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4 A FEIRA DOMINICAL DO NORDESTE DE AMARALINA

4.1 LOCALIZAÇÃO E CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DO BAIRRO NORDESTE DE AMARALINA

A área objeto de estudo situa-se no município de Salvador-BA, no bairro Nordeste de Amaralina, que é formado pelas seguintes localidades: Nordeste (antigo), próximo à praia de Amaralina; Santa Cruz se limita com o Parque da Cidade, na região do Itaigara; Vale das Pedrinhas; Chapada do Rio Vermelho e Areal, como é observável na Figura 19. A topografia do bairro é acidentada por morros e vales, havendo poucas ruas onde transitam veículos e muito locais cujo acesso se dá unicamente por meio de escadarias (BOULLOSA, 2003).

O bairro possui 21.887 habitantes, com 6.850 domicílios, distribuídos por 64,27 hectares, tendo sua densidade demográfica 340,53 hab/ha. A população predominante está na faixa de 15 a 64 anos de idade, com predomínio da população preta (34,35%) e parda (49,13%) (CONDER/INFORMES/SEDIG,2012).

Em seu entorno se encontram bairros considerados nobres de Salvador, como Itaigara, Pituba, Amaralina, Rio Vermelho e Candeal. No entanto, devido aos seus índices econômicos, quando comparados com a circunvizinhança ele passa a ser visto como um “enclave de pobreza”. A esse respeito, Oliveira (2006, p.63) afirma que:

O Nordeste de Amaralina representa, dentro da extensão mais ampla da cidade de Salvador, uma mancha incômoda, encravada no meio de “enclaves fortificados”. O que o separa dos chamados bairros nobres que lhe fazem fronteiras são, para além de suas características sociais, os muros e as tecnologias de segurança (OLIVEIRA, 2006, p. 63 apud SOUZA, 2008, p.47).

Figura 19 – O bairro do Nordeste de Amaralina, Salvador, Bahia, margeado pelos altos

Fonte: Disponível em <http://histriamemorianordeste.blogspot.com.br>. Adaptado

Sendo assim, os altos muros dos prédios, com suas tecnologias de segurança, que margeiam o Nordeste de Amaralina, funcionam como barreiras, conferindo-lhes distanciamento social, mesmo estando próximos geograficamente. No entanto, não só os muros provocam esse distanciamento, mas os índices socioeconômicos nos revelam as disparidades existentes entre os bairros limítrofes, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 – Comparação do IDH17 de bairros que fazem limites com o Nordeste de Amaralina

BAIRRO ANALFABETISMO(%)18

ÍNDICE DE POBREZA

(%)19

RENDIMENTO MÉDIO DOS CHEFES DE FAMÍLIA POR

DOMICILIO (R$)

TOTAL HOMEM MULHER

Amaralina 0,78 0,77 2.486,76 2.905,54 2.105,56 Candeal 1,90 1,58 5.118,23 6.036,60 3.633,36 Itaigara 0,54 0,38 7.255.06 8.572.77 5.033,76 Pituba 0,66 0,89 5.201,46 6.190,23 3.908,38 Rio Vermelho 0,95 0,99 4.349,28 4.341,74 2.922,26 Nordeste de Amaralina 3,64 3,30 1.059,31 1.307,20 782,22

Fonte: adaptada de CONDER/INFORMES/SEDIG, 2012.

Esses dados tornam visíveis as desigualdades socioeconômicas existentes entre os bairros vizinhos, com destaque para o rendimento médio dos chefes de família, sendo a mulher do Nordeste de Amaralina a que possui menor rendimento. Esses fatores fazem com 17 Índice de Desenvolvimento Humano

18 Pessoas residentes com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever.

19 O índice de pobreza é calculado a partir da população residente em domicílios particulares permanentes, que possuem rendimento nominal mensal domiciliar de até 70 reais per apta.

que a proximidade geográfica não seja necessariamente um elo de vizinhança, pois os bens e serviços são acessados de formas diferenciadas, permitindo a um grupo de pessoas participarem ativamente do Circuito Superior, enquanto que outras são obrigadas a fazer uma escolha e escalonar no tempo suas compras (SANTOS, 2004, p.333) no Circuito Inferior. Contudo, ressalta-se que esses obstáculos não impedem as pessoas de frequentarem os diferentes espaços, como exemplifica a FDNA, mesmo que seja por algumas horas.

Embora o bairro conte com várias escolas do Ensino Fundamental e Médio, Posto de Saúde, Delegacia de Polícia, uma Unidade Pacificadora da Polícia Militar - UPP20, ser servido

por várias linhas de ônibus, além de um intenso comércio com pequenos negociantes e diversos serviços, não existem no Nordeste de Amaralina agências bancárias, supermercados de grande porte, área de lazer, bibliotecas públicas e outros equipamentos urbanos considerados essenciais ao atual estágio do desenvolvimento humano.

É considerado por algumas pessoas como uma imensa favela21 e detentora de altos

índices de criminalidade que são divulgados amplamente pela mídia. Na dissertação A violência no contexto dos espaços vividos, percebidos e concebidos na cidade de Salvador: estudo de caso nos bairros da Pituba e Nordeste de Amaralina, a autora nos adverte para o fato, citando Branco (2001):

Um problema enfrentado pelo Nordeste de Amaralina e por outros bairros pobres vitimados pela criminalidade, refere-se de que as únicas imagens desses locais divulgadas pelos meios de comunicação de massa e, consequentemente, conhecidos pela população da cidade de um modo geral, são as da violência. (BRANCO, 2001 apud SANTOS, 2009, p. 101).

Outro fator relevante é o índice de analfabetismo, considerado alto ao se comparar com os demais bairros próximos. No entanto, de acordo com entrevista realizada com a Assistente Social e Coordenadora do Centro Social Urbano do Nordeste de Amaralina- CSU, os dados do IBGE, referentes à escolaridade, encontram-se defasados. Ela cita que no momento está sendo realizado no CSU, cursos com cinco turmas de TOPA22, além de turmas

na Santa Cruz e na Chapada. Segundo a Coordenadora, “tudo que é investido em cursos profissionalizantes e educacionais a população aceita”. Para Roberta Nascimento, Bacharel em Direito pela UFBA, moradora do bairro e funcionária do Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde e Tecnologia, CEEP - Carlos Sant’anna, “esses índices estão sendo modificados, embora não aparecem nos relatórios governamentais e nem na mídia”.

20 Base Comunitária de Segurança implantada pela Policia Militar em alguns bairros de Salvador considerados com alto índice de violência.

21 Para Milton Santos (2006,p.69-70), “[...] a favela é somente um quadro material de vida representativo da pobreza [...]”.

Sobre a ocupação e desenvolvimento do bairro, Traços e Laços (2006, p.11), descreve que as origens da Região Nordeste de Amaralina remontam aos tempos das Capitanias Hereditárias, quando, em 1556, o 1º Governador do Brasil Tomé de Souza doou a sesmaria Ilha de Itaparica, que incluía toda a atual orla de Salvador, à dona Violante de Câmara, que a deixou como herança para seu filho Dom Antônio de Athayde, 1° Conde de Castanheira. Com a falência do sistema de capitanias hereditárias as terras foram reincorporadas à Coroa de Portugal e a gleba do Rio Vermelho, passou às mãos de Manoel de Cunha e Menezes, governador na cidade de Salvador.

Contudo, essa região passou por várias mãos através de herança e em 1865 foi dividida em seis grandes fazendas: A Fazenda Paciência, a Fazenda Alagoas que passou a ser chamada de Fazenda Amaralina, a Fazenda Santa Cruz, a Fazenda Ubaranas, a Fazenda Pituba e a Fazenda Armação do Saraiva. As negociações continuaram e na metade do século XX, as fazendas Amaralina, Ubaranas, Pituba e Santa Cruz, deram origem à região do Nordeste de Amaralina.

Ainda segundo Traços e Laços (2006, p. 13), em 1932, foram aprovados pela Prefeitura de Salvador os primeiros loteamentos nessa área: Cidade de Balneário Amaralina, Cidade da Luz e Ubaranas. Os primeiros loteamentos, próximos à praia, constituíram área de veraneio para as pessoas que faziam parte da elite baiana da época, enquanto que na periferia dessas áreas uma população pobre, em busca de emprego, iniciava um processo de ocupação marginal nas áreas da fazenda. O Nordeste de Amaralina se desenvolveu a partir do Loteamento das Ubaranas. Os lotes foram arrendados a antigos trabalhadores da fazenda, pescadores e outras famílias: “[...] terreno aqui não era vendido era arrendado, ninguém podia comprar terreno aqui, porque tudo era uma fazenda, aqui era uma zona rural” (ALEMÃO apud TRAÇOS E LAÇOS, 2006, p. 16).

Conforme a Associação de Moradores do Nordeste de Amaralina (AMNA), o processo de urbanização se inicia nesse período com as primeiras casas de barro e telhado de coqueiros, a compra dos lotes era feita “de boca” sem haver registros. Também aconteciam as invasões.

Vasconcelos (2002, p. 319), cita que, em 1947, devido aos movimentos sociais, foi registrada a primeira invasão na cidade conhecida como Corta-Braço, daí surgindo outras como, por exemplo, as de Alagados. De acordo com o autor (p. 337), a invasão do Nordeste de Amaralina, surge com a provação do loteamento Fazenda Santa Cruz,em 1951, com 388 lotes, em 15 hectares, e, em 1957, a porção ocupada já correspondia a 12% da área do Nordeste atual.

Em sua obra O Centro da Cidade de Salvador, Santos (1958, p. 47) aborda que entre 1940 e 1950 a cidade recebeu um excedente demográfico de 126.792 pessoas, das quais os imigrantes, cerca de 89.671, representavam 70%. O autor explicita que: “Desde 1950 a capital do Estado da Bahia aumentou em média, 15.000 habitantes por ano, dos quais pelo menos dois terços vêm do interior”.

Nesse período, aconteceu a expansão da cidade em direção à orla atlântica, que, associada a alguns projetos rodoviários implantados, possibilitou a ocupação urbana. Grandes loteamentos foram implantados e conjuntos habitacionais são construídos na periferia urbana. Segundo Gordilho-Souza (2008, p. 114), as principais zonas de expansão dessa década foram a faixa da orla Atlântica, desde a Amaralina/Pituba até Itapuã. Desse modo, para Gordilho- Souza, o bairro Nordeste de Amaralina está compreendido na Orla I, na área de zona de expansão das décadas de 50-60 do século XX.

Segundo a autora, na década de 1970, houve a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari e, consequentemente, de um moderno sistema viário, dando acesso aos vales da cidade e abrindo novas fronteiras urbanas. Também foi implantado o sistema de ferry boat para Itaparica. Esses impactos na malha urbana de Salvador provocaram a expansão urbana e o aumento da ocupação coletiva por invasão23.

Outro fator que podemos abordar como influência indireta para o crescimento populacional do Nordeste de Amaralina foi a implantação do Centro Industrial de Aratu nos anos de 1960 e as aberturas de estradas ao longo da orla Atlântica, como por exemplo: em 1949, ligando a Amaralina ao Aeroporto, em 1968, a ligação entre o Iguatemi e a avenida Paralela, dando origem à avenida Tancredo Neves e a duplicação da BR 324, melhorando a ligação entre Salvador e Feira de Santana com as demais regiões do Brasil, realizada pelo governo federal, nos meados da década de 1970 (VASCONCELOS 2002, p.345).

Nesse período, podemos destacar, como importante acontecimento, a chegada, no ano de 1965, em plena ditadura militar, de Ana Sironi, italiana, religiosa e figura de grande relevância para o desenvolvimento do bairro. Ao se deparar com a extrema pobreza da periferia de Salvador, em especial a do Nordeste de Amaralina, frente à opulência da parte mais rica da cidade, sofreu grande impacto e se perguntou: seria realidade ou pesadelo?

O Nordeste de Amaralina, na época, possuía uma só classe social, a pobre. Estava em formação e em contínuo desenvolvimento, graças à migração de famílias advindas do interior do Estado. A religiosa relata que: “Há uma miséria que amedronta [...]. Não existem ruas, não 23 Ocupação coletiva por invasão, segundo Gordilho-Souza (2008, p.204), são áreas que se formaram ou cresceram por ocupação aleatória, direta e, sobretudo, de forma coletiva, sem o consentimento do proprietário fundiário.

há esgoto, a rua é uma sujeira [...] as casas são de taipas [...] são miseráveis casebres. A luz não chega para todos, não existe água encanada, somente tiradas dos poços.” (SIRONI apud BOVE, 2005, p. 23-24).

Com o crescimento do bairro na década de 1980, acontecem mais invasões, devido à grande migração motivada pela criação do Pólo Petroquímico de Camaçari, pela modernização do campo e pelas secas no sertão baiano.

Houve um forte fervilhamento político, provocado por grupos de jovens e de grupos religiosos da Igreja Católica, que, através da militância política do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), atuavam clandestinamente com a sigla do partido político Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e conduziam ações voltadas para o desenvolvimento social, político, econômico e cultural da comunidade.

Segundo Ana Castro, residente no bairro a mais de cinquenta anos, essas ações só foram possíveis graças à interferência da religiosa Anna Sironi, que decidiu investir nos jovens com a criação de escolas, incentivo à formação e à implementação de cursos profissionalizantes para os pais. As associações do bairro também tiveram forte contribuição para o desenvolvimento e crescimento do bairro como, por exemplo, nas intermediações entre governo e comunidade para construção de escolas, do esgotamento sanitário, criação de cursos profissionalizantes e principalmente em defesa dos direitos civis dos moradores.

Mais um líder religioso, lembrado pelas entrevistadas do antigo PCdoB, é o pastor Geraldo, que comandava a igreja Batista de Amaralina. Apesar de religiões diferenciadas ele e a líder católica trabalhavam em conjunto a favor da população desassistida.

Pressupõe-se, dessa forma, que a expansão do bairro do Nordeste de Amaralina na configuração atual, resulte desses impactos, e que seu adensamento tenha ocorrido com os movimentos migratórios e o crescimento vegetativo. Estudo realizado em 1974, pela Escola de Arquitetura da UFBA, indicava que 30% da população da Região Nordeste de Amaralina era oriunda do Recôncavo Baiano (TRAÇOS E LAÇOS, 2006, p. 21).

Essa ideia coincide com os depoimentos dos antigos moradores, segundo os quais, o bairro teve início com uma colônia de pescadores, que formava uma vila na região da orla oceânica até os anos 1970. Desse modo, supõe-se que a feira do Nordeste de Amaralina tenha se originado a partir do contexto da expansão urbana de Salvador, em que pessoas oriundas da zona rural buscavam alternativas para sua sobrevivência.