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Recusas, restrições, proibições e compromisso A obrigação de falar a verdade

2.4 A VALORAÇÃO DAS PROVAS E O LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR

2.5.2 Recusas, restrições, proibições e compromisso A obrigação de falar a verdade

Por força do art. 202 do Código de Processo Penal vigente, “toda pessoa poderá ser testemunha”. Trata-se de maior abertura para a produção de prova testemunhal, diferentemente do que ocorre no processo civi, a razão para tanto pode ser vista pela busca de um maior grau de certeza, sobretudo, em virtude dos bens jurídicos envolvidos no processo (PACELLI, 2017, p. 420).

Uma das características da prova testemunhal é a obrigatoriedade, a qual resta consagrada no artigo 206 do CPP. O referido dispositivo legal também apresenta exceções a essa regra, assim, o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que

desquitado, o irmão, o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias, poderão recursar-se a depor. Trata-se, como pontuou LOPES JR. (2016, p. 481), de uma “[...] proteção para aquelas pessoas que, em razão do parentesco e presumida proximidade, não sejam obrigadas a depor.”. Assim, as supracitadas pessoas do artigo 206 do CPP, até poderão ser ouvidas, contudo, como declarantes, não se submetendo, pois, ao juramento que impõe a veracidade das alegações (MACHADO, 2014, p. 509).

Com efeito, seria possível inferir que os informantes, por não prestarem compromisso, não se sujeitam à responsabilização penal decorrente do crime de falso testemunho11, inclusive, sendo esse o entendimento esboçado no Habeas Corpus 92.836-SP (2007/0246973- 3), de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27 de abril de 2010, impetrado em face do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem intentada para trancar o Inquérito Policial nº 109/06, por entender que o crime de falso testemunho pode ser praticado por testemunha descompromissada, tal como o cônjuge. Restando apreciado o remédio constitucional, a Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de Habeas Corpus (STJ, 2010).

Há pessoas que, todavia, são proibidas de depor, visto expressa disposição legal, conforme consta no art. 207 do CPP, as quais, “em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.”.

A exemplo de ocupações em que o dever de sigilo é parte essencial para o desempenho das atividades, pode-se citar as exercidas pelos “[...] padres ou pastores de quaisquer religiões, os advogados, os médicos, os psicólogos e psiquiatras que tenham conhecimento dos fatos a partir do exercício das respectivas funções.” (PACELLI, 2017, p. 423). Não poderia ser diferente, visto o risco da quebra da confiança depositada no profissional, o que, consequentemente, inviabilizaria o pleno exercício da função.

Em virtude do reconhecimento que o depoimento prestado pela testemunha constitui meio de prova, inclusive, com abrangente utilização, servindo de embasamento para a formação da convicção do julgador, o art. 342 do Código Penal tipifica o ato de fazer

11 Segundo PACELLI (2017, p. 420) o “[...] art. 342 do CPP não faz qualquer referência ao compromisso como

elementar do tipo penal de falso testemunho. Assim, em regra, todos têm o dever de por, decorrendo daí também o dever de dizer a verdade, conforme imposição da lei [...]”.

afirmação falsa, negar ou calar a verdade, como conduta criminosa, cujo bem jurídico é a administração da justiça.

A testemunha deve prestar o compromisso, nos termos do art. 203 do CPP, comprometendo-se com a veracidade de suas alegações. A mesma imposição, contudo, não recai sobre o acusado, o qual possui o direito de não produzir provas contra si mesmo. O dever imposto às testemunhas de prestar compromisso é desincumbido aos indivíduos que não são obrigados a depor, notadamente os referidos no art. 206 do CPC, bem como aos doentes, deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos de idade.

Ponto que suscita discussões refere-se, sobretudo, à possibilidade de colheita dos depoimentos dos policiais que atuaram na condução do investigado. Malgrado a lei não apresente restrições ao seu depoimento, estando eles, inclusive, passíveis, também, a responderem criminalmente por falso testemunho, não é desconhecida a chance de ocorrências de contaminações, tal como apontou LOPES JR. (2016, p.480):

Além dos prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade desenvolvida, é evidente que o envolvimento do policial com a investigação (e prisões) gera a necessidade de justificar e legitimar os atos (e eventuais abusos) praticados. Assim, não há uma restrição ou proibição de que o policial seja ouvido como testemunha, senão que deverá o juiz ter muita cautela no momento de valorar esse depoimento.

Assim, o processo penal pauta-se na busca de uma verdade formal, sendo a prova testemunhal investida de inegável valor probatório, contudo, malgrado o ordenamento jurídico tipifique a mentira como crime de falso testemunho, objetivando evitar que fatos deturpados ingressem no processo, há circunstâncias que fragilizam o depoimento testemunhal, sendo, em muitas vezes, de difícil constatação, a exemplo das falsas memórias, as quais, distanciando-se da noção de mentira, possuem a potencialidade de contaminar o depoimento testemunhal e até mesmo embasar uma indevida condenação.

3 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA

O depoimento testemunhal pauta-se nas memórias preservadas a respeito do fato delituoso ou sobre as suas circunstâncias de relevante interesse. Trata-se, sempre, de um processo de tentativa de reconstrução de um momento pretérito, o qual resta superado pela fugacidade do tempo, mas que em virtude dos supostos danos e suas respectivas consequências jurídicas, projeta para o presente a necessidade de rememoração, contando, principalmente, com a figura humana para expor, mediante o compromisso com a veracidade das suas alegações, o quanto apercebido e armazenado, o que, consequentemente, não exclui a possibilidade de distorções involuntárias, em razão das diversas variantes internas e externas que incidem sobre a memória, fragilizando, portanto, o seu discurso.