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3.1 CONCEITO E ASPECTOS GERAIS DA MEMÓRIA

3.2.4 Diferenças individuais e falsas memórias

Os estudos sobre as falsas memórias indicam a existência de diferenças individuais que propiciam, por vezes, a ocorrência deste fenômeno. A idade é fator de análise, visto que:

Os estudos indicam que as MV [Memórias Verdadeiras] aumentam desde o nascimento até a idade adulta e começam a decair na terceira idade, juntamente com mudanças nos mecanismos cerebrais e estratégias cognitivas fundamentais para a memória (Gallo, 2006). O mesmo não ocorre com as FM [Falsas Memórias] que, assim como as verdadeiras, aumentam da infância para a idade adulta, mas que crescem ainda mais na velhice. (STEIN et al., 2010, p. 135).

Assim, é possível a ocorrência de falsas memórias em qualquer fase da vida, contudo, com a acentuação na velhice, sobretudo diante dos processos mentais de esquecimento decorrentes da própria idade. Em crianças também não é incomum, inclusive, as quais “[...] desde muito cedo, recordam de eventos que, de fato, nunca aconteceram. Essas falsas recordações não podem ser confundidas com simulações (isto é, mentiras) ou fantasias, que frequentemente acontecem nesta fase.” (STEIN et al., 2010, p. 136). Apontam Giacomolli e Di Gesu (2008, p. 4340 apud PISA e STEIN, 2006, P. 219 e apud ALTAVILLA, 1945, p.40) aspectos que afetam a credibilidade do depoimento infantil:

No ponto, lançamos, ainda, alguns aspectos comprometedores do testemunho infantil explictados por Altavilla, tais como o desenvolvimento fisiopsicológico, a percepção, a imaginação, a emotividade, a atenção, a memória, o egocentrismo, a distância e o intervalo de tempo, a sugestão, a sinceridade impulsiva, as mentiras e os erros, a vaidade e a curiosidade. Ainda, segundo o autor, a criança tem facilidade para descobrir a opinião do entrevistado, devido à sua grande intuição, o que vem a perturbar o que ela efetivamente sabe. Além disso, Pisa e Stein, através de vasta revisão bibliográfica sobre o tema, alertam para o fato de que a obtenção de informações fidedignas de crianças acerca de delitos é tarefa bastante árdua, pois “(1) as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas elaboradas sobre suas experiências; (2) a passagem do tempo dificulta a recordação dos eventos; e, (3) pode ser muito difícil reportar informações sobre eventos que causam estresse, vergonha ou dor”.

Surpreendentemente, as pesquisas apontam “[...] que quanto maior a idade, maior a produção de FM. Portanto, crianças com idade escolar, próximas dos 11 anos, apresentam maiores índices de FM se comparadas com crianças pré- escolares, entre 5 e 6 anos.” (STEIN

et al., 2010, p. 136). Tal circunstância poderia ser explicada “[...] no fato das crianças mais velhas serem mais capazes de extrair a essência dos eventos que seria necessária para gerar FM, quando comparadas com as crianças menores [...]”. (STEIN et al., 2010, p. 136, apud BRAINERD et al., 2002). Com efeito, diversos são as formas em que memórias falsas passem a compor o discurso infantil, assim advertem FRONER e RAMIRES (2008, p. 272 e 273) quanto a alienação parental:

Uma forma de implantação de falsa memória na criança é a conseqüência do seu envolvimento na Síndrome de Alienação Parental (SAP), um processo que pode ocorrer após a separação dos pais, quando um dos genitores, geralmente a mãe, influencia a criança para que odeie o pai, sem qualquer justificativa, com o objetivo de impedir ou romper a relação dele com o filho. Esse dispositivo é utilizado como instrumento de raiva da mãe, direcionada ao ex-parceiro (Gardner, 2002). Uma das consequências dessa síndrome pode ser uma falsa denúncia de abuso sexual, gerando seqüelas nefastas na criança (Junqueira,2002; Rovinski, 2004; Trindade, 2007).

Outro ponto a ser observado é a ocorrência de traumas durante a infância, visto que “[...] podem modificar o desenvolvimento de determinadas estruturas cerebrais, o que resulta em prejuízos no processo de recordação baseado na capacidade de associação semântica.” (STEIN et al., 2010, p. 141). O resultado disso, ante os impactos no desenvolvimento neurológico, é que “adultos com história de trauma na infância apresentam menos falsas memórias que aqueles sem esse histórico.” (STEIN et al., 2010, p. 141).

As pesquisas apontam que os idosos, contudo, são os mais propensos a apresentarem falsas recordações, a razão científica para tanto, pela Teoria do Traço Difuso é que:

[...] os idosos apresentam um déficit no sistema de memória literal que faz com que suas MV diminuam, o sistema de memória de essência, porém, se mantém intacto. Devido ao prejuízo na memória literal, os idosos acabam se engajando mais em processamentos de essência que, como visto anteriormente, se sobrepõe aos traços de memória literal que são responsáveis por armazenar os detalhes mais precisos das situações vivenciadas. Devido ao déficit no armazenamento de detalhes precisos no sistema de memória literal e ao maior engajamento no sistema de memória de essência, os idosos acabam tendo menores índices de MV e maiores de FM, recordando-se mais frequentemente do que os adultos jovens de informações que não foram vividas, mas que são coerentes com o contexto das situações vivenciadas. (STEIN et al., 2010, p. 142, apud Dennis et al., 2007).

A Teoria do Monitoramento da Fonte também se propõe a estudar a acentuação das falsas memórias na velhice, segundo esta corrente:

os idosos apresentam um déficit no monitoramento da fonte da informação, o que os torna mais suscetíveis às FM do que adultos jovens. Essa dificuld0ade dos idosos em identificar a fonte da informação também parece estar relacionada com menores recordações, no que concerne a informações perceptuais e temporais, fazendo com que tenham recordações menos vívidas, levando-os a confiar menos em suas memórias (Mitchell et al., 2002). (STEIN et al.. 2010, p. 142).

Assim, as falsas memórias são fenômenos comuns, que independem, como regra, da idade, sexo, etnia ou quaisquer outras diferenças humanas. Ante a sua reiterada possibilidade de ocorrência, a prova testemunhal deve ser vista com cuidado, sob o risco de falsas memórias embasarem provimentos judiciais, e afastarem, pois, a presunção de inocência, condenando erroneamente o indivíduo acusado.

4 AS FALSAS MEMÓRIAS E A PROVA TESTEMUNHAL

As falsas memórias, como ocorrências não patológicas e até mesmo comuns, são passíveis de advirem em inúmeras situações da vida, inclusive, no curso de um processo criminal, ou mesmo ser a mola propulsora que o desencadeia. Assim, a prova testemunhal, malgrado o compromisso com a veracidade dos fatos, é suscetível a consubstanciar a acusação e até mesmo a condenação de indivíduos inocentes, requerendo, portanto, atenção aos principais elementos favorecedores dessa síndrome25, a fim de minorá-los.

Ademais, importa diferir entre as consequências oriundas das mentiras, atinente ao crime de falso testemunho, e as falsas memórias. O Código Penal vigente, em seu artigo 342, prevê que é crime “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor, contador ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral”. Tal tipificação decorre do dever de veracidade, visto que o testemunho é meio de prova, para tanto, mecanismo possibilitador de reconstrução dos fatos.

Assim, a testemunha não poderá jamais faltar com a verdade, com o quanto sabido a respeito do suposto fato criminoso, aproximando-se ao máximo, em suas descrições, com o efetivamente presenciado. O problema ocorre, no entanto, quando, por processos endógenos e/ou exógenos, o indivíduo tem firme convicção da certeza de suas alegações, malgrado pautadas inconscientemente em informações falsas.

Na síndrome das falsas memórias, diferentemente do que ocorre no falso testemunho, não há o elemento volitivo em dissimular a verdade. A testemunha, na primeira situação, não desconfia que a própria memória venha, involuntariamente, a acreditar em informações inverídicas e reputá-las como verdadeiras. Portanto, as falsas memórias, as quais não configuram patologias psíquicas, também não podem ser reputadas como mentiras, razão pela qual afasta-se o possível caráter criminoso da conduta.

25 O termo síndrome na literatura médica nem sempre é interpretado como doença, a exemplo do que ocorre com

a Síndrome de Down. Portanto, se utilizará o termo síndrome, neste trabalho, para se referir às falsas memórias, contudo, mais uma vez, informando que não se trata de patologia.

4.1 PRINCIPAIS FATORES CONSUBSTANCIADORES DAS FALSAS MEMÓRIAS NA