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Venham comprar no shopping chão. É venham comprar no shopping chão. É mais barato. Shopping chão porque é tudo no chão.

(Chamada de um feirante descrita pela moradora M., em maio de 2015)

Ao findar a pesquisa e realizar análise e interpretação dos fenômenos geográficos que sucedem aos domingos na FDNA, apresentam-se as correlações entre sua espacialização, sua territorialidade, seu circuito da economia e seus fluxos socioespaciais. No entanto, sem esgotar a temática, visto que as atividades ligadas ao Circuito Inferior são sempre renovadas e adequadas ao momento e às necessidades da população. A feira em estudo se insere nesse contexto.

O estudo da Feira e de seus agentes sociais exige cautela, visto que, diferentes nuanças permeiam o espaço, seguindo, mais uma vez, as ideias de Milton Santos: “[...] o espaço, apresentam-se a nós de forma a nos enganar duplamente: por causa de suas determinações múltiplas e poligenéticas e também por sua deformação original” (SANTOS, 2009, p. 59).

As quatro fases desenvolvidas no trabalho de campo mostraram notadamente, que a FDNA se diferencia das demais feiras livres existentes nos bairros periféricos de Salvador pelas suas articulações territoriais com os vários municípios baianos, as suas interações espaciais e a territorialização promovida pelos seus agentes sociais.

A presença em grande número de feirantes oriundos do interior baiano aos domingos compõe uma ruralidade dentro de um espaço urbano. Vale ressaltar que esse fenômeno é originado pelas transformações ocorridas no campo, conforme citado nos capítulos anteriores. Outro destaque fica por conta das bananas verdes em cachos, que formam sua principal paisagem.

Não podemos deixar de pontuar que as bananeiras servem de sombreamento para a lavoura de cacau, principal produto de Corta Mão, no município de Amargosa, por isso, seu fruto é encontrado em quase todas as propriedades rurais do distrito, ocasionando excedentes de produção. Esse procedimento produtivo possibilita o desenvolvimento das atividades comerciais realizadas pelos baganeiros, que passam a comercializar seu fruto ainda verde na Feira Dominical do Nordeste de Amaralina.

Também se destaca o fluxo de pessoas e, principalmente, a adequação dos consumidores e moradores, além da sua tecnologia e organização (consideradas por alguns como primitiva). Com sua técnica ultrapassada para os dias atuais e com organização fora dos padrões normativos estabelecidos pelos órgãos governamentais, ela se perpetua por mais de quarenta anos, trazendo agentes sociais de diversos lugares.

A Feira é um fenômeno que chama a atenção pela sua espontaneidade, dinamicidade e expansão territorial nos últimos anos, agregando vendedores de vários segmentos (roupas, sapatos, alumínios, entre outros), sendo perceptível o aumento dos consumidores de diferentes classes de renda e de vários bairros da cidade, que a elegem como seu principal centro de compras de hortifrutigranjeiros. Tudo isso é possível sem a Feira depender da mídia ou do sistema de publicidade.

Para Santos (2004, p. 46), no Circuito Inferior, a publicidade não é necessária, graças aos contatos com a clientela. Nesse sentido, a proposta de Rosalvo Carneiro, Os circuitos de fluxos socioespaciais, ganha relevância, pois, em todo o caminhar pela Feira, foi observada a linguagem oral se destacando como a “alma do negócio”, exercendo ampla função de entendimento, coordenação das ações teleológicas e de socialização. Também foi verificada a importância da ação e da razão comunicativa voltadas amplamente para o entendimento mútuo e para a busca do consenso, ou seja, a cara-a-cara, a pechincha, o regateio.

Nesse contexto os fluxos e circuitos se movimentam formando uma indissociabilidade para a constituição do espaço geográfico estudado que é solidário, porém também contraditório.

Ao considerar a FDNA como espaço territorializado, concordamos com Haesbaert, pois, no nosso entender, esse território nasce com dupla conotação, a material e a simbólica, associadas ao poder concreto a ao poder de apropriação. Ou seja, seus agentes sociais se apropriam de um espaço público e o transformam em um espaço destinado às atividades comerciais voltadas para a sobrevivência de uma população com baixo poder aquisitivo.

Tem-se em vista que a espacialização das feiras em Salvador advém da formação territorial soteropolitana, pois as mesmas foram sendo incorporadas no cotidiano da cidade, devido às transações comerciais em sua costa litorânea. Sua expansão pela parte leste, oeste e norte de Salvador, se deu através da ampliação urbana, do desenvolvimento dos transportes, da entrada das indústrias e das migrações. A origem da FDNA não foge a regra: ela também é fruto desses fenômenos intensificados na década de 1970.

Ressalta-se que parte dos migrantes era oriunda de municípios do interior baiano, com baixa escolaridade e pouco ou nenhum recursos financeiros.

Decerto, a sua atual expansão territorial e em número de agentes sociais, constatada durante o período da pesquisa, mostrou que a FDNA permanece como local onde feirantes, em sua maioria, com pouco poder aquisitivo, apropriam-se formando novas territorialidades aos domingos, agregando dinamismo à economia local.

Ao nosso ver, a Feira Dominical do Nordeste de Amaralina é um ponto de encontro entre urbano e o rural. É a ruralidade se sobrepondo ao espaço urbano. E, sem dúvida, apresenta-se como solução para o escoamento de produtos hortifrutigranjeiros de vários municípios baianos, de pequenos produtores rurais, como também refúgio para uma população com mão de obra não qualificada, reflexo de um país subdesenvolvido e desigual.

Além da ampliação, foram averiguadas modificações no horário da chegada dos feirantes vindos do interior baiano. No início da pesquisa, eles chegavam em torno das 04h00 da manhã do domingo. Atualmente, chegam por volta das 14h00 do sábado. Enquanto que parte dos negociantes da capital chega cada vez mais cedo, até mesmo na sexta-feira, expondo seus produtos, demarcando território, o que é visto pelos moradores e feirantes antigos como invasão e quebra da tradição da feira dominical. Esse fato provoca mudanças antecipadas no espaço, fazendo com que a população local busque adequação ao novo território imposto pelos vendedores. Constatam-se nesse sentido, as relações de poder exercidas por esses agentes sociais no espaço territorializado.

Mais uma vez, concordamos com Haesbaert (2004, p.1), pois a nosso ver, o poder exercido pelos feirantes no espaço territorializado na FDNA, não se encontra atrelado ao poder tradicional e jurídico, porém, ao sentido mais simbólico, de apropriação.

Torna-se necessário salientar a existência de várias feiras em uma feira, pois, ao se adentrar no circuito da Feira se visualiza uma feira como qualquer outra, em algum bairro da periferia de Salvador. Porém, os diferentes grupos dos feirantes e consumidores trazem particularidades que tornam o espaço em múltiplos territórios. Como por exemplo: os feirantes antigos oriundo dos municípios do interior baiano são mais unidos. Em geral, reúnem-se bem próximos uns dos outros formando grupos por municipalidade.

Desses, como já ressaltado, destacam-se os provenientes de Amargosa. Esse grupo é bastante coeso e homogêneo, sendo seguidos pelos de São Felipe. Possivelmente, essa coesão advém das dificuldades vivenciadas para a obtenção das mercadorias e o deslocamento que é realizado pelo grupo em caminhões por longas horas e centenas de quilômetros até a FDNA.

Esses agentes formam uma rede de solidariedade, na qual a ajuda mútua é constante, principalmente contra os possíveis conflitos, como os furtos, tão corriqueiros no cotidiano do Circuito da Feira. Salienta-se que o peculato das mercadorias e até mesmo de dinheiro é

frequente, sobretudo nas partes Intermediária e Alta, onde há concentração dos agentes antigos do interior do Estado. Ocorre com menor intensidade na parte Baixa, principalmente entre os que comercializam roupa, calçados e alumínios, em geral ocupada pelos feirantes recentes e temporários.

Outro fator de relevância é a entrada de novos produtos, como os industrializados e manufaturados na parte Baixa, que pode ser considerada como a parte recente do circuito da Feira. Esses novos artigos modificam o perfil original que se constituía predominantemente em venda de hortifrutigranjeiros.

Em relação aos consumidores, os diferentes perfis sociais e econômicos também chamam atenção, em especial o aumento de uma população consumista não local, com poder aquisitivo mais elevado, que veem na Feira um local para aquisição de produtos mais baratos e de qualidade. Essa ocorrência nos faz lembrar Milton Santos (2004, p.51), ao se referir ao consumo da classe média. Segundo o autor, essa camada social é frequentemente obrigada a recorrer ao Circuito Inferior para outros consumos, como o de produtos alimentícios, por exemplo.

Ao concordar com Arroyo, no artigo intitulado A economia invisível dos pequenos, a autora afirma que essa economia é “[...] uma resposta à segregação social da metrópole capitalista” (2006. p.1). Nós dizemos que a FDNA está inserida nesta economia invisível, portanto no Circuito Inferior. Embora, como já discutido, exercendo complementaridade com o Circuito Superior.

Notadamente, um dos grandes problemas a enfrentar é a falta de infraestrutura, citada em capítulos anteriores. Entretanto, neste trabalho, buscamos analisar esse espaço de circulação e consumo, territorializado por agentes sociais pertencentes ao Circuito Inferior da economia urbana, em um país subdesenvolvido, sem, contudo propormos soluções ou adequações, pois entendemos que a Feira Dominical do Nordeste de Amaralina já se incorporou como tradição do bairro e tornou-se fonte de emprego e renda para os que não têm acesso com certa frequência aos bens produzidos no Circuito Superior.

Assim sendo, com os resultados apresentados, avista-se a necessidade do retorno aos estudos sobre o Circuito Inferior da economia urbana, defendidos em 1970, por Milton Santos. Apesar da diferença espacial-temporal, de todos os avanços técnicos, científicos e informacionais, provocados pelas revoluções industriais e pelo fenômeno da globalização, as feiras livres nos bairros populares, também denominados de periféricos, em especial a FDNA, continuam atuando conforme sua gênese. Há uma economia latente, dinâmica, porém invisível.

Enfim, a territorialização e a espacialização da FDNA são espontâneas, cheias de conflitos visíveis e não visíveis, porém solidárias e acolhedoras. Seus agentes sociais, aos domingos, criam e recriam novas formas de produção e organização do espaço, contribuindo, dessa forma, para que os circuitos e fluxos sociespaciais estejam sempre se renovando.

Portanto, o desvio da função do espaço territorializado pelos feirantes com seus arranjos e improvisos, apontam para um complexo de relações sociais e econômicas que necessitam ser analisadas e interpretadas pelos múltiplos olhares da Geografia e pelo poder público, visto que o espaço representa uma área de circulação, produção e consumo, sem, no entanto, estar subordinada às diretrizes dos órgãos governamentais.

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