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QUEM AJUDA QUEM? A ESTETIZAÇÃO DO SOFRIMENTO E “O PERIGO

4 SOBRE A CONSTRUÇÃO DE CORPOS-NÃO-MODERNOS: MODERNIDADE,

4.3 QUEM AJUDA QUEM? A ESTETIZAÇÃO DO SOFRIMENTO E “O PERIGO

Retorno aqui a discussão de Chimamanda Adichie acerca das histórias únicas, porém agora observando-a enquanto componente constitutivo das práticas humanitárias, as quais estão invariavelmente ligadas a construção de imagens homogeneizadas acerca dos grupos, povos e comunidades a receberem a ajuda, os quais podem ser caracterizadas também por estes povos em sofrimento, vulnerabilizados, corpos-não-modernos, aqui pensados como corpos negros, algos do processo de inferiorização epidérmica do qual fala Franz Fanon (2008). Nesse sentido, é importante fazer a ressalva que se aqui o recorte está sendo feito – dado os caminhos desta pesquisa – sobre corpos negros, isto não exclui que também os corpos índigenas, assim como de outras identidades étinco-raciais não-brancas, não possam ser incluídas em reflexões futuras, tendo em vista que estão ligadas diretamente à noção raça.

Neste sentido, ao se pensar acerca a própria genealogia histórico-cultural, simbólica, epistemológica e cosmológica da noção de “negro”, é importante lembrar ela é construída a partir do espelho da branquitude europeia, moderna e civilizatória.

62 FRATERNIDADE sem fronteiras. 2018. Disponível em: https://www.fraternidadesemfronteiras.org.br/ Acesso em: 10/01/2019

É também o que torna possível a experiência, assim como a crítica narrada por Chimamanda Adiche, a qual pode ser relacionada com a underclass criticada pelo pesquisador francês Loic Wacquant (2008), ou das escolhas feitas pelos agentes humanitários. No caso destes últimos ao escolherem as localidades, e os grupos a serem assistidos em cada uma delas, precisam construir imagens destes grupos, que possam seduzir investidores que “acreditem na causa”. Tais construções imagético- discursivas revelam outra expressão da história única, a estetização do sofrimento, como bem observou Luc Boltanski (1992). Isto tem a ver com o que o autor também denominou de “espetáculo do sofrimento”, isto é, a forma como aquilo que os agentes humanitários escolhem para apresentar virtual e imageticamente aquilo que presenciaram de forma empírica. Há uma relação continua entre piedade e compaixão, termos sempre presentes da gramática moral do humanitarismo, os quais denunciam que, mesmo quando sendo assumidamente seculares, as agências humanitárias partilham de ideias judaico-cristãs, sem os quais seria bastante difícil o referido jogo de sedução e convencimento.

Em diálogo com a análise de Hannah Arendt, quando esta analisa a existência, dentro do direito francês, de uma obrigação “de oferecer assistência para a pessoa em perigo”, Boltanski vai retomar a parábola bíblica do Bom Samaritano. Tal personagem sem um nome específico – algo que marca as parábolas – incorpora a figura de um estrangeiro que se enche de compaixão por um desconhecido encontrado semimorto na beira da estrada. Grosso modo, pode-se dizer que o moribundo é assistido pelo protagonista da história, que o leva até algum estabelecimento; paga antecipadamente as despesas com este desconhecido, e parte. A narrativa parece deixar subentendido que não houve qualquer contato consciente entre o homem caído na estrada e aquele que lhe prestou ajuda, e muito menos que estabeleceram qualquer relação posterior. No entanto, a distância entre os dois não impediu o exercício da piedade e compaixão.

O interesse principal de Boltanski ao retomar tal história é pensar como no mundo contemporâneo se dá a relação entre um infeliz, um coitado, um miserável ideal e um espectador ideal. Estabelece-se aí a construção do espetáculo do sofrimento que para o sociólogo vai se alicerçar sob três tópicos: a denúncia do sofrimento; a construção de um sentimento de empatia acerca desta estetização. É também por meio deste processo que se pode inferir que se dá a invenção do sofrimento na já apresentada perspectiva de Fassin, tendo em vista que para ambos

os autores o reconhecimento do sofrimento passa a não ser algo da intimidade, que demande empiria, mas que passa a ser transportado para uma generalidade política. É aí que que se dá esse sofrimento a distância de que fala Boltanski, e por isso tão importante a construção estética deste corpo que sofre amalgamado com determinada concepção de um universalismo do ser humano.

Josué de Castro, em seu genial Geografia da Fome, publicado em 1946, ao observar a fome enquanto fruto de relações cujas raízes históricas, políticas e culturais não podem ser encontradas em qualquer concepção de natureza, mas enquanto construto social. O autor investiga a maneira como este fenômeno se dá em cada uma das regiões do Brasil, descontruindo qualquer explicação que se baseie em um determinismo geográfico, climático, ou de qualquer tipo. A fome é fruto da desigualdade! A questão que se pode levantar diante de tal afirmação é que a própria noção do que ficou chamado de “indústria da fome” – e incluo aí toda a política assistencialista – surge a partir disso. Por assistencialismo compreendo toda ação social voltada para situações e grupos submetidos a processos de vulnerabilização que não visa sua autonomia, mantendo-os sob diferentes formas de dependência.

Exemplo disso pode ser bem observado a partir da denúncia de Antônio Callado (1960), e que irá culminar no termo já mencionado, “indústria da seca”, cunhado e sistematizado pelo autor. Callado observou que parlamentares da Paraíba, Pernambuco e do Ceará, estados por onde andou, não se mostravam favoráveis diante de um possível projeto de irrigação para a região. Em sua coletânea de reportagens, o autor vai observar que os grandes latifundiários, junto a políticos de suas respectivas regiões – os quais por vezes são a mesma pessoa o quais se beneficiaram de diversas formas, dentre elas com a construção de açudes com verba pública em suas propriedades tendo, portanto, a possibilidade de manterem-se em um lugar de poder a partir da manutenção da dependência por parte de famílias de agricultores do semiárido. Seja por meio dos açudes, ou através dos caminhões-pipa, o que se pode perceber é como a situação e vulnerabilidade é parte de complexos processos históricos, culturais e políticos, que possibilita falar em vulnerabilização, o qual possibilitará também que certos indivíduos e grupos possam ocupar um lugar de salvador.

Seja o sertanejo ou o africano – categorias generalistas e homogeneizantes, ambas escolhas das ações humanitárias aqui investigadas – terão em comum diversos estigmas que sustentam imagens acerca do sofrimento, degradação moral e

cultural – a partir do olhar dos grupos que a ele se dirigem enquanto humanitários – que revelam que além dos possíveis ganhos econômicos, há reafirmação de uma pretensa superioridade existencial. Isto pode revelar que – além dos ganhos financeiros, sempre muito escondidos – há a manutenção de jogos de interesses e manutenção de formas de dominação, a partir das desigualdades. Afirmar isto não implica de maneira alguma em fugir a pergunta que tem sido feita desde a elaboração do projeto de pesquisa que deu origem a esta pesquisa: O que os agentes humanitários ganham com isso? Já no título deste capítulo ao mencionar o conceito de “dádiva” aponto para a centralidade desta pergunta.

Vale salientar que Mauss (2003) ao analisar as trocas ritualísticas de presentes argumenta que há determinada circularidade – dar, receber e retribuir – que exerce certa coerção sobre o participante de tais trocas. Aceitar participar do que aqui chamarei de jogo da dádiva é assumir diferentes tipos de compromissos, e, com isso, alianças. É importante lembrar que Mauss não concebia a dádiva como algo restrito as referidas trocas rituais, como no caso do Kula. Prova disso é que mesmo ao pensar nos tributos pagos ao Estado e na aposentadoria, por exemplo, o autor pensava na relação de dádiva.

Dito isto, volto à pergunta anteriormente feita: O que ganha o agente humanitário com sua “ajuda”? Ainda na tentativa de responder a tal questão, é importante voltar a Mauss e destacar que a teoria da dádiva se estabelece por meio de relações de poder, e que são estas que norteiam o peso e importância das alianças e, acrescento, estas não são estabelecidas unilateralmente. Tal afirmação tem aqui a intenção de apontar para o fato de que as relações de poder aqui observadas nas redes formadas também por meio da ajuda humanitária, para além dos ganhos ou perdas econômicas, apontam para uma busca por um domínio sociocultural e histórico, e com isso, moral. Dessa forma, se a dádiva pressupõe uma aliança, um dos objetivos centrais aqui será pensar que tipo de alianças são estabelecidas através da ação humanitária, assim como as consequências do rompimento com esta aliança. Nesse sentido, é importante retornar aqui aos estudos de Didier Fassin e sua noção de razão humanitária. O autor problematiza como na contemporaneidade as práticas humanitárias se configuram enquanto uma empresa humanitária, no sentido da exaltação e legitimação de toda uma gramática moral que se construa a partir de um governo dos corpos (FASSIN, 2005) possível apenas a partir dos estabelecimentos entre sujeitos e agrupamentos considerados mais ou menos

“civilizados”, em detrimento de reconhecidos como “descivilizados”. Para Fassin (2005), humanitarismo só se faz possível a partir deste governo dos corpos, na medida em que para haver qualquer tipo de ajuda humanitária é necessária a exposição de um corpo que sofre.

Erica Bornstein, ao investigar a atuação de duas agências humanitárias protestantes atuantes no Zimbábue (2005) – World Vision e Christian Care –também vem contribuindo para importantes diálogos. Ela analisa a relação entre desenvolvimento econômico e espiritualidade, num intenso diálogo com a clássica discussão de Max Weber acerca da ética protestante, sua influência e repercussões nas atuações das referidas instituições e na vida das pessoas por elas assistidas. A isso acrescentam-se as pesquisas de Luc Boltanski (1993) acerca das ações humanitárias e aquilo por ele chamado de “sofrimento a distância”, conceito através do qual o autor aponta o hiato entre as populações ajudadas e os agentes humanitários, estabelecendo, assim, uma “política da piedade”.

Ainda que cada trabalho tenha se dado em diferentes contextos e se valido de uma diversidade aportes teóricos e metodológicos há um ponto convergente: tratam do que Laëtitia Atlani-Duault e Jean-Pierre Dozon (2011) chamam de uma antropologia da ajuda internacional. Acerca disso, vale salientar que tais trabalhos se referem a ajudas entre instituições oriundas de Estados ocidentais ricos em direção, principalmente, a países africanos. Neste sentido, há uma evidente diferença entre estes e a pesquisa aqui implementada, tendo em vista que estou voltado para agências humanitárias brasileiras que atuam em território nacional e transnacional.

Ainda que a presente pesquisa tenha tomando caminhos novos dos já percorridos, é possível identificar pontos correlatos dentro da pesquisa realizada anteriormente, em especial ao perceber proximidade entre humanitarismo e conceitos como cidadania, dignidade e direitos humanos (RODRIGUES Jr, 2010). Tratam-se de princípios básicos da modernidade, tendo em comum o fato de ao mesmo tempo possibilitarem o reconhecimento de diversidades e fluxos culturais, partem do pressuposto da unidade e universalidade humana. Humanidade, nesse caso, deixa de ser compreendida enquanto um conceito, uma concepção da realidade, e passa ser pensada a partir de algo “natural”, universal e/ou imutável.

Esta parece ser uma prática que remete àquilo compreendido por Latour (2002) como um fetichismo moderno. Isto é, a universalidade presente nas defesas

desses princípios tende a invisibilização de outras concepções, por exemplo, de humanidade e natureza. Para o autor o fetichismo moderno está alicerçado em acusar a forma de existir do outro como fetichista, isto é, falso, ilusório, em detrimento da sua própria visão de mundo. “Como definir um antifetichista? É aquele que acusa outro de ser fetichista.” (LATOUR, 2002, p. 26). Sempre o outro, nunca a si e aos seus.

Baseado neste pensamento, é possível considerar que a naturalização de conceitos não considerados enquanto concepções do real dentre tantas possíveis, pode estar na base motivacional das ajudas humanitárias. Dessa forma, a partir das especificidades da pesquisa aqui empreendida, aprofundarei a discussão dos efeitos das ações humanitárias, considerando que partem de perspectivas pretensamente universalistas. Disto não, podem ser excluídos os sentimentos morais compartilhados pelos interlocutores.

O estudo das fronteiras morais é uma questão antropológica clássica, se não fundadora. As respostas, no entanto, se eles não oscilam entre o relativismo e o universalismo, continuam a fragmentar-se em subdomínios (emoções, a violência, o sofrimento social, corpo, subjetividade), esquecendo-se de alguns problemas iniciais. As ladainhas sobre o assunto são muito bem conhecidas e banalizadas. E o prêmio vai, sem dúvida, para categoricamente abordagens culturalistas e pseudopsicológicas. Salvar a variabilidade da ordem moral, de fato, faz sentido que se pode entender o princípio da Constituição, que é uma forma mais radical de desnaturalizar efeitos sociais (FASSIN; BOURDELAIS, 2005).

Ainda sobre a construção de uma universalidade inseparável do humanitarismo, como já demonstrado aqui, será importante retomar a compreensão de que a hierarquia apontada entre quem oferece ajuda e aqueles a quem esta é direcionada se constrói a partir da intensa relação entre processos históricos, culturais e cosmológicos. Processos cujos resultados passam inevitavelmente por uma intensa vulnerabilização, mas também por invenções de superioridades geopolíticas e étnico-raciais. Neste sentido, cabe salientar que Tuparetama e Dakar – para me restringir por ora ao trabalho de campo realizado in loco – estão localizadas em macrorregiões inventadas a partir de relações historicamente assimétricas que apontam para elaborações imagéticos-discursivas que além de partir de visões homogeneizadoras do “sertão” e da “África”, a partir, respectivamente, da invenção de uma superioridade geopolítica do sudeste brasileiro e do mundo ocidental, europeu, branco.

É possível observarmos que tais invenções são informadas por uma compreensão estrutural racista das referidas regiões, que foram submetidas a processos de vulnerabilização e precarização e cujos habitantes tiveram inclusive o seu lugar como humanos questionado. Nesse sentido, a ajuda humanitária teria como intuito também a humanização, ou como preferem chamar os “caminhantes”: a ajuda humanitária tem o potencial de conscientizar aqueles a quem se dirige. No entanto, o que a gramática moral humanitária invisibiliza é que a própria precarização de regiões, grupos e sujeitos não pode ser compreendida sem que se leve em consideração que para isto acontecer determinados povos e pessoas foram reconhecidas como tendo suas vidas menos valorosas do que outras, o que, como lembra Judith Butler(2015) justifica até mesmo as guerras, momentos da história em que em nome do suposto salvamento de determinadas vidas se justifica a morte de outras tantas.

Como lembra Achille Mbembe (2014) a ajuda humanitária é realizada por aqueles que em outro momento fazem parte dos povos colonizadores – e de alguma maneira não saíram deste lugar – e que tal colonização – que está na base da própria noção de mundo moderno, ocidental e capitalista e, consequentemente – pode-se inferir – de um processo que toma tal ocidentalismo como sinônimo e modelo de civilização. O autor aponta também que a compreensão de que o mundo europeu, visto como referencial civilizacional – em relação ao “resto” do mundo, sobretudo os povos do continente africano, dá-se a partir de “uma crença transformada em dogma”, que tem a ver com a invenção do “branco” como superior ao “negro”. Pode-se compreender que é a partir de tal construção – que, como busquei apresentar neste capítulo, não pode ser dissociada de uma cosmologia que tem por base a ética protestante como fundante da modernidade – que se arma um binarismo onde tudo aquilo que se aproxima de um ideal do que é “ser branco” é visto como civilizado, desenvolvido, moderno; enquanto tudo aquilo que se aproxima de um ideal do “ser negro” é tratado como sinônimo de subdesenvolvido, atrasado, “bárbaro”.

Aproximar tal discussão das questões diretamente relacionadas à ajuda humanitária é trazer uma contribuição para este campo de pesquisas pouco abordado pelos autores anteriormente apresentados. Afirma-se isto tanto porque a partir do trabalho de campo aqui desenvolvido, como das pesquisas com as quais se vêm dialogando, apontam que este humanitarismo tem cor/raça, classe, gênero

e geração. Tal discussão se tornou importante pois é possível observar que além dos agentes humanitários com os quais mantive contato serem predominantemente homens brancos, pertencentes às classes sociais menos vulnerabilizadas – ou mais abastadas – mantendo o perfil da liderança do Caminho da Graça – são também residentes nas capitais do Brasil, sobretudo do Sudeste. Há, em meio a isso, exceções, mulheres e homens negros – ou não brancos – atuando como agentes humanitários, exceções no universo pesquisado. Tal condição torna ainda mais importante compreender as posições que estes diferentes atores ocupam neste campo de atuações.

Outros (agentes colonizadores), mais bondosos, admitiam que tais entidades não eram desprovidas de humanidade. Vivendo adormecida, esta humanidade não se tinha ainda engajado na aventura daquilo que Pau Valéry chamava de “lonjura sem regresso”. Era, no entanto, possível elevá-la até nós. Tal fardo não nos poderia conferir, no entanto qualquer direito de abusar da sua inferioridade. Pelo contrário, deixávamo-nos guiar por um dever – o de ajudá-la e protegê-la. Assim se justifica a empresa colonial como obra fundamentalmente “civilizadora” e “humanitária”, cuja violência, seu corolário, era apenas moral (MBEMBE, 2014, p. 150).

Considerando a discussão de Mbembe, gostaria de retornar ao raciocínio de Fassin que aponta, a partir de trabalhos de campo realizados em diferentes localidades, para a ambiguidade presente nas práticas humanitárias. Para o autor, há uma tensão entre desigualdade e solidariedade; dominação e reciprocidade, por exemplo. Nessa ambivalência é possível perceber a exaltação de certas perspectivas que estabeleceriam e/ou legitimariam uma hierarquia entre quem ajuda e quem é ajudado. Em nome de um combate à pobreza, a disciplinarização dos pobres.

A partir do que foi apresentado até agora, seja nos dados etnográfico, ou nos diálogos teóricos apontados, é possível assumir que a referida ambiguidade presente nas práticas humanitárias nos coloca num dilema semelhante à figura do pato- coelho63 utilizada por Wintegnstein (1999), em sua segunda fase. Tal como a imagem

que o filósofo se utiliza, a ajuda humanitária pode ser rechaçada enquanto prática normatizadora, mantenedora de desigualdades ou mesmo neocolonizadora; ou ela pode ser exaltada como uma expressão de amor desinteressada, fruto do altruísmo,

63 O filósofo faz uso de uma imagem onde diferentes pessoas podem, em um primeiro momento, ver um coelho, enquanto outras, com semelhante certeza verão um pato. O olhar de cada uma revelaria a forma como cada uma aprendeu a ver o mundo e o apreendeu. São olhares possíveis a partir de mundos possíveis.

ou, como expressam muitos dos interlocutores com os quais mantive contato, uma expressão da prática do amor de Jesus, que não poderia ser vivenciado de outra maneira.

No entanto, ao retomarmos as noções de normatização e de reparação, é possível observar que ambas carregam em seu bojo uma ideia – não assumida – de manutenção de hierarquias, tendo em vista que a ideia de reparação se relaciona diretamente a um erro ocorrido anteriormente que logrou prejuízo a alguém, ou a algum povo, região, nação, ou mesmo continente, se pensarmos aqui na totalidade da África e seu histórico de espoliações por nações do Ocidente.

As considerações feitas até aqui tiveram como intuito principal apresentar aos leitores as perspectivas analíticas predominantes acerca do tema ajuda humanitária, cuja motivação principal surgiu a partir do trabalho e das descobertas trazidas pelos diferentes interlocutores em suas atuações, fossem eles os agentes humanitários, ou aquelas pessoas pertencentes as localidades que receberam as intervenções dos “caminhantes”. Tuparetama, estando não apenas no Nordeste, mas no alto do Sertão do Pajeú; e Dakar, no Senegal, compõem cenários que remetem as referidas invenções dessas mesmas regiões que inviabiliza a diversidade de suas dinâmicas socioculturais, reduzindo-as ao lugar da barbárie, do descivilizado, espaços repletos de pessoas carentes não apenas materialmente, mas de uma consciência de si. O humanitarismo surge como essa ação que vem com sua ajuda oferecer as condições necessárias para que estes humanos atendidos ascendam a uma condição moral melhor.

O tópico seguinte está concentrado a apresentar algumas singularidades desta pesquisa em específico, evidentemente estabelecendo os vínculos com o que