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1 CAPÍTULO A multideterminação da violência sexual praticada contra crianças e adolescentes

1.3 Consequências da violência sexual infanto-juvenil

Para a Organização Mundial de Saúde, em seu Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (KRUG et. al., 2002), as consequências da violência sexual estão relacionadas à saúde reprodutiva, mental e ao bem estar social. Enfatiza que nem sempre a força física é utilizada, e que nem sempre lesões físicas são produzidas pela violência sexual ou resultam em morte. Dentro das consequências na saúde reprodutiva são citadas a gravidez resultante de estupro e complicações ginecológicas resultantes de relações sexuais forçadas, como “sangramento, infecção vaginal, tumores fibróides, diminuição do apetite sexual, irritação genital, dor durante a relação sexual, dor pélvica crônica e infecções do trato urinário” (KRUG et. al., 2002, p. 160). Infecções por HIV11 e outras doenças sexualmente transmissíveis são citadas como resultantes de casos de estupro ou como resultante do aliciamento do tráfico de mulheres. Com relação a problemas de saúde mental e de comportamento na adolescência e na fase adulta, o relatório cita estudo populacional indicando ocorrência de sintomas psiquiátricos ou sinais indicativos destes em 33% das mulheres com histórico de abuso sexual, estando essas mulheres sob risco de desenvolverem depressão ou estresse pós- traumático, dificuldade para dormir, queixas somáticas, comportamento agressivo, roubo e vadiagem; pensamentos suicidas ou tentativas de suicídio também são associados a mulheres estupradas ou agredidas sexualmente (KRUG et. al., 2002, p. 161). O mesmo relatório cita que a reação aos atos de estupro, pela família ou comunidade, está relacionada às ideias sobre a sexualidade e a condição da

11 HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência adquirida (human immunodeficiency vírus) responsável

pela AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida), que ataca o sistema imunológico diminuindo a capacidade do organismo de se defender de doenças. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv. site do Ministério da Saùde. Acesso em: 20/05/12.

mulher numa determinada cultura. As “soluções” vão desde obrigar o casamento com o estuprador, por algumas leis de alguns países desculpabilizarem o autor pelo crime com o casamento; pedir indenizações por “danos”; colocar a mulher fora de casa ou assassiná-la para recuperar a honra (KRUG et. al., 2002, p. 161).

Outro estudo revisando publicações sobre a violência no Brasil, a partir dos anos 80 do século 20 até 2007, realizado pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (REICHENHEIM et. al., 2011) reforça que a violência na infância vem trazer manifestações para saúde em diferentes aspectos do crescimento e desenvolvimento, podendo se estender para a vida adulta. Tais estudos mostraram associação entre abuso infantil e transtornos psiquiátricos em geral; uso de drogas, depressão e baixa-estima na adolescência; transtornos de conduta; transtorno do estresse pós-traumático e condutas transgressoras na vida adulta (REICHENHEIM et. al., 2011, p. 80).

Rouyer (1997) aponta que dentre os sintomas apresentados por crianças que sofreram violência sexual estavam as manifestações psicossomáticas e desordens do comportamento manifestas por pesadelos, medos, angústias; anomalias do comportamento sexual como comportamento de sedução, pedido de estimulação sexual, conhecimento da sexualidade mais avançado em relação à idade da criança; tentativas de suicídio e estados depressivos. O autor através desses estudos conclui que as reações à violência sexual podem ser tardias e se manifestam em distúrbios da sexualidade e parentalidade (ROUYER, 1997, p. 63). As reações mais imediatas da criança podem ser sinais clínicos de uma possível agressão sexual sem que ainda a criança tenha confirmado a agressão, conforme Rouyer (1997). “A criança pode reagir com um estado de estresse que se revela pela agitação ou pelo choque e recuo, uma anestesia afetiva seguida de terror, regressões e manifestações psicossomáticas” (ROUYER, 1997, p. 66), fazendo que a criança venha a contar o ocorrido só quando sentir confiança. Essa situação é diferente das violências sexuais que deixam evidências físicas (lesões nos genitais, marcas de espancamento, ferimentos, etc.) e por isso são prestados socorros imediatos à criança, fazendo com que a atenção e o cuidado recebido amenize o trauma, sem contudo eliminá-lo, o que justifica um tratamento psicológico por um tempo. Contudo, os adultos não o fazem quando se trata de crianças pequenas vitimizadas, por achar que “elas tudo esquecerão” (ROUYER, 1997, p. 66).

Nos casos de incesto, por este ocorrer ao longo do tempo, iniciando com carícias sutis em tenra idade, entendidas pela criança como brincadeiras secretas entre o adulto e a criança, com o passar do tempo vão se tornando mais erotizadas, passando a criança a ter consciência, explicando o aparecimento de sintomas diversos ao longo do tempo. As queixas somáticas habituais aparecem como mal-estar difuso, impressão de alteração física, persistência das sensações que lhe foram impingidas, dores nos ossos. O aparecimento de encoprese e enurese acomete mais crianças pequenas que sofreram penetração anal. Dores abdominais agudas sem causa orgânica são observadas em todas as idades, mas na adolescência se tornam mais comuns, além de tentativas de suicídio e fugas. Falta de ar, interrupção da menstruação, desmaios, náuseas, vômitos, anorexia ou bulimia são outros sintomas

encontrados. O desenvolvimento da anorexia e da bulimia, para Rouyer (1997, p. 67), pode ser compreendido como fenômeno de rejeição e de compensação transitório que, posteriormente, assumirá outro significado: “a recusa da feminilidade e a destruição do corpo”. A reapropriação do corpo profanado pela violência sexual, que se tornou repugnante, pode levar a rituais como se lavar em demasia ou se coçar até sangrar. Necessidade de alguém dormir junto, dificuldade de dormir, pesadelos; colocar objetos perto da cama para proteção, pode ocorrer pelo receio de repetição da violência. Queda no rendimento escolar por um bloqueio intelectual, desinteresse pelos estudos, comportamento agitado ou muito introvertido, podem ser outros sintomas apresentados.

Com relação a alterações da sexualidade, na criança pequena pode-se observar comportamentos exibicionistas ou voyerismo exacerbados ou agressão sexual contra outras crianças, que podem ser entendidos como tentativas da criança elaborar o trauma sofrido. Agressão sexual contra crianças e o receio de se tornar homossexual foram observados em adolescentes masculinos; entre as meninas pode haver o receio de se tornar frígida, ou comportarem-se de forma a repetir o que sofreram através de comportamentos sedutores, provocativos, por exemplo. A ninfomania e a prostituição, associadas ao uso de drogas psicotrópicas e delinquência podem ser sintomas mais graves expressos pelos chamados “adolescentes difíceis”.

Um aspecto que deve ser levado em consideração pela possibilidade de múltiplos desdobramentos são os casos de gravidez por estupro ou incesto. Atualmente a lei brasileira (art. 128, II do CP) permite o aborto legal em casos de estupro, contudo tal possibilidade não exclui a vivência traumática de uma gravidez nessas condições. Além da violência sofrida, a mulher ou a adolescente terá que decidir entre ter o filho; doar, ou abortar, justificando o acompanhamento desses casos.

Ressaltamos que o desenvolvimento de sintomas pela criança ou adolescente é “simbolicamente a concretização, ao nível do corpo e do comportamento, daquilo que a criança [e o adolescente] sofreu e do que fantasmou. [...]. O corpo é sentido como profanado, há perda da integridade física; sensações novas foram despertadas, mas não integradas” (ROUYER, 1997, p. 67) gerando angústia.

1.4 Considerações acerca da vitimização sexual na adolescência e a incidência da

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