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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. Consequências do insucesso escolar

As consequências do insucesso escolar passam, entre outros fatores, pelo reconhecimento dos jovens e das famílias de falta de capacidades dos alunos para aprender, que os leva a ter uma imagem negativa de si e compromete, entre outras dimensões, a motivação, a atitude e o comportamento.

30 A motivação é uma característica do indivíduo que, enquanto processo psicológico complexo resultante da interação entre o sujeito e o seu ambiente (Latham & Pinder, 2005), pode condicionar o seu sucesso em diversas áreas. A motivação dirige, de forma instigada e sustentada, a atividade para uma meta, ou seja, a motivação é o motivo que leva as pessoas a decidirem fazer alguma coisa, a definirem o tempo que desejam sustentar ou expandir essa atividade e em que grau a irão sustentar (Pintrich & Schunk, 1996), nomeadamente ao nível escolar. Desta forma, se a motivação escolar promove o processo de ensino/aprendizagem, uma atitude psicológica negativa do aluno em relação à escola gera insucesso, uma vez o aluno está desmotivado, não investe, e isso pode ter como consequência o insucesso escolar.

No entanto, Martinelli e Genari referem que a “relação entre motivação e aprendizagem não se restringe a uma pré-condição da primeira para a ocorrência da segunda, mas que há uma relação de reciprocidade entre ambas” (2009, p. 14). Nesse sentido, também o insucesso escolar é promotor de desmotivação no aluno, pelo que, numa situação de resultados escolares abaixo do esperado “as crenças pessoais do aluno sobre a sua maior ou menor capacidade de aprender, bem como as atribuições dos seus sucessos e fracassos, são determinantes no posicionamento adotado em face do rumo ou redireccionamento da sua própria aprendizagem” (Rosário, et al., 2005, p. 344). Quando o aluno, pela forma como vive o insucesso escolar, não acredita ser capaz de o ultrapassar, não procura compreender a sua situação e não define estratégias para aprender, desinveste e desmotiva.

As perceções pessoais menos positivas desenvolvidas pelos jovens com insucesso escolar situam-se, entre outros, ao nível da automotivação (Goleman, 1996) ou motivação intrínseca. A motivação intrínseca, é a “tendência natural para buscar novidade, desafio, para obter e exercitar as próprias capacidades” (Guimarães & Boruchovitch, 2004, p. 143). No entanto, além da motivação intrínseca e porque os objetivos individuais subjacentes à motivação são, como referem Ryan e Deci (2000) na Teoria da Autodeterminação, um continuum entre os dois tipos de motivação, há que ter em conta a motivação extrínseca. O aluno com insucesso desconsidera-se, como atrás se referiu, e tende a recusar situações novas em que se sinta desafiado, avaliado, ou que coloquem em evidência o que vê como limitações suas. Em situação de desmotivação intrínseca o aluno não persiste, não se empenha em cada tarefa, nem é curioso (Martinelli & Genari, 2009), o que leva à redução do seu número de experiências, a menos aprendizagem e a mais insucesso escolar.

31 A motivação extrínseca, por sua vez, “implica que o envolvimento numa atividade leva a consequências que estão separadas dela” (Afonso & Leal, 2009, p. 250). Quando aplicada à vida escolar a motivação extrínseca tem como dimensões a preocupação do aluno com avaliação, com o reconhecimento e com a competição, assim como o enfoque deste no dinheiro ou outro incentivo e na preocupação com os outros (Martinelli & Genari, 2009). Quando cessam os fatores extrínsecos que promoviam o investimento do aluno na sua vida escolar (e.g. o reforço da mesada por obter notas positivas) gera-se insucesso escolar, nomeadamente através de desistência e evitamento de desafios demonstrando dependência desses reforços externos (Gottfried, 1990).

A motivação como um todo é, entre outras dimensões, condicionada pela autorregulação, isto é, pela adoção de padrões pessoais de monitorização e regulação dos próprios atos através de influências autorreativas (Bandura, 2005). O aluno direciona mais ou menos energia para a alteração da sua situação de insucesso de acordo com o que considera ser desejável que aconteça no seu percurso escolar e com os momentos em que pensa que certas metas devem ser atingidas.

Como nos referem Rosário, Núnez e González-Pienda os alunos realizam um “contrato de estudo pessoal consigo próprios, a partir da hierarquização de objetivos (…). As prioridades escolares podem alterar-se à medida que os alunos se conhecem melhor a si próprios, às suas tarefas escolares ou se (des)vinculam ao ambiente social” (2006, p. 15). Embora haja ajuste de planos e de finalidades a atingir, o planeamento realizado pelo aluno e a sua autoavaliação sistemática são comportamentos autorregulatórios importantes para que haja sucesso escolar. Pelo contrário, associados a menos comportamentos autorregulatórios do estudo surgem o desinteresse e as reduzidas expectativas do aluno face à escola (Barros & Almeida, 1991).

Outro aspeto a ter em conta é o autoconceito académico, isto é, a avaliação escolar e aquilo que o aluno pensa de si próprio, do seu desempenho e rendimento escolar considerando a atitude que professores, pais e colegas adotam em relação a si (Senos & Diniz, 1998). Como dá a conhecer o estudo de Okano, Loureiro, Linhares e Marturano (2004) há relação entre o autoconceito académico e os resultados escolares, uma vez que as dificuldades de desempenho escolar reforçam sentimentos de inadequação e de baixa autoestima em alunos com vivências de baixos resultados, favorecendo situações conflituosas, dificultando a aquisição dos conteúdos formais e ampliando as dificuldades afetivas. Por outro lado, as crianças sem dificuldades escolares, com bom rendimento,

32 mostram um autoconceito académico mais positivo e melhor aceitação pelos pares, mas têm mais ansiedade, o que sugere um esforço de adaptação.

A redução de expectativas face aos resultados escolares é uma forma de manter níveis aceitáveis de autoestima perante uma situação de insucesso académico. No insucesso escolar um baixo autoconceito académico pode revelar-se protetor da autoestima, uma vez que esta só será ameaçada se o sujeito valorizar o domínio académico (Almeida, et al., 2006). Neste sentido, “o resultado escolar, em si, não parece ser muito relevante, comparativamente com a perceção que se faz desse resultado” (Senos & Diniz, 1998, p. 273), surgindo a indisciplina como forma de desvalorizar a ameaça e retirar significado psicológico ao insucesso académico. Como nos sugere o estudo de Veiga e Moura (1993), em torno das estratégias de proteção da autoestima face aos resultados escolares negativos, a indisciplina poderá constituir um recurso para os alunos com insucesso académico se furtarem ao efeito daquela ameaça potencial.

Tal como a cognição, apresentada no momento do trabalho sobre os fatores individuais explicativos do insucesso escolar, e a motivação, também a atitude do aluno em relação à escola, isto é, a sua predisposição geral para responder positiva ou negativamente (Abreu, Veiga, Antunes, & Ferreira, 2006) à instituição escolar, condiciona o sucesso escolar que obtém. A atitude do aluno face à escola tem em conta, entre outras dimensões, as atitudes da sua família face à escola, as suas interações com professores, colegas e outros membros da escola, o interesse pelas disciplinas e o modo como perceciona as suas competências nas mesmas e os resultados que obtém.

A relação entre atitude negativa do aluno face à escola e insucesso escolar remete, por um lado, para a relação entre atitude face à escola e autoconceito académico, e por outro para a relação entre atitude face à escola e comportamento. Na relação com o autoconceito académico, que atrás se definiu quando se abordou a motivação, Abreu, Veiga, Antunes e Ferreira dão-nos a conhecer através das conclusões do seu estudo que “os alunos com níveis inferiores de atitudes face à escola revelam também níveis inferiores de autoconceito” (2006, p. 696). O aluno que não valoriza a escola, enquanto contexto onde teve experiências repetidas de fracasso que promoveram baixas expectativas de autoeficácia, e relações pobres com os professores, tendencialmente também não se valoriza no que respeita a aspirações académicas e revela, ao longo da adolescência, diminuição da motivação dirigida à escola (Miguel, Rijo, & Lima, 2012). Por sua vez, no que diz respeito à relação entre atitude dos alunos face à escola e o seu comportamento em contexto escolar, um estudo de Nascimento e Peixoto (2012), em que

33 participaram 158 alunos do 9.º ano, concluiu que os alunos que ao longo do seu percurso académico experienciam sucessivos insucessos poderão desenvolver uma atitude de desvalorização do trabalho escolar, através da organização de uma cultura anti institucional, que valoriza o ‘ser mau’ na escola. Uma manifestação dessa cultura anti escola pode ser o incumprimento das regras, já que a atitude não é diretamente observada, mas inferida da coerência das respostas do sujeito (Cabral & Nick, 2001). Por exemplo, a atitude anti escola é não aceitar como válidas as regras da escola, o que se projeta no comportamento, o uso telemóvel deliberadamente na sala de aula quando se sabe que não é permitido, esse sim a ação.

Após a explicitação das consequências do insucesso escolar (o nível da motivação, da atitude e do comportamento), passa-se a dar a conhecer medidas que a escolas tomam para fazer face ao insucesso escolar.