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Considerações a Respeito da Entrevista Cognitiva

4.1 PRINCIPAIS FATORES CONSUBSTANCIADORES DAS FALSAS MEMÓRIAS NA

4.3.1 Considerações a Respeito da Entrevista Cognitiva

A mente humana está sujeita à incorporação de informações oriundas da sugestionabiliade, sendo necessária, sobretudo por parte dos profissionais responsáveis na colheita dos depoimentos, a adoção de técnicas capazes de extrair as informações pertinentes ao caso, sem que tal ação induza a testemunha a preencher as lacunas da memória com informações posteriores. Assim, tem-se falado nas vantagens da Entrevista Cognitiva, a qual demanda um conhecimento técnico, bem como a dispensação de atenção quando da elaboração dos quesitos.

A formulação da técnica da Entrevista Cognitiva remonta às pesquisas de Ronald Fisher e Edward Geiselman, em 1984, (STEIN et. al., 2010, p. 210), as quais objetivavam minorar os danos causados na colheita dos depoimentos, à época, “[...] foram constatados diversos problemas no interrogatório policial que conduziam a uma deficiente comunicação entre a testemunha e o policial, limitando o resultado da entrevista.” (STEIN et. al. 2010, p. 210, apud FISHER, GEISELMAN e RAYMOND, 1987).

A Entrevista Cognitiva visa “[...] obter melhores depoimentos, ou seja, ricos em detalhes e com maior quantidade e precisão de informações.” (STEIN et. al., 2010, p. 210), sendo constituída por quatro ou cinco etapas distintas. Segundo ALBUQUERQUE e SANTOS (1999, p. 265) o primeiro passo “[...] consiste na re- instalação do contexto de codificação. [...] Assim, procura recriar mentalmente os espaços, as condições de luminosidade, as emoções, os cheiros e sons, os comportamentos ou outros detalhes é algo que é tido como facilitador da recuperação da informação.”. Objetiva-se, nessa etapa, a rememoração temporal e espacial, em uma tentativa de regresso ao momento do fato, visto que “[...] a nossa memória será tanto melhor quanto os indicadores ou pistas presentes no momento em que codificamos uma informação estiverem presentes no momento da sua recuperação.” (ALBUQUERQUE e SANTOS, 1999, p. 265).

Para outra parte dos estudiosos, como Lilian Stein, a primeira etapa estaria ligada à criação do ambiente e contexto adequados para a melhor obtenção das informações necessárias contidas na memória do entrevistado (STEIN et al., 2010, p. 212). Assim, para a

eficaz colheita do depoimento seria preciso prezar pelo estabelecimento de um espaço acolhedor, requerendo do entrevistador habilidades interpessoais, trata-se, pois, do rapport27, ou seja, o estabelecimento de uma “[...] relação harmoniosa, empática ou simpática de conexão com o outro.” (BALLARDIN, STEIN e MILNE 2013, p. 8, apud COLLINS; LINCOLN e FRANK, 2005). Assim, “[...] o entrevistador deverá buscar desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosamente determinado evento.” (STEIN et. al. 2010, p. 213, apud MEMON e BULL, 1999).

A literatura indica a aplicação do princípio da sincronia nas entrevistas, o qual estabelece que “[...] em uma relação interpessoal, as pessoas tendem a agir de maneira semelhante ao seu interlocutor.” (STEIN et. al. 2010, p. 213, apud MEMON e BULL, 1999). Assim, por exemplo, o estado de ânimo esboçado pelo entrevistador poderá ser espelhado pela testemunha, logo, se o agente que dirige a entrevista é confiante e calmo, há a possibilidade que o entrevistado se comporte de maneira análoga. A respeito, ainda, dessa primeira etapa, STEIN et al. (2010, p. 214) traz algumas observações a respeito do contato inicial:

Além do agradecimento, o entrevistador deve iniciar com perguntas sobre alguns assuntos neutros, sem relação direta ou indireta com o evento em questão. Adotando essa atitude, ele demonstrará interesse pelas informações trazidas pela testemunha, o que reforça a mensagem acerca de sua importância. Adicionalmente, a postura de escuta ativa e empática auxilia na construção de uma relação suficientemente calorosa que favorecerá, posteriormente, a introdução de assuntos mais delicados ou emocionalmente carregados.

Além de construir uma atmosfera psicológica favorável, o rapport serve para outros importantes propósitos. Em primeiro lugar, ele permite que o entrevistador tenha alguma noção sobre o nível cognitivo e de desenvolvimento da linguagem do entrevistado, o que permitirá a este ajustar a sua própria linguagem ao comunicar-se com a testemunha. Por exemplo, ao entrevistar uma adolescente, o entrevistador adulto pode conhecer as gírias utilizadas e avaliar o vocabulário da entrevistada, bem como a velocidade de expressão verbal. A partir dessa avaliação, ele tem condições de aproximar a sua linguagem à utilizada pela entrevistada.

O passo seguinte, para esta linha de estudo, seria a recriação do contexto original, com fundamento no entendimento de que “[...] ao invés da memória ser composta por registros isolados e não conectados, nossas lembranças são formadas por uma rede de associações. Dessa forma, existem diversos caminhos pelos quais uma lembrança pode ser recuperada.” (STEIN et al., 2010, p. 216). Nesse processo, a atuação do entrevistador é relevante para guiar a testemunha à recordação do quanto presenciado, conforme exemplo abaixo expresso de possíveis técnicas a serem adotadas na condução da entrevista:

Neste momento eu gostaria de te ajudar a lembrar tudo o que conseguir sobre (referir o evento em questão). Você pode fechar os olhos, se preferir. Tente voltar mentalmente ao exato momento em que aconteceu essa situação. [pausa] Você não

precisa me dizer nada ainda, apenas procure observar o local ao seu redor [pausa]. O que você consegue ver? [pausa] Que coisas você consegue escutar? [pausa] Que coisas passam pela sua cabeça? [pausa] Como você está se sentindo? [pausa] Como está o clima nesse momento? [pausa] Tem algum cheiro que você consiga sentir? [pausa] Quando você achar que estiver pronto, pode contar tudo que conseguir se lembrar sobre o que aconteceu, do jeito que achar melhor. (STEIN et al., 2010, p. 216).

O segundo passo da Entrevista Cognitiva, para ALBUQUERQUE e SANTOS (1999, p. 265), “[...] consiste em incentivar a testemunha a falar sobre tudo o que presenciou, independentemente do grau de certeza que tenha em relação a essa informação.”. Já a terceira fase seria “[...] encorajar as pessoas a realizarem várias evocações. [...] baseia-se na suposição de que a evocação repetida melhora a memória relativamente ao nível anterior do esquecimento, isto é, em cada evocação há sempre um acréscimo de informação.” (ALBUQUERQUE e SANTOS, 1999, p. 265, apud SHAW & BEKERIAN, 1991). Contudo, há discussões no tocante à natureza desses acréscimos, se verdadeiras recordações ou memórias falsas.

Para STEIN et al. (2010, p. 217, apud CECI e BRUCK, 1995) a terceira etapa da Entrevista Cognitiva é a narrativa livre, “[...] o entrevistado tem a liberdade para contar, da sua maneira, todas as informações que puder acessar na memória, sem interrupções.” Contudo, entende-se que o entrevistado apenas revelará os fatos por ele reputados como principais, excluindo de sua narrativa aquilo que for considerado secundário, sem relevância, ou mesmo aquilo que for entendido como meros detalhes (DI JESU, 2014, n.p).

As eventuais dúvidas do entrevistador, bem como os detalhes não explanados, poderão ser esclarecidos na etapa subsequente, a fim de que o entrevistado tenha a liberdade de relatar suas memórias sem intervenções de terceiros. Assim, a fase dos questionamentos, quarta etapa, pode ser assim caracterizada:

Além de avisar sobre as perguntas, o entrevistador retoma algumas das regras básicas. Em particular, reforça que a testemunha pode dizer “não sei” ou “não entendi” diante de quaisquer questões. Também enfatiza que ela deve corrigi-lo caso fale algo que esteja em desacordo com seu relato. Um exemplo da introdução à etapa de questionamento pode ser descrito assim:

... bom, agora eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas para me certificar que entendi bem o que aconteceu. Só que antes de eu fazer as perguntas, quero lembrar algumas coisas importantes. Pode acontecer de eu perguntar algo que você não saiba. Se isso acontecer, por favor, diga simplesmente “eu não sei” ou então “eu não lembro”. Não tem problema nenhum de você não saber algo – o importante é que você não tente adivinhar a resposta. Pode acontecer também de eu fazer uma pergunta que você não consiga entender. Nesse caso, diga que você não entendeu, e tentarei me expressar melhor. Só mais uma coisa: às vezes eu posso ter entendido errado as coisas que você falou. Assim, se eu disser qualquer coisa que não corresponda com o que você disse, por favor, me corrija. Tudo bem? Bom, então a primeira coisa que eu gostaria de perguntar é...

Para o sucesso dessa fase, as perguntas devem ser corretamente formuladas, visto a possiblidade de sugestionamento, e, portanto, de contaminação. Recomenda-se a opção por perguntas abertas, visto que estas “[...] favorecem a recuperação na memória da testemunha, de um maior número de informações. Por outro lado, os outros tipos de perguntas limitam a resposta a uma única palavra, ou pior, podem conduzir a testemunha para uma determinada resposta.” (STEIN, 2010, p. 220, apud ROBERTS, LAMB e STERNBERG, 2004). Assim, a exemplo, questionar a testemunha com a indagação: “Era manhã, tarde ou noite quando o crime aconteceu?”, pressupõe, de imediato, a ocorrência do fato delituoso. Diferentemente ocorre com a seguinte pergunta: “O que você viu quando entrou na loja?”, com essa forma de abordagem haverá espaço para que a testemunha relate tudo quanto visto, sem o sugestionamento (STEIN et al., 2010, p. 220)

A quarta e última etapa, para ALBUQUERQUE E SANTOS (1999, p. 266), “[...] consiste em pedir às pessoas que procurem analisar o episódio que presenciaram de outras perspectivas, por exemplo, do ponto de vista de uma outra testemunha que também se encontrava no local.” A vantagem dessa fase seria não a mudança da percepção, mas a alteração da “[...] concepção do fenômeno.” (ALBUQUERQUE e SANTOS, 1999, p. 266, apud ANDERSON e PICHERT, 1978).

E por fim, para STEIN et al. (2010, p. 222), a quinta etapa corresponderia ao fechamento, momento em que é lido o depoimento, com a prévia informação à testemunha a respeito da possibilidade de interrupção, quando da ocorrência de distorções do quanto redigido ao quanto por ela informado, bem como é oportunizado a incrementação de outras informações posteriormente recordadas, sendo ao final encerrada a Entrevista Cognitiva com a retomada do rapport.

A Entrevista Cognitiva se afigura com um método de inquirição mais seguro, considerando que a técnica aplicada objetiva minorar a formação das falsas memórias, ao passo em que confere tratamento humanizado ao entrevistado, reduzindo, também, os possíveis danos psicológicos quando da fatigante tarefa de rememoração de possíveis fatos criminosos presenciados. Contudo, para a efetivação desse método, é necessário a preparação das pessoas diretamente envolvidas na colheita do depoimento, de sorte a promoverem o tratamento condigno ao interrogado e obterem as informações necessárias com mais fidedignidade.