. Quando Bregantim explica no trecho acima que foi convidado por Caio Fabio a iniciar a Estação São Paulo, a aceitação de tal convite trazia junto uma consequência diretamente relacionada ao não recebimento do dízimo: uma Estação não possui receita fixa – o que para as igrejas evangélicas costuma ser garantido pela doação do dízimo – e, portanto, não pode garantir um salário fixo para quem escolha se dedicar de maneira integral ao serviço pastoral, como permaneceu sendo o caso do Brega! Ele explica de forma tranquila que desde então nunca sobrou, isto é, nunca terminou mês de uma maneira que sua dignidade e de sua família, e algum conforto básico, faltassem. Em todas as reuniões aos domingos há o recolhimento de ofertas, sobre o que ele não apresenta qualquer constrangimento em falar, ao contrário do que sempre era observado por Jorge Luiz, o já apresentado mentor da Estação Natal.

A dinâmica da Estação São Paulo se assemelha em grande medida com a própria dinâmica da Estação Brasília – dentro do plano-piloto – que, apesar de aparecer como sendo mentoriada por Chico e Adailton, é a única onde a presença do Caio Fábio é constante, sobretudo nas pregações dominicais. É nesse mesmo espaço

onde funciona a Vem&VêTV, e onde ele mora. Tanto ali, quanto na Estação São Paulo percebe-se um modelo que pode ser considerado mais tradicional de pregação, no qual o responsável pela “Palavra” não partilha sua fala com as outras pessoas presentes. Ele expõe suas ideias, e quando elabora perguntas, estas são retóricas, não havendo aí uma interlocução com o público ouvinte. Tal modelo difere completamente do que ocorre na Estação Natal e, como mostrarei, da Estação Recife/Cordeiro. Nestas últimas, os modelos de liderança se propõem a certa horizontalidade.

Além disso, nas duas referidas estações pode ser observada a ocorrência de outras reuniões que já fazem parte das agendas anuais de cada grupo, em geral datas festivas, como determinados períodos e/ou feriados específicos. Algo que não costuma ocorrer na Estação São Paulo, onde as pessoas vão a cada domingo para comungarem entre si, mas não criam uma agenda de atividades que se caracterizem como rotineiras. Fora do domingo, a rotina do Caminho da Graça continua a girar ao redor da pessoa do Brega, tendo em vista que esse parece se desdobrar para atender as demandas daqueles e daquelas que lhe procuram seja por meio das redes sociais, ou presencialmente. Neste último caso, ele costuma marcar seus encontros de aconselhamento numa padaria que fica perto de sua casa. Suas conversas são sempre acompanhadas por um café expresso.

No começo de 2012, já de volta ao Rio Grande do Norte, voltei a ter um contato mais frequente com alguns membros da Estação Natal, e ao mesmo tempo mantendo laços estreitos com o Brega, fosse pelas vias virtuais, ou mesmo pelos encontros presenciais pelas padarias de São Paulo, ou em reuniões onde “caminhantes” de diferentes Estações se encontravam, como o já citado encontro nacional de mentores, ou no aniversário de dez anos(?) da Estação Recife/Cordeiro.